Teses de revisão não abarcadas pela decadência do STF

AutorAnalia Silva
Páginas9-18

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1. Introdução

No presente artigo serão versadas considerações sobre um tema de grande discussão no Direito Previdenciário, que é o instituto da decadência aplicado no direito de revisar os benefícios previdenciários. No entanto, com especial atenção aos limites do presente trabalho, discorreremos sobre a aplicação da decadência na tese do melhor benefício.

Este artigo, associado ao posicionamento consolidado pelo STF em decisões já prolatadas no âmbito da aplicação da lei previdenciária, pode colaborar para afastar a aplicação do instituto da decadência aos benefícios concedidos antes da vigência da lei que a instituiu no regime geral.

O exame do direito intertemporal apresenta como tema central: as formas de aplicação da lei no tempo, permanecendo sempre intrinsecamente atrelado ao direito previdenciário em razão da conveniente inovação legislativa da matéria, deveras indispensável, a bem do princípio atuarial e regularmente, geradora de graves desequilíbrios econômicos do sistema e concepções doutrinárias e jurisprudenciais díspares.

O instituto da decadência exprime a preocupação com a preservação e a estabilidade das relações jurídicas, ou seja, é dar a cada um, o que é seu, não podendo dispor desse direito, de forma eterna. Assim, o titular do direito tem por determinação legal, certo tempo para promover a constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica.

Assim como será observado, o tema decadência é um tanto quanto polêmico no conhecido Direito Social, pois antes da regra prevista no art. 103 da Lei de Benefícios, era admissível a qualquer tempo sanar vício em relação aos benefícios previdenciários; contudo, caso existissem, diferenças devidas, fazia-se necessário respeitar o quinquênio legal, em face dos efeitos da prescrição.

Ao agregar a questão do prazo decadencial, a discussão que existia sobre a tese do melhor benefício, era a respeito da melhor data de início para o segurado se aposentar. Entretanto, a Previdência Social, no que lhe dizia respeito, entendia que não tinha cabimento tal discussão, uma vez que a data de início do benefício para o segurado sempre foi prevista, de forma prática, na legislação previdenciária. Assim sendo, o INSS entendia que a data de início de benefício - DIB, deveria ser estipulada ou na data do desligamento do emprego ou na data de apresentação do requerimento do benefício (art. 29 da Lei n. 8.213/1991).

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Se mais vantajoso, fica assegurado o direito à aposentadoria, nas condições legalmente previstas na data do cumprimento de todos os requisitos necessários à obtenção do benefício, ao segurado que, tendo completado 35 anos de serviço, se homem, ou 30 anos, se mulher, optou por permanecer em atividade.

A tese do melhor benefício ratifica que, cumpridos todos os requisitos para a concessão do benefício, o segurado tem direito à aposentadoria que maior valor tenha, contemplados os critérios legais existentes, indiferentemente do momento em que o segurado venha demandar a concessão do benefício previdenciário e desde que a legislação superveniente, se existir, igualmente abrigue o direito pleiteado.

Além do que, a questão do direito ao melhor benefício, é objeto de apreciação de Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário n. 630.501, que reconheceu o direito ao cálculo do benefício mais vantajoso ao segurado do INSS, uma vez que foram completadas as condições para a concessão da aposentadoria.

Em decisão prolatada pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário n. 626.489 com repercussão geral reconhecida, com relação à aplicação do instituto da decadência aos benefícios previdenciários concedidos antes da publicação da Medida Provisória n. 1.523-9, de 27.06.1997, posteriormente convertida na Lei n. 9.528/1997, implica na possibilidade de ocasionar à economia, uma despesa de milhões de reais em detrimento de todos os benefícios concedidos e ativos em junho de 1997, estabelecendo a possibilidade de revisões diversas, tanto de matérias de fato ou de direito, ainda não praticadas.

Assim sendo, no intuito de que se possa compreender a forma de aplicação da lei no tempo, indispensável se faz citar a existência dos seguintes fatos jurídicos: fatos passados, presentes, futuros e ainda os fatos pendentes, sendo que os três primeiros em face de suas próprias denominações escusam maiores explicações e não acarretam maiores discussões acerca da aplicação da lei a eles, principalmente no que se refere ao direito previdenciário.

Eventos pendentes e formas de aplicação da Lei no exame do direito previdenciário, sobretudo, são de substancial importância à conceituação dos eventos pendentes, porquanto assim, se qualificam a boa parte dos benefícios previdenciários, enquanto são adquiridos pelos respectivos segurados e são precisamente esses fatos que justificam as maiores discussões sobre a aplicação da lei no tempo. Portanto, os eventos pendentes são circunstâncias complexas conceituadas por Elival da Silva Ramos como os fatos "que, iniciados anteriormente ao início de vigência da lei, se prolongam no tempo, ultrapassando esse marco temporal".1

Fernando Noronha, professor da Universidade Federal de Santa Catarina, também defende esse entendimento, nos seguintes termos:

Ora, como vamos ver, cada lei deverá ser aplicável aos fatos novos que acontecerem no seu tempo (prospectividade) e em princípio será ela também que deverá reger os efeitos novos que sejam produzidos no seu tempo por situações vindas do tempo anterior (retrospectividade); no entanto, uma lei pode determinar as consequências jurídicas de fatispécies completadas antes de ela haver entrado em vigor (retroativi-dade), ou pode ainda ser aplicável a pressupostos que se ultimarão somente após ela ter sido substituída por uma nova lei (pós-atividade).2

Para Carlos Maximiliano, "Considera-se retroativa, e, portanto, condenável, a lei, unicamente quando desrespeita, posterga, atropela ou destrói uma situação jurídica concreta".3

E para Savigny:

Em primeiro lugar, é muito importante e desejável que os cidadãos tenham uma confiança inquebrantável no domínio das leis existentes. Isso não quer dizer uma confiança em sua duração imutável, porque, segundo as circunstâncias, a esperança de uma melhoria, de um progresso, pode ser um anseio fundado e salutar. Isso quer dizer a confiança que, enquanto as leis subsistirem, conservem seu domínio e sua eficácia. Cada um deve, portanto, poder sentir-se seguro que os atos jurídicos por ele realizados, segundo as leis existentes, para adquirir direitos, conservem no futuro sua eficácia.4

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A retroatividade, de fato, causa conflito de interpretações em relação aos eventos pendentes, pois quando da incidência de uma nova lei sobre uma situação jurídica já constituída pode parecer, aparentemente, estar se empregando a lei de forma retroativa. No entanto, só existiria retroatividade da lei nova sobre a antiga, se essa nova norma alterasse algum dos efeitos já produzidos pela legislação do tempo em que a situação foi estabelecida, uma vez que se não houver alteração, pode-se estar diante de simples cumprimento imediato da lei. A retrospectividade, habitualmente designada de eficácia imediata ou, ainda, retroprospectividade, encerra relevante importância quando se trata de aplicar ou não determinada lei previdenciária nova aos benefícios previdenciários já concedidos, assim como a questão da aplicação do instituto da decadência aos benefícios previdenciários concedidos antes da publicação da Medida Provisória n. 1.523-9, de 27.06.1997, que foi posteriormente convertida na Lei n. 9.528/1997.

Noronha defende que retrospectividade existe "sempre que a lei nova considerar fatos ocorridos ao tempo da anterior, para determinar consequências que sejam válidas somente no seu novo tempo". Para José Eduardo Martins Cardozo, assim sendo, nos parece cabível concluir que por efeito imediato da lei se deve entender aquele que atinge fatos e situações no exato momento temporal em que entra esta em vigor, não importando juridicamente se tais fatos e situações remontam ou não no seu nascimento a um antigo diploma legislativo por esta nova lei substituído5.

Observe que o autor considera como efeito imediato não só a incidência da lei sobre os eventos pendentes, mas, também sobre os fatos novos; precisamente por isso, deduzimos que a denominação "efeito imediato", até mesmo pela natureza gramatical das palavras, não é a mais apropriada quando se quer atingir a forma de aplicação da lei mais adequada aos eventos pendentes.

Retrospectividade não se confunde com a retroatividade, uma vez que aquela guarda todos os efeitos jurídicos dos atos praticados sob a vigência da lei antiga, fazendo valer seus fundamentos somente a partir do momento em que entra em vigor, diversamente da retroatividade, que poderia modificar o passado.

Limongi França, ao individualizar os direitos de aquisição sucessiva como os que "se obtêm mediante o decurso de um lapso de tempo. É o caso da prescrição, do direito à aposentadoria, da maioridade etc.", compreensão como mais conveniente a essa espécie de direito a aplicação imediata da lei, veja-se:

A solução, pois, parece encontrar-se na aplicação imediata da lei, considerando-se válido o lapso já decorrido, e computando-se o lapso por escoar de acordo com a lei nova. Está isto não apenas de acordo com a lógica jurídica, senão também com a regra do efeito imediato, a qual constitui atualmente uma das vigas mestras do nosso sistema de Direito Intertemporal6.

Nesse sentido, igualmente o eminente jurista Vicente Ráo entende que se aplica o mesmo princípio aos fatos...

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