O terrorismo e arelativização dainextraditabilidade de autores de crimes políticos

AutorCandice Nóbrega Graziani Vieira Lima
CargoMestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Professora de Direito Internacional e Coordenadora de Pesquisa do Curso de Direito da Faculdade Integrada do Ceará – FIC.
Páginas59-69

Page 59

Considerações preliminares

Diversos encontros multinacionais vêm se realizando com o propósito de alcançar a cooperação internacional no combate ao fenômeno terrorista. Muitos são os tratados e convenções que têm sido elaborados com a finalidade de resolver o problema conceitual e jurídico do tema na esfera internacional. No entanto, não há, ainda, no Direito Internacional contemporâneo uma definição universalmente aceita de terrorismo. O problema subsiste, sobretudo, no que diz respeito à fixação de um tipo penal universal, notabilizando-se a questão de resolver se o terrorismo é, ou não, um crime de natureza política, o que, em caso afirmativo, inviabilizaria a extradição de seus autores.

Importante lembrar que mesmo a simples qualificação dos delitos, entre comuns e políticos, sem considerar a questão específica do terrorismo, é matéria complexa e controvertida, na qual subjaz a problemática intrínseca da extradição.

Page 60

O presente artigo se propõe a examinar a regra da inextraditabilidade de criminosos políticos, considerando a relativização que a comunidade internacional lhe tem aplicado quando o delito, a despeito de sua essência política, utiliza-se de elementos ou é perpetrado através de condutas tipificadas como crimes de natureza comum, revelando gravidade ou revestindo-se de um caráter de atrocidade.

1 Da extradição

Extradição é “o ato pelo qual um Estado faz a entrega, para fins de ser processado ou para a execução de uma pena, de um indivíduo acusado ou reconhecido culpável de uma infração cometida fora de seu território, a outro Estado que o reclama e que é competente para julgá-lo e puni-lo.”(CAHALI, 1993, p. 295)

Extraditar é um dever jurídico e recíproco, de cooperação judicial internacional, prescrito em tratados e acordos de assistência mútua, através do qual se permite a atuação jurisdicional penal do Estado mais adequado para exercê-la. Entretanto, apesar de ser um dever de colaboração penal internacional, a extradição nem sempre pode ser exigida, havendo certos tipos de delitos que – de regra – a inviabilizam, como aqueles de natureza política.

A extradição é, pois, um instrumento de cooperação internacional no combate à criminalidade comum por meio do qual os Estados se auxiliam mutuamente com a finalidade precípua de evitar ou minimizar a impunidade e de prevenir a reincidência. Ao atender a um pedido extradicional, esteja ele fundado em tratado ou em mera promessa de reciprocidade, o que se lê nas entrelinhas do ato de entrega do extraditando é que o Estado requerido concorda em trabalhar conjuntamente com o Estado requerente contra a criminalidade que circunstancialmente os uniu.

Requisito inafastável da extradição, apontado pela doutrina, é a certa gravidade com a qual têm de estar revestidos os delitos, significando que não serão alcançados pelo instituto os autores de simples contravenções, puníveis com penas de natureza leve. Para alguns, como Hildebrando Accioly, a significatividade do delito é característica conceitual indispensável, configurando a extradição “o ato mediante o qual um Estado entrega a outro indivíduo acusado de haver cometido crime de certa gravidade ou que já se ache condenado por aquele, após haver-se certificado de que os direitos humanos do extraditando serão garantidos.” (ACCIOLY, 2002, p. 398)

A observância aos direitos humanos do extraditando certamente ultrapassa a análise que se fará na seqüência, mas encontra interseção na questão do direito de asilo aos criminosos políticos – instituto humanitário que, em certa medida, representa o reverso da extradição, uma vez que visa à proteção de criminosos políticos.

Curiosamente, em suas origens a extradição constituía instrumento esporádico de entrega de criminosos políticos, e não de criminosos comuns. ApenasPage 61após a Revolução Francesa inaugurou-se o costume de conceder asilo, o que modificaria fundamentalmente o tratamento conferido aos autores de crimes políticos. No século XIX, consagra-se, após a Paz de Amiens (1802), e sobretudo por influência da Bélgica e da Suíça, a regra da inextratabilidade dos criminosos políticos.

2 Dos crimes políticos

Ao dizer-se que, de regra, criminosos políticos são impassíveis de extradição constitui-se uma questão preliminar e fundamental: a de qualificar crime político, diferenciando-o essencialmente de crime comum. Tal qualificação ainda não encontra assentamento pacífico no ordenamento jurídico internacional e pressupõe, de acordo com Mello, o enquadramento, alternativo ou cumulativo, nos critérios objetivista – que define o crime político como sendo aquele perpetrado contra a ordem política estatal, importando que o bem jurídico atingido seja de natureza política; e/ou subjetivista – que considera crime político o que foi cometido com a finalidade política. (MELLO, 2000, p. 184-185)

A diferenciação é antiga e remonta ao Direito Romano, que distinguia os delitos públicos dos privados, levando em consideração os bens atingidos. Os delitos privados caracterizavam-se, então, como lesões aos indivíduos, enquanto que os delitos públicos significavam lesão à ordem social, a interesses gerais da coletividade. Por esta razão, na óptica romana, os delitos públicos se revestiam de maior gravidade que os privados.

Apenas com as primeiras distinções entre os conceitos de Nação e Estado, e a conseqüente generalização da idéia de nacionalidade, é que os delitos públicos romanos evoluíram em sua conceituação, aproximando-se daqueles atualmente classificados como políticos. Na mesma medida, a distinção que se fazia entre delitos públicos e privados vai dando lugar àquela que hoje se faz entre crimes políticos e comuns.

A expressão “crime político” foi usada pela primeira vez por Filangieri. Em documentos políticos, os primeiros registros são observados nas Constituições Francesa e Belga, de 1830 e 1831, respectivamente. À exceção da legislação italiana e alemã, a utilização da expressão aparece costumeiramente vinculada às disposições especiais sobre extradição, não havendo, geralmente, preocupação com a sua definição.

A despeito de sua indefinição legislativa, originariamente os crimes políticos se caracterizavam como aqueles cometidos contra a ordem e a segurança interna do Estado. Modernamente, entretanto, hão de considerarem-se igualmente políticos aqueles crimes praticados contra a ordem e a segurança externa, que impliquem a vulnerabilização da independência, da soberania, da integridade territorial e das relações internacionais.

Importante lembrar que houve um tempo em que, preocupados com a questão específica do terrorismo, alguns autores dedicaram-se ao estabelecimentoPage 62de uma diferenciação fundamental entre os crimes políticos e os crimes ditos sociais. Neste raciocínio, negava-se o enquadramento do terrorismo como crime político, categorizando-o de maneira artificialmente diversa para possibilitar sua repressão pela via extradicional.

De acordo com Jimenez de Asúa, a figura do terrorismo foi construída com o fim de limitar a benignidade do trato que se concede internacionalmente ao criminoso político. (apud FRAGOSO, 1981, p. 32)

3 Da regra de inextratabilidade dos criminosos políticos

Em geral, todo indivíduo que comete crime de certa gravidade é passível de extradição, a fim de ser entregue à justiça do Estado competente para julgá-lo e puni-lo. Contudo, este instituto do Direito Internacional não pode ser concedido de maneira indiscriminada, havendo pressupostos, positivos e negativos, que, respectivamente, legitimam ou denegam, seu deferimento. Entre os negativos, aquele que versa sobre...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT