Termo de ajustamento de conduta

AutorPaulo Wunder de Alencar
Páginas52-75

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1. Introdução

O presente artigo tem por finalidade tratar da consensualidade no exercício das sanções do poder de polícia e da sua aplicabilidade às agências reguladoras.

Não pretende, portanto, ser um trabalho exauriente sobre o poder de polícia, nem busca esgotar todas as complexas celeumas acerca dos compromissos de ajustamento de conduta, mas apenas despertar uma discussão sobre a possibilidade de utilização de soluções consensuais em vez da imposição de penas administrativas, em especial em matéria de atividades reguladas.

Por meio da consensualidade, além de se atingir o mesmo objetivo da sanção administrativa, ou seja, a repressão a uma conduta lesiva a direito coletivo, também se observa uma função social, na medida em que tanto os interesses transindividuais envolvidos, como a própria preservação da atividade que causou a lesão, são sopesados a fim de que as obrigações a serem impostas para recomposição do dano permitam, por exemplo, uma punição menos gravosa ao causador do dano, mas mais eficiente aos particulares afetados.

Assim, apesar de o exercício do poder de polícia ser obrigatório pelo seu titular legitimado, a sanção de polícia não precisa ser necessariamente uma pena imposta unilateralmente,

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cabendo também a aplicação de medidas consensuais por meio de compromissos de ajustamento de condutas.

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), instrumento de solução consensual de conflitos, deve ser estimulado, uma vez que pode extinguir investigações com maior celeridade e eficiência, ao evitar discussões no Judiciário e permitir que o causador do dano negocie a melhor forma de adequar a sua conduta, de modo que a atividade desempenhada pela sua sociedade não cesse diante de uma pena administrativa.

2. Natureza jurídica

A orientação clássica da doutrina define o poder de polícia como "o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais"1.

A ideia de poder de polícia sempre esteve atrelada à soberania do Estado e à submissão da vontade dos particulares. Aliás, o conceito explícito no artigo 78 do Código Tributário Nacional deixa isso muito claro:

atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razões de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Enfatiza-se, portanto, a face imperativa da Administração Pública e a supremacia do Estado e do interesse público sobre o privado. A partir do momento em que o Estado se organizou e assumiu para si o monopólio da força, aos particulares restou uma sujeição àquilo que era legitimamente decidido pelo agente público responsável.

Atualmente, entretanto, houve uma ampliação das funções do Estado e, consequentemente, do campo e da maneira da sua atuação. Agora, ao também operar na ordem

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econômica, na qual age em concorrência ao particular, bem como na ordem social, quando atende o cidadão de forma assistencialista, o Estado muda o caráter restritivo da sua conduta e parte para o incentivo.

Do papel de autoridade, que fazia cumprir o dever do cidadão de não interferir e perturbar o interesse público, evoluiu para um patamar em que o foco deixa de ser o Estado em si e passa para o particular, cabendo ao primeiro exercer uma função intervencionista, mas agora restringindo e condicionando o exercício de seus próprios direitos em prol de uma maior liberdade e atuação daqueles que antes eram apenas seus subordinados.

Essa evolução da natureza da atividade do Estado gera, consequentemente, uma mudança do perfil do poder de polícia, não apenas do ponto de vista doutrinário, mas na sua forma de aplicação.

A passagem do autoritarismo para o diálogo implica, também, a priorização da consensualidade na solução de conflitos em detrimento da aplicação unilateral de sanções, à medida que, a partir desse método, todos os interesses em jogo podem ser otimizados simultaneamente.

Cediço que o ciclo de polícia envolve as seguintes fases: ordem, consentimento, fiscalização e sanção, sendo esta última o momento em que ocorre a aplicação da penalidade decorrente do não cumprimento dos limites impostos nas etapas anteriores.

Sabe-se, ainda, que o exercício da função sancionadora deve ser sempre motivado e proporcional, o que significa que a pena deve ser graduada dependendo das condições fáticas e jurídicas do caso concreto.

Isso porque a regra constitucional que determina o dever de fundamentação das decisões judiciais (artigo 93, inciso IX) se aplica às sanções de polícia administrativa. Em um Estado de Direito, no qual a atividade sancionadora está eminentemente vinculada a uma previsão legal anterior, a motivação é o elo essencial entre a sanção (nulla poena sine lege - artigo 5°, inciso XXXIX, da CRFB/88) e sua eventual revisão, pois o conhecimento é elemento da defesa.

Outrossim, o dever de motivação pode ser extraído

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do artigo 37, caput, da Carta Magna, ao prescrever que a Administração Pública se submete, entre outros, aos princípios da legalidade, moralidade e publicidade.

No que tange à fixação das penas, a proporcionalidade é a técnica de solução de conflitos entre princípios. Por meio dela, devem ser examinadas as condições especiais de importância de cada um dos princípios em jogo, conferindo-se o peso individual deles no confronto, para se aferir a precedência de um sobre o outro. Nesse conflito, não se deve escolher um dos lados, mas sim otimizar ambos, a fim de que possam conviver harmonicamente.

Diante desse raciocínio, ao se constatar uma ilegalidade no exercício da fiscalização de polícia, a sanção não pode ser irrisória, a ponto de deixar de cumprir com a sua função repressora, mas também não pode ser exagerada, a fim de que atenda à função social da empresa.

Em outras palavras, a sanção pode enfrentar o dilema entre a aplicação de uma pena e a continuidade da empresa (atividade), o que envolve tanto o interesse do particular e dos seus empregados, como dos cidadãos beneficiados direta ou indiretamente pelas funções desempenhadas.

Para se aferir esse embate, aplica-se a regra da proporcionalidade como mecanismo de ponderação de princípios, que busca maximizá-los em um caso concreto, subdividida em três sub-regras, consecutivas e subsidiárias: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Por adequação se entende o meio com cuja utilização um objetivo pode ser fomentado, promovido ou alcançado, o que significa, para Virgílio Afonso da Silva, que "uma medida somente pode ser considerada inadequada se sua utilização não contribuir em nada para fomentar a realização do objetivo pretendido"2.

Esse primeiro estágio envolve, então, a premissa de se estabelecer o grau de não satisfação ou de prejuízo do princípio questionado. O foco é o princípio que supostamente traz algum tipo de restrição ou prejuízo para alguém, sem se examinar, por enquanto, o outro princípio que seria atingido.

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Destarte, adequado é aquilo que se presta à finalidade pretendida, ou seja, se determinada medida consagra certo princípio, ela será adequada para esse princípio. Não se busca aferir o outro princípio em choque, mas somente aquele que a medida visava a proteger ou incentivar.

Já necessário é o ato estatal que limita um direito fundamental que não poderia ser promovido, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limitasse, em menor medida, o direito fundamental atingido.

Portanto, enquanto o exame da necessidade é eminentemente comparativo, o da adequação é absoluto e se esgota em si próprio. É da essência do exame da necessidade a comparação da medida em debate com outras eventualmente possíveis, a fim de se aferir se a escolha, ou melhor, se a restrição causada a um dos princípios, foi necessária, ou se existe outra alternativa menos invasiva.

Diferentemente da fase da adequação, em que o princípio protegido é isoladamente examinado, afere-se na necessidade a importância da satisfação do mesmo princípio (ou melhor, seu grau de benefício), porém aqui já comparando a medida com outras soluções teoricamente possíveis, mas que não acarretariam a mesma restrição ou prejuízo ao outro princípio em conflito. No caso, se tanto uma suspensão temporária de uma atividade, como a sua interrupção permanente resolveriam o problema causado, ambas podem ser medidas adequadas, mas apenas a primeira seria necessária.

O exame da proporcionalidade em sentido estrito, por sua vez, consiste no sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva.

É a fase em que ocorre a verdadeira ponderação entre os princípios envolvidos no conflito, pois, até aqui, ainda não se atribuía pesos a eles. Conforme Alexy, "as submáximas da adequação e da necessidade demandam uma otimização relativa às possibilidades fáticas. Não se trata aqui de ponderação, mas de impedir restrições em direitos fundamentais evitáveis sem custos para outros princípios"3.

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Para que uma medida seja desproporcional em sentido estrito os motivos que a fundamentam devem ter valor menor do que o peso do direito fundamental restringido. Ao transportar essas lições para a atividade sancionadora de polícia, havendo mais de uma pena possível, e sendo importante a...

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