Término do contrato de trabalho - modalidades e efeitos

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1224-1279

Page 1224

I Introdução

O contrato de trabalho, como os negócios jurídicos em geral, nasce em certo instante, cumpre-se parcialmente ou de modo integral, e sofre, quase que inevitavelmente, alterações ao longo do tempo; por fim, ele se extingue.

O momento de terminação do contrato também é de grande relevância no Direito do Trabalho.

Na verdade, o ramo justrabalhista, pelo menos em suas versões clássicas, antes da borrasca avassaladora da desregulamentação das políticas sociais no último quartel do século XX no Ocidente, sempre atuou em sentido contrário à terminação do contrato empregatício. É que este fato transcende o mero interesse individual das partes, uma vez que tem reflexos na âmago da estrutura e dinâmica sociais: afinal, o desemprego não pode e não deve interessar à sociedade, ao menos em contextos de convivência e afirmação democráticas. Em uma Democracia, todos os indivíduos são sujeitos de direitos, e a todos deve ser assegurada a dignidade, independentemente de sua riqueza pessoal ou familiar. Assim, o trabalho com garantias mínimas — que no mundo capitalista tem se traduzido no emprego, ao menos para os despossuídos de poder socioeconômico — torna-se, na prática, o grande instrumento de alcance do plano social da dignidade humana. Ou seja, torna-se o instrumento basilar de afirmação pessoal, profissional, moral e econômica do indivíduo no universo da comunidade em que se insere.

Por isso, tradicionalmente, no Direito do Trabalho sempre vigorou o princípio da conservação do contrato, da continuidade da relação de emprego: preserva-se o vínculo juslaborativo, desde que a dispensa não se funde em causa jurídica relevante. Mesmo em ordens jurídicas que não concretizam esse princípio em todas as suas potencialidades, autorizando, por exemplo, a dispensa do empregado como mera prerrogativa potestativa do empregador — como a brasileira, a propósito —, não se pode negar a importância sociojurídica do fato da extinção do contrato, com restrições ainda significativas que o Direito do Trabalho procura a ele antepor.

O estudo do término do contrato de trabalho envolve a análise de inúmeros aspectos jurídicos. Em primeiro lugar, o estudo dos princípios aplicáveis a essa fase do contrato de emprego, com a evolução jurídica percebida no país acerca desse relevante momento. A seu lado, a apresentação das diversas

Page 1225

modalidades de terminação contratual e seus respectivos efeitos jurídicos. É o que será feito no presente Capítulo XXVIII deste Curso.

A matéria sobre a ruptura do contrato é, porém, extensa, demandando outros capítulos para sua investigação. Assim, no Capítulo XXIX deste Curso será estudado o término contratual por ato lícito das partes, segundo o sistema jurídico brasileiro. Tal estudo engloba a dispensa sem justa causa, outras dispensas motivadas mas sem culpa obreira, a análise sobre o pedido de demissão pelo próprio empregado, a par do exame da figura jurídica do distrato. No mesmo capítulo será também estudado o importante instituto rescisório do aviso-prévio.

No Capítulo XXX será analisado o término do contrato por ato culposo do empregado: a dispensa por justa causa obreira. No Capítulo XXXI será feito o estudo do término contratual por ato culposo do empregador: a chamada rescisão indireta do contrato.

Finalmente, no Capítulo XXXII serão investigadas figuras jurídicas que se vinculam ao momento rescisório, embora, muitas vezes, nele não se esgotem: trata-se da estabilidade e garantias de emprego (ou, informalmente, “estabilidade permanente” e “estabilidades provisórias”), das indenizações relativas ao instante de término do contrato, a par da figura jurídica multidimensional do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

II Extinção contratual - princípios aplicáveis

Há princípios justrabalhistas que comparecem no cenário do término do contrato empregatício. Nele atuam, é claro, em todas as dimensões inerentes a essas diretrizes gerais do Direito: informativa, interpretativa, normativa subsidiária e normativa concorrente, conforme já estudado no Capítulo VI do presente Curso1.

A influência de tais princípios não deve ser minimizada pelo operador jurídico, uma vez que atuam no processo de compreensão das regras de Direito Positivo, ora estendendo, ora restringindo seu sentido. Isso significa que, mesmo nas conjunturas de seu enfraquecimento como diretrizes informativas do papel criativo do legislador (como a vivenciada na década de 1990 no país), tais princípios não podem deixar de agir, com todo seu potencial, na fase propriamente jurídica. Afinal, nesta fase é que se interpreta e se compreende a regra de Direito já elaborada, adequando-a ao universo jurídico mais amplo, inclusive aos princípios basilares deste.

Page 1226

Os princípios especiais justrabalhistas que mais atuam na fase de término do contrato de trabalho são: princípio da continuidade da relação de emprego; princípio das presunções favoráveis ao trabalhador; princípio da norma mais favorável.

1. Princípio da Continuidade da Relação de Emprego

A presente diretriz (também chamada princípio da conservação do contrato) enuncia ser de interesse do Direito do Trabalho a permanência do vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e dinâmica empresariais. Apenas mediante tal permanência e integração é que a ordem justrabalhista poderia cumprir, satisfatoriamente, o objetivo teleológico do Direito do Trabalho de assegurar melhores condições — sob a perspectiva obreira — de pactuação e gerenciamento da força de trabalho em uma determinada sociedade.

Além disso, o desemprego não interessa à sociedade como um todo. Causa o desemprego impacto negativo de múltiplas dimensões (econômicas, sociais, psicológicas, etc.) sobre a pessoa do trabalhador atingido; porém, contamina, na mesma profundidade, o âmbito comunitário que cerca o desempregado, em especial sua família. Tratando-se de desemprego maciço, o impacto atinge toda a sociedade, com a desestruturação do sistema de convivência interindividual e comunitária e o agravamento das demandas sobre o sistema estatal de seguridade e previdência sociais. A par disso, o desemprego acentua a diferenciação social, alargando a chaga da exclusão de pessoas e grupos sociais, que tanto conspira contra a Democracia. Mais ainda, esse fenômeno acaba por colocar todo o sistema econômico em perigosa antítese ao papel social que a ordem jurídica determina seja exercitada pela propriedade.

A leitura que o princípio da continuidade da relação de emprego faz da ordem jurídica é que a extinção contratual transcende o mero interesse individual das partes, em vista de seus impactos comunitários mais amplos. Nessa direção, o Direito do Trabalho, por seus institutos e normas, tende a privilegiar a permanência da relação empregatícia, contingenciando as modalidades de ruptura do contrato de trabalho que não se fundem em causa jurídica tida como relevante.

O princípio da continuidade da relação de emprego, no Direito brasileiro, teve larga aplicabilidade no modelo jurídico trabalhista estruturado nas décadas de 1930 e 40 do século XX. O sistema celetista tradicional era um verdadeiro elogio ao mencionado princípio. De um lado, previa significativo e crescente contingenciamento econômico-financeiro às dispensas sem justa causa em contratos superiores a um ano, por meio de uma indenização rescisória, que se calculava segundo o período contratual do empregado (caput dos arts. 477 e 478, CLT, hoje revogados tacitamente); de outro lado, a partir do décimo ano de contrato (período encurtado para nove anos pela

Page 1227

prática jurisprudencial trabalhista da época: antigo Enunciado n. 26, TST), a dispensa injusta tornava-se juridicamente inviável, em face da estabilidade no emprego assegurada pela regra heterônoma trabalhista (arts. 492/500, CLT).

A excessiva rigidez do sistema estabilitário celetista, associada à política econômica liberal implementada pelo governo autoritário instaurado em 1964 (liberalismo econômico viabilizado por autoritarismo político), tudo conduziu à fixação de uma fórmula jurídica alternativa à CLT — o sistema do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Criado pela Lei n. 5.107, de 1966, para produzir efeitos a contar de 1º de janeiro de 1967, o FGTS liberalizou o mercado de trabalho no país. Não apenas retirou limites jurídicos às dispensas injustas no Direito brasileiro (no sistema do Fundo não seria possível, juridicamente, o alcance da velha estabilidade celetista), como também reduziu, de modo significativo, o obstáculo econômico-financeiro para as rupturas de contratos inferiores a dez anos, substituindo-o pelo mecanismo dos depósitos de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT