Terceirização: uma Realidade Desamparada pela Lei

AutorJosé Pastore/José Eduardo G. Pastore
Páginas45-60

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O mundo do trabalho vem sofrendo um grande impacto das novas tecnolo-gias. A grande velocidade das mudanças traz consigo novas formas de trabalhar e, sobretudo, a necessidade de mais especialização.

Como as inovações tecnológicas são muito rápidas, as empresas não conseguem fazer de tudo e, por isso, precisam utilizar o trabalho de outras empresas e de outras pessoas especialistas no seu produto. Com isso, elas passam a produzir em "redes" ou "cadeias de produção". São verdadeiras constelações de empresas e pessoas que se entrelaçam nas mais variadas formas de trabalhar. Dessas constelações participam empresas que são contratadas para vender produtos ou prestar serviços, assim como profissionais que prestam serviços especializados sob diferentes relações de trabalho. Alguns como empregados por tempo determinado, outros por projeto que têm começo, meio e fim - acabando um, começa outro, na mesma empresa ou empresas diferentes ou em todas ao mesmo tempo. Há ainda os que prestam serviços de forma intermitente. Há também os que o fazem de forma continuada - sem ser empregados das empresas contratantes.

Quanto mais rápido e mais diversificado é o processo de inovação tecnológica, mais veloz é a formação dessas constelações de empresas, pessoas e tipos de

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relações de trabalho. Na década de 1970, uma novidade industrial durava cerca de dois anos, em média. Depois disso, deixava de ser novidade e era absorvida pela maioria dos produtores. Na década de 1980, uma novidade industrial passou a durar apenas um ano e na década de 1990, apenas seis meses. Hoje em dia, há novidades que duram uma semana ou alguns dias. Tome o caso de um banco que, pela manhã, lança um produto atraente para seus clientes, com boa taxa de juros e facilidades para resgate. No final do mesmo dia, outro banco lança um produto ainda mais atraente, o que obrigará o primeiro a mudar o seu produto antes de abrir as portas no dia seguinte.

Essa velocidade de mudança exige novas formas de trabalhar. Em certos casos, o primeiro banco consegue com seu pessoal fixo acompanhar a concorrência. Em outros, precisa comprar serviços de profissionais especializados para desenvolver um novo produto em tão pouco tempo. Isso exige a contratação de serviços externos - a terceirização.

Em outras palavras, a revolução tecnológica está provocando uma revolução nas relações de trabalho. É um processo sem volta. As redes de produção congregam no seu interior uma grande variedade de relações entre empresas e entre pessoas e empresas. E nessa contratação não há por que limitá-la a atividades-meio, mesmo porque as empresas, para vencer a concorrência, precisam contratar de tudo.

Vivemos num tempo em que a história corre muito depressa, o que provoca grandes transformações no modo de trabalhar. A velocidade é meteórica.

A realidade da produção permeada pelas novas tecnologias surgiu no mundo depois da CLT. As leis trabalhistas do Brasil foram cunhadas antes do aparecimento do computador e antes do surgimento do setor de Tl - Tecnologia da Informação -, que se baseia fundamentalmente no talento humano e em profissionais que trabalham das mais variadas formas. Muitos trabalham em casa, criando sistemas; outros trabalham em empresas implantando programas. Alguns trabalham de forma intermitente; outros de forma contínua. E quase todos fogem do vínculo empregatício, porque este não se adapta à sua rotina de trabalho. Em muitos casos, a nova ideia surge no meio de um sonho, o que leva o profissional a transformar sua ideia em realidade, sentado no computador das duas às seis da manhã. Como computar sua jornada de trabalho? Outros trabalham quando viajam de avião ou de trem. Há aqueles que criam em hotéis, aproveitando o tempo "ocioso". Em muitos casos, eles criam para duas ou três empresas e não são empregados de nenhuma. Nesse caso, não basta entregar o produto, pois as duas ou três empresas precisam de seu trabalho depois do produto implantado e da manutenção dele. Esse profissional não quer ser empregado. Pelo contrário, já criou sua própria empresa para prestar serviços especializados. Já formou uma pequena equipe. Não aloca pessoas, mas vende ideias. Faz parte do controvertido segmento das PJs (Pessoas Jurídicas).

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Novas tecnologias, novos trabalhos

No mundo inteiro, as empresas que mais se multiplicam são as que não têm empregados. Nos Estados Unidos, 72% das empresas são desse tipo, uma ou duas pessoas (sócios) prestando os mais variados serviços dentro de redes de produção. No Brasil, já chegamos à marca de 69% e elas não param de se multiplicar.

Se alguém perguntar a uma grande consultora de empresas de que modo deve-se montar uma nova fábrica, a primeira resposta será esta: "Não tente fazer de tudo, porque ninguém tem capacidade de dominar todas as tecnologias, todos os produtos e todos os meios de produção. Articule-se com especialistas. Coloque o setor de pesquisa e desenvolvimento perto de uma universidade ou de um instituto de pesquisa e, para fazer melhor, faça o seu pessoal trabalhar bem próximo dos profissionais daquelas instituições. Coloque o setor de dados - o banco de dados - em uma empresa especializada e que faz isso, com sigilo, presteza e bom preço. Não há porque investir na montagem de um banco de dados que requer equipamento que muda a cada seis meses e um quadro de pessoal de alta especialização. Coloque o setor de produção onde há energia, mão de obra qualificada e leis ambientais amigáveis". E assim por diante.

É por isso que as empresas trabalham em redes. Os produtos são montados a partir de muitos especialistas e muitos produtores. Tudo isso para vencer a concor-rência e atender o consumidor que, em qualquer parte do mundo, deseja a última novidade, com a melhor qualidade, o menor preço e boa assistência técnica.

Para a produção da boneca Barbie, o cabelo é de Taiwan, o plástico é do Japão, o vestido é da China, a montagem é na Malásia, e a exportação é por Hong Kong. É isso que permite colocar esse produto nas mãos das crianças por US$ 10. Se a Mattel fosse fazer tudo, custaria US$ 70.

Ou seja, ninguém pode fazer tudo. É preciso contar com a colaboração de muitas outras empresas e pessoas, passando para fora atividades-meio e ativida-des-fim. É a rede em ação. E isso é essencial. Os consumidores são exigentes e a concorrência é brutal. Só se cria emprego quando se vence a concorrência. A busca da especialização no trabalho, portanto, é uma imposição das novas formas de produzir.

Quando se pergunta: a quem pertence o posto de trabalho? No século 19, a resposta era simples: pertence ao dono do negócio, ou seja, ao capital. Em meados do século 20, dizia-se que o posto é propriedade do empresário e do sindicato que, pela via dos contratos coletivos, estipulavam condições para o seu uso. Hoje, o posto de trabalho não pertence nem ao empresário, nem ao sindicato, mas, sim, ao consumidor. Se o produto não agradar, o consumidor não compra e os empregos definham junto com a empresa.

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Por isso, as empresas têm de criar as mais variadas formas para sobreviver e, sobretudo, crescer. Tornar-se competitivas já é difícil. Manter-se competitivas é ainda mais difícil. É preciso criar muito, fazer aquilo que sabe e contratar o que não sabe.

Ninguém pode trabalhar apenas com empregados fixos e nem mesmo só com empregados. A especialização é imprescindível.

Tome o caso de uma novela de TV. Na sua produção há as mais variadas formas de relações do trabalho. Tudo começa com o autor, que não é empregado da produtora: é free lancer, provavelmente, uma PJ. Em seguida vêm os roteiristas, que se encarregam de desenvolver os diálogos a partir do texto do autor. Simultaneamente há os que produzem o cenário e o figurino que não são empregados da produtora e, provavelmente, de ninguém, pois majoritariamente são profissionais especializados que trabalham por conta própria em jornadas as mais variadas e, novamente, como PJs. Depois entra o diretor e seus assistentes, que, em muitos casos, são empregados da empresa que veiculará a novela, mas que trabalham dia e noite para atender a demanda. Há ainda o elenco formado por atores-celebridades (na maioria PJs) e figurantes (na maioria trabalhadores temporários). Para dar forma em tudo, há uma enorme equipe técnica formada por empregados por tempo indeterminado, empregados por tempo determinado, profissionais autónomos, profissionais liberais, técnicos especializados utilizados para certas tarefas muito especificas, camera men, iluminadores, secretárias, motoristas, office boys e uma infinidade de outros profissionais que trabalham nas mais variadas condições contratuais. Cada um tem sua jornada e forma de remuneração. Cada um tem seus benefícios próprios. Tudo é variado. Nada é homogéneo. É também uma constelação de relações do trabalho.

A CLT - que nasceu antes da televisão e das constelações modernas - rege apenas as relações entre empregados e empregadores, deixando de fora, portanto, todas as demais formas de trabalhar. Os juizes, muitas vezes em dificuldade diante de tamanha complexidade, tentam incluir todos os trabalhadores na relação de empregados por prazo indeterminado, que nada tem a ver com a maioria dos que trabalham numa rede de produção complexa, como no exemplo acima.

Há uma realidade que não pode ser ignorada: com as novas tecnologias, o trabalho foi fragmentado. É com base nessa fragmentação que se chega à produção de massa, com eficiência e diversificação. Hoje em dia, o consumidor pode comprar um carro pela Internet e estabelecer tudo o que deseja nesse carro de forma que a fábrica recebe a mais variada demanda de modelos que são montados simultaneamente em uma só linha de produção.

A revolução tecnológica e a demanda por eficiência estão fazendo emergir novos modelos empresariais50. Produção e venda passaram...

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