Terceirização e Trabalho Temporário: 'Modernização' ou Precarização do Trabalho?

AutorRenata Coutinho de Almeida
Ocupação do AutorMestranda e Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas27-34
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T
RENATA COUTINHO DE ALMEIDA
(1)
O negócio me fez pensar e, por pensar, é que cheguei a conclu-
sões diametralmente opostas à opinião geral.
(BARRETO, Lima. O caso do Mendigo.)
(1) Mestranda e Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro Efetivo da Comissão Especial
de Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravo da OAB de São Paulo. Advogada.
(2) Segundo um dos idealizadores da reforma trabalhista, Marcos Melek, Juiz do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, a nova legislação
não retirará direitos dos trabalhadores. Em entrevista concedida à Veja, menciona que “a maioria dos críticos da reforma está mal informada
[...]” A matéria segue pontuando que: “[...] o juiz defende vários dos pontos mais controversos da reforma, como o trabalho intermitente – que
permite a contratação por períodos específicos, de acordo com a necessidade do empregador. “O país tem 13 milhões de desempregados. No
final do mês, eles têm zero reais a receber e não têm de onde tirar para pagar as contas que vão vencer. O que é melhor: ter um contrato que
garanta o dinheiro para pagar essa conta ou receber zero?”, questiona. No caso do trabalho intermitente, Melek diz que essa modalidade ainda
vai reduzir a informalidade. “Hoje, 54% da força de trabalho não tem carteira assinada, sem direito nenhum. Vai formalizar quem está informal
e gerar emprego. A pessoa vai ter direito a se aposentar ou auxílios previdenciários”. Ele diz não acreditar que as empresas irão substituir seus
funcionários por terceirizados ou autônomos. “As empresas não podem desmontar tudo da noite para o dia, existe um capital intelectual,
pessoas com conhecimento sobre procedimentos.” Disponível em:
cria-oportunidades/>. Acesso em: 4 jun. 2018.
Introdução
Em tempos de ataques severos a direitos sociais, já se
tornou lugar comum dizer que a legislação do trabalho é
antiquada, velha, retrógrada e excessivamente protetiva. A
construção falaciosa de anacronismo normativo foi uma das
principais bases argumentativas dos defensores da chamada
“reforma” trabalhista, que, na verdade, reformulou as estru-
turas das relações sociais do trabalho pela via da precarização
de mão de obra. Para acompanhar a movimentação do sis-
tema econômico, tem se afirmado que a legislação precisa
ser “modernizada”, no entanto, a tal “modernização” traz
inúmeros retrocessos sociais e contraria os fundamentos de
existência de uma Justiça Especializada.
Neste contexto conturbado de “reformas”, a terceiriza-
ção merece destaque. Terceirizar tem sido um instrumento
importante dentro desta engrenagem lógica de adequação
do trabalho às necessidades dos “tempos modernos”. His-
toricamente, a terceirização tem criado um trabalhador de
“segunda classe”, marginalizado do ponto de vista econômi-
co e social, ao produzir aquilo que Marx denunciou em O
Capital como cheap labour (trabalho barato), um mecanismo
capaz de aumentar a concentração de capital por meio da
redução de custos com a mão de obra.
De todo modo, os defensores da “modernização” ar-
gumentam que terceirizar aumentará a produtividade e a
competitividade nos setores econômicos e que, consequente-
mente, gerará mais empregos.(2) Alegam não haver diferença
entre as contratações de trabalhadores diretos e terceirizados,
já que ambos estão resguardados pela legislação trabalhista.
Todavia, pesquisas científicas e acadêmicas demonstram que
a terceirização tem implicado precarização do trabalho, já
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que terceirizar tem se materializado na supressão de direitos,
pagamento de salários inferiores, jornadas extensas, condi-
ções de saúde e segurança insuficientes, além de fragmentar
a classe trabalhadora e provocar exclusão social.
Por conta disso, as expectativas acerca da regulação do
tema eram grandes. A esperança era de que a terceirização
fosse tratada por um viés mais igualitário, capaz de huma-
nizar, minimamente, a situação atual dos trabalhadores
terceirizados. Entretanto, a legislação optou por liberar a
terceirização de forma irrestrita e legitimar a quarteirização. O
fato é que, nessa corrida interminável do direito do trabalho
para se alinhar às demandas do mundo produtivo, a pretexto
de que a legislação tem que “avançar”, a terceirização tem
desempenhado um papel fundamental para que os direitos
conquistados pelos trabalhadores e o projeto de Estado Social
sejam gradativamente suprimidos e, atualmente, desmante-
lados pela ideia de “modernização”.
Com o intuito de refletir sobre o fenômeno da terceiri-
zação, este artigo busca analisar tanto as questões técnicas
trazidas pela nova legislação, quanto seus impactos no
mundo do trabalho. Neste sentido, o primeiro capítulo do
artigo dedica-se a um breve histórico acerca do surgimento
da terceirização brasileira até sua recente regulamentação,
enquanto que o segundo discute, tecnicamente, as prin-
cipais alterações implementadas pelas Leis ns. 13.429 e
13.467. Por fim, os capítulos terceiro e quarto têm como
foco demonstrar, por meio de apontamentos científicos, o
contraste existente entre ser empregado efetivo e ser um
terceirizado, por meio da análise das condições de saúde
e segurança no trabalho dos terceiros, das disparidades
econômicas e sociais a que estão submetidos, bem como
do recorte de gênero, raça e etnia que esse método de or-
ganização do trabalho tem produzido.
Como surge a terceirização?
A terceirização ou outsourcing é um fenômeno que surge
nos Estados Unidos com a Segunda Guerra Mundial e se mas-
sifica com a liberação do mercado em economias emergentes
e o crescimento de empresas americanas no México a partir
da década de 1960. No Brasil, a terceirização desponta no
setor público, já no final dos anos de 1960, e se estende ao
setor privado, especialmente, com a criação do modelo de
trabalho temporário em 1974. A partir dos anos de 1980
(3) DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2015. p. 473.
(4) DIEESE. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Impactos da Lei n. 13.429/2017 (antigo PL n. 4.302/1998) para
e 1990, a terceirização é impulsionada pelo movimento de
privatização das empresas estatais.
Conceitualmente, a terceirização é compreendida como
um “fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de
trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspon-
dente”(3), isto é, o trabalhador terceirizado está inserido no
meio produtivo da tomadora, mas a relação de emprego se
estabelece com uma empresa interveniente ou prestadora
de serviços.
É verdade que, até a reforma trabalhista, o Brasil não
havia disciplinado a matéria de forma específica. O Código
Civil de 1916 previa a possibilidade de contratação de mão
de obra por meio da locação de serviços (arts. 1.216 e ss.)
e da empreitada (arts. 1.237 e ss.), enquanto que a Conso-
lidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada em 1º de
maio de 1943, trouxe apenas um dispositivo sobre o tema
que, surpreendentemente, admitiu a quarteirização nos con-
tratos de empreitada ao prever a responsabilidade solidária
do subempreiteiro.
O primeiro diploma legal que tratou, expressamente, da
terceirização foi o Decreto-Lei n. 200, de 1967, que possi-
bilitou a contratação indireta para as atividades executivas
no âmbito da administração pública federal (art. 10, § 7º).
Depois, em 1983, a Lei n. 7.102 permitiu a terceirização na
prestação de serviços de segurança, vigilância e transportes
de valores no setor financeiro. Até então, não havia uma
legislação que tratasse da terceirização de forma mais ampla.
A ausência de regulação, bem como a proliferação da
terceirização no mercado de trabalho e o consequente cres-
cimento das demandas judiciais foram fatores determinantes
para que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) revisasse o
entendimento cristalizado pelo Enunciado n. 256, que ve-
dava a contratação de terceiros fora dos casos previstos em
lei, e editasse a Súmula n. 331, que liberou a terceirização
e estabeleceu uma dicotomia problemática, do ponto de
vista conceitual, entre atividades meio e fim, além de passar
a responsabilizar a tomadora pelo adimplemento das obri-
gações trabalhistas apenas de forma subsidiária. Portanto,
durante décadas de anomia, a Súmula n. 331 era a única
base norteadora para os casos de terceirização.
O Projeto de Lei n. 4.302, de 1998, legado do governo
FHC, foi resgatado e aprovado pela Câmara dos Deputados
em 22 de março de 2017. Tinha como proposta inicial
ampliar o contrato de trabalho temporário e, após sofrer
alterações, passou a regular as empresas responsáveis pela
intermediação de mão de obra temporária(4). O PL foi con-
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vertido na Lei n. 13.429, em 31 de março de 2017, e alterou
as relações de trabalho na empresa de trabalho temporário e
na empresa de prestação de serviços a terceiros. Entretanto,
pouco mais de 3 meses depois da sua promulgação, fomos
contemplados pela Lei n. 13.467/2017, que “reformou a re-
forma” e trouxe novos contornos ao regime de terceirização,
criando uma “mini CLT para os terceirizados”(5). De todo
modo, ambas as legislações alteraram a Lei n. 6.019/1974
e trouxeram novos rumos ao campo da terceirização de
serviços e da contratação temporária.
O que mudou?
No trabalho temporário
No Brasil, a contratação temporária foi uma das primeiras
formas autorizadas de terceirização de serviços no âmbito
privado, inclusive com permissão para sua utilização nas
atividades fim da empresa.
De acordo com a nova redação da Lei n. 6.019, o tra-
balho temporário se justifica quando, por intermédio de
uma empresa prestadora de serviços, a tomadora contrata
trabalhadores temporários para atender à necessidade de
substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda
complementar de serviços (art. 2º, caput). Essa alteração amplia
os motivos de contratação, porque antes a legislação trazia a
expressão acréscimo extraordinário de serviços e o texto legal
ao definir demanda complementar como aquela que “oriunda
de fatores imprevisíveis ou quando decorrente de fatores pre-
visíveis, tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal”,
deixa evidente que a contratação do temporário não precisará
mais ter caráter extraordinário, bastando a periodicidade ou
a intermitência dos serviços contratados.
Além do mais, o prazo de duração dos contratos tem-
porários também foi flexibilizado. Na redação anterior, a
contratação tinha que respeitar o prazo máximo de 3 meses,
permitida a prorrogação mediante autorização do órgão
local do Ministério do Trabalho e Previdência Social. Com a
reforma, o prazo foi estendido para 180 dias (art. 10, § 1º),
podendo ser prorrogado por mais 90 dias, consecutivos ou
não, sem necessidade do consentimento do órgão competen-
te, mas, tão somente, comprovar a manutenção das condições
que ensejaram a contratação temporária (art. 10, § 2º).
A nova lei prevê, ainda, um interregno de apenas 90
dias para contratação do mesmo trabalhador sob as mesmas
os trabalhadores – contrato de trabalho temporário e terceirização (Nota n.175). São Paulo: Dieese, 2017. Disponível em: .dieese.
org.br/notatecnica/2017/notaTec175TerceirizacaoTrabalhoTemporario.html>. Acesso em: 15 jun. 2018.
(5) SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 188.
(6) Ibidem, p. 189-190.
condições, pela mesma empresa tomadora dos serviços e por
meio da mesma empresa de trabalho temporário, fato que
também contribuirá para o crescimento dessa forma mais
flexível de contratação (art. 10, § 5º). Além disso, o legislador
passou a responsabilizar a tomadora de forma subsidiária
(art. 10, § 7º), mantendo a solidariedade apenas em casos
de falência da empresa prestadora de serviços temporários
(art. 16).
É importante frisar que a ideia do texto original do proje-
to de lei era flexibilizar ainda mais a condição do temporário,
porque suprimia o rol de direitos (art. 12), já reduzido, destes
trabalhadores. Aos temporários não são concedidos todos
os direitos dos empregados efetivos. Com efeito, a multa
de 40% do FGTS e o aviso-prévio são exemplos disso e,
em seu texto original, o PL substituía o termo remuneração,
mais abrangente por corresponder ao salário base somado
às gratificações, adicionais, comissões etc., pelo de salário,
além de determinar que a jornada fosse equivalente a dos
empregados que exerçam a mesma função e não limitadas a 8
horas diárias como está previsto na redação da lei. Portanto,
o único avanço nesse cenário de reformas do trabalho tempo-
rário foram os vetos dos arts. 11 e 12 pelo Poder Executivo.
Na terceirização dos serviços
Algumas das inovações mais brutais trazidas pela reforma
foi o alargamento da terceirização para quaisquer atividades
da empresa, inclusive para suas atividades principais (art.
4º-A), e a possibilidade de a empresa prestadora subcontratar
outras empresas para execução de serviços (§ 1º do art. 4º-A),
legitimando a chamada quarteirização ou “terceirização em
cascata”, instituto problemático e responsável por inúmeras
demandas na justiça do trabalho. Mais do que isso, o legisla-
dor não previu responsabilidades no caso de inadimplemento
da empresa terceirizada e nem da empresa quarteirizada.
A ideia de terceirização irrestrita possibilita à “empresa
não empreender seu próprio objeto social, delegando-o
integralmente a terceiros”.(6) Ainda não se sabe como a juris-
prudência interpretará as propostas em torno da terceirização
da atividade-fim. Todavia o Enunciado n. 80, aprovado na
2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho,
pode nos dar alguma noção. Segundo o entendimento, os
dispositivos “são incompatíveis com o ordenamento jurídico
brasileiro, pois implicam violação do princípio da dignidade
da pessoa humana e do valor social do trabalho” consagrados
na Constituição Federal de 1988 e na Constituição da OIT –
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Organização Internacional do Trabalho. Além disso, em que
pese o legislador ter previsto, expressamente, a impossibili-
dade de reconhecimento de vínculo entre trabalhadores da
empresa prestadora e da tomadora, os arts. e da CLT
permanecem intactos. Portanto, presentes os requisitos da
relação de emprego e caracterizada a fraude na terceirização
o vínculo poderá ser reconhecido. (7)
Historicamente, uma das principais justificativas atribuí-
da à terceirização é a aquisição de trabalho especializado para
as empresas que não possuem know-how, ou seja, descentra-
lizar a execução de tarefas consideradas periféricas, dentro
de determinado processo produtivo, traria maior qualidade
à prestação de serviços e, ao mesmo tempo, permitiria que
às empresas tomadoras concentrassem seus esforços no
desenvolvimento e expansão de suas atividades principais.
Todavia, o alargamento da terceirização para toda e qualquer
atividade empresarial torna essa justificativa inócua.
É importante destacar que a nova redação dada pela Lei
n. 13.467/2017 passou a exigir da empresa prestadora “capa-
cidade econômica compatível” com a execução dos serviços
prestados (art. 4ª-A, in fine) e assegurou aos terceirizados
o uso do mesmo refeitório, ambulatório e banheiros dos
empregados efetivos da tomadora (art. 4º-C, I e II). “Logo,
aquela pletora de empresas de fachada que atravancam o
fluxo das audiências trabalhistas, bem como todos os nume-
rosos aliciadores de mão de obra, popularmente chamados
de ‘gatos’”(8), servirão de base para determinar a terceirização
ilegal, agora por força de lei. No entanto, existe uma anti-
nomia deste dispositivo com relação ao § 4º do art. 5º-A,
que, contraditoriamente, trata a extensão dos atendimentos
médico, ambulatorial e de refeição aos terceirizados como
mera faculdade do tomador.
Além disso, de acordo com a reforma, a responsabilidade
da tomadora pelo adimplemento das obrigações trabalhistas
e pelo recolhimento das contribuições previdenciárias é
subsidiária (§ 5º, art. 5º-A) e este, que já era o entendimento
sumulado pelo TST, dificulta o recebimento dos créditos
trabalhistas e contraria a aplicação analógica de solidariedade
sinalizada pela CLT (art. 455) e pelo Código Civil (parágrafo
único, art. 942).
Outro ponto interessante é que os trabalhadores, efetivos
ou terceirizados, não poderão ser recontratados pela toma-
dora como pessoas jurídicas dentro do período de 18 meses,
contados após a cessação da prestação de serviços, exceto se
aposentados (art. 5º-C). Também, o empregado efetivo não
poderá ser recontratado como terceirizado antes do decur-
(7) ANAMATRA, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho. Enunciados
Aprovados na 2ª Jornada. Disponível em: ovados-vis1.asp>. Acesso em: 28 maio 2018.
(8) SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 190.
(9) Ibidem, p. 191.
(10) Art. 4º-C, § 1º Contratante e contratada poderão estabelecer, se assim entenderem, que os empregados da contratada farão jus a salário
equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos não previstos neste artigo.
so do mesmo prazo (art. 5º-D). Embora estes dispositivos
possam parecer uma “cláusula de barreira” à terceirização
ou à pejotização, a contrario sensu, dão margem para que,
cumprido o prazo legal, os trabalhadores “dispensados”
possam ser pejotizados ou contratados indiretamente. Essas
novas formas de contratação são métodos amplamente utili-
zados pelas empresas para redução de encargos trabalhistas
e tributários que, como veremos adiante, causam impactos
profundos nas relações do trabalho e na vida dos trabalha-
dores. Acerca da pejotização, o Professor Homero pontua:
Embora o discurso mais ouvido seja no sentido de o
empregado ter optado por ganhos maiores, como um
pequeno empreendedor, é corriqueira a denúncia de
que essa era a única forma de contratação da tomadora e
de que às vezes a empresa já está montada, atendo-se o
empregado a assinar os documentos societários, a serem
cuidados pelo mesmo contador da empresa tomadora e às
expensas dessa. O crescimento alarmante da pejotização,
como uma técnica habitual de planejamento tributário e
trabalhista, banalizou a terceirização a níveis irreversíveis,
varrendo do mapa do emprego categorias inteiras na área
da saúde, da informática ou da consultoria.(9)
Por fim, dentro da terceirização, a reforma ainda deixou
a critério das empresas a decisão sobre a equivalência dos
salários e direitos dos trabalhadores terceirizados em face
daqueles concedidos aos empregados efetivos, ao determinar
que “contratante e contratada poderão estabelecer, se assim
entenderem”(10), a igualdade de salários e direitos entre
estes trabalhadores. Ou seja, com a ampliação desenfreada
da terceirização da atividade fim, poderemos nos deparar
com dois trabalhadores, um efetivo e outro terceirizado,
exercendo a mesma atividade na linha produtiva, todavia
percebendo remunerações diferentes e, tudo isso, amparado
pela legislação.
Quais os impactos da terceirização?
O que significa ser um trabalhador terceirizado no Brasil?
A vida e a saúde desses trabalhadores importam? O que tem
significado “modernizar” as relações de trabalho? No que
essa “modernização” tem implicado? Falar de terceirização é,
obrigatoriamente, falar de menores remunerações, jornadas
extensas, mitigação de direitos, invisibilidade, segregação,
adoecimento e morte.
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Os setores que alocam trabalhadores terceirizados tam-
bém são aqueles que pagam as menores remunerações e
exigem as jornadas mais extensas. Em dezembro de 2013,
a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) demonstrou
que a remuneração paga pelos setores tipicamente tercei-
rizados foi 24,7% menor se comparada àquela paga aos
trabalhadores contratados diretamente. Em dezembro de
2014, essa diferença se manteve entre 23% e 27%. Além
disso, dentre os trabalhadores que percebem até 3 (três)
salários mínimos, 78,5% se concentram em setores terceiri-
zados, sendo que desses, 57,1% recebem até 2 (dois) salários
mínimos(11).
Os terceiros são submetidos a jornadas mais extensas.
Os índices demonstram que o tempo de trabalho semanal
dos terceirizados tem sido, em até 3 (três) horas, superior
ao dos trabalhadores diretos e isso sem considerarmos as
horas extras e o regime de banco de horas, que tornaria essa
diferença ainda maior. Então, como a terceirização é capaz
de aumentar os postos de trabalho? Jornadas mais longas
reduzem a demanda por mão de obra, não o contrário. Se-
gundo pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística
e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), se as jornadas dos
terceirizados fossem as mesmas dos trabalhadores diretos
seriam criadas 882.959 vagas de emprego(12).
Além de menores remunerações e jornadas extenuantes,
os direitos dos terceirizados são inferiores. Um estudo recente
publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA) destacou que os trabalhadores terceirizados do setor
bancário, além de receberem pouco mais de um terço dos
salários dos efetivos, têm direitos reduzidos. A compara-
ção entre os instrumentos normativos demonstrou que os
auxílios-alimentação e refeição podem chegar a 87,6% a
menos para terceirizados, os pisos salariais podem variar
(11) DIEESE, Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Terceirização e precarização das condições de trabalho (Nota n.
172). São Paulo: Dieese, 2017. Disponível em: ec172Terceirizacao.html.>. Acesso em: 15 jun. 2018.
(12) DIEESE, Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos; CUT, Central única dos Trabalhadores. Terceirização e
desenvolvimento: uma conta que não fecha. São Paulo: Dieese/CUT, 2014. p. 15.
(13) IPEA, Institutos de Pesquisa Econômica Aplicada. Terceirização do trabalho no Brasil: novas e distintas perspectivas para o debate. Brasília:
Ipea, 2018. p 36-37.
(14) DIEESE, Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Terceirização e precarização das condições de trabalho. São
Paulo: Dieese, 2017. Disponível em: g.br/notatecnica/.../notaTec172Terceirizacao.html>.
(15) Idem. Relações de trabalho sem proteção: de volta ao período anterior a 1930?. São Paulo: Dieese, 2017. Disponível em: .dieese.
org.br/notatecnica/2017/notaTec179ConjunturaReforma.html>.
(16) O Professor Homero faz uma análise importante, em sua página nas redes sociais, acerca da situação dos terceirizados no Brasil. Segundo
ele “ser terceirizado no Brasil é um fardo muito pesado para qualquer trabalhador, de qualquer segmento: a) não conheço nenhum terceirizado
que desfrute plano de saúde oferecido pela tomadora de serviços; b) se houver vale-refeição, o valor é sempre uma fração daquele recebido
pelo empregado efetivo; c) os professores em São Paulo podem colocar seus filhos nas escolas em que trabalham, com bolsa de 100%, mas a
faxineira e os vigilantes não podem, pois são terceirizados; d) os zeladores em São Paulo possuem adicional de tempo de serviço e cesta-básica
no condomínio em que trabalham, mas não os terceirizados; e) como juiz de primeira instância, nada é mais constrangedor do que julgar os
processos com pedidos de indenização por danos morais pelo empregado ter sido “xingado” de terceirizado: usa-se essa expressão para depreciar
o serviço de qualquer um, efetivos ou temporários, normalmente nas relações de poder; “você não passa de um terceirizado”, “tinha que ser um
terceirizado”, “sai dessa, terceirizado” são algumas das frases que eu tenho de ouvir e relatar; f) assim como os pássaros, o terceirizado não sabe
onde estará no dia de amanhã; para eles, a regra do art. 469, § 1º, da CLT, é usada amplamente, porque o contrato do terceirizado possui cláusula
explícita de mobilidade total; o vigilante atua na agência do banco na Avenida Paulista, amanhã vai para Mogi das Cruzes, depois de amanhã para
Guarulhos e, depois, para Santo Amaro; isso se não for para o litoral ou para o interior; e não pense você que o departamento pessoal costuma
entre -51,44% e -66,6% e a discrepância entre os valores
pagos a título de Participação nos Lucros e Resultados (PLR)
ultrapassa os 90%(13).
A terceirização produz diversos fatores precarizantes
que reunidos geram trabalhadores “invisíveis”. A questão
da invisibilidade do terceirizado decorre da alta rotatividade
a que esses trabalhadores estão sujeitos e atinge sua socia-
bilidade no ambiente de trabalho. Não é incomum, nesses
tipos de contratos, constar cláusula de mobilidade total que
os sujeitam a mudanças frequentes de local de trabalho e
de empregadores. Além disso, a questão do tempo de ma-
nutenção do vínculo empregatício entre os terceirizados é
consideravelmente reduzida. Entre os anos de 2007 e 2014,
a permanência de terceiros no trabalho foi muito menor se
comparada àqueles com vínculos diretos. A cada 100 vín-
culos ativos, nos setores tipicamente terceirizados, 80 foram
rompidos, enquanto que na contratação direta essa redução
cai pela metade(14). A rotatividade intensa traz impactos
sociais e econômicos, porque diminui seus rendimentos,
descapitaliza o FGTS, os recolhimentos previdenciários e
“fragiliza a capacidade de organização e mobilização para as
ações de defesa e reivindicação de direitos”(15).
Na prática, ser terceirizado, no Brasil, tem sido sinônimo
de carregar o peso de não poder interagir com os traba-
lhadores efetivos, de usar uniformes diferenciados, de não
participar das confraternizações empresariais, não receber as
mesmas premiações por desempenho, não poder utilizar o
mesmo refeitório e nem o mesmo transporte. A terceirização
segrega porque divide a classe trabalhadora entre efetivos e
terceiros, e vai além, porque agride sua subjetividade e gera
discriminação no trabalho(16).
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Um argumento que sempre é colocado em pauta, mas
que não se sustenta, mesmo antes da nova previsão de
terceirização da atividade fim, diz respeito à questão da
especialização de mão de obra nas atividades terceirizadas.
O IPEA relacionou as 15 profissões que integram, aproxi-
madamente, 50% das atividades terceirizadas. Entre essas
ocupações estão as atividades desenvolvidas pelos varredores
de ruas, faxineiros, vigilantes, porteiros de edifícios, serventes
de obras, trabalhadores de serviços de limpeza e conservação
de áreas públicas, entre outras profissões que pouco ou nada
exigem de qualificação(17). De acordo com a pesquisa da Con-
federação Nacional da Indústria (CNI), 91% das empresas
que terceirizam buscam redução de custos, enquanto que
apenas 2% delas são motivadas pela qualificação de mão de
obra (apud DIEESE, 2014, p. 9).
Todavia, a maior perplexidade reside no fato da tercei-
rização ser responsável por diversos casos de adoecimento
e morte no trabalho. Os números são alarmantes e, apesar
dos terceirizados terem sido identificados como o grupo
de trabalhadores que mais sofre acidentes do trabalho,
contraditoriamente, é aquele que possui a menor chance
de se afastar. A justificativa dada para o contrassenso de se
acidentar mais e ter menores chances de afastamento, foi a
instabilidade gerada por estas contratações consideradas de
“menor qualidade”. Os vínculos celebrados pelos contratos
de terceirização “oferecem maior insegurança aos assalariados
(insegurança compreendida, principalmente, em termos da
permanência destes últimos em seus vínculos)”(18).
Outros pontos são destacados como causas de acidente
e morte entre os terceirizados, dentre eles, o fato de, mesmo
nas atividades com alto grau de vulnerabilidade, a capaci-
tação e a fiscalização serem inadequadas. Muitos terceiros
não recebem os equipamentos de proteção individual ou,
em muitos casos, esses equipamentos não possuem a mesma
qualidade daqueles concedidos aos empregados diretos. O
setor elétrico tem identificado o maior número de acidentes
do trabalho e a maioria deles ocorre entre os trabalhadores
mostrar a mesma agilidade no recálculo do vale-transporte; g) há vários casos de pessoas que precisam pedir demissão de uma prestadora e vão
para a outra prestadora (com salário menor, talvez), para ficarem no mesmo posto de trabalho (a tomadora, que trocou de prestadora), porque
todos nós nos organizamos em torno de horários, endereços, creches, escolas e nossa vida cotidiana; não há graça nenhuma na regra da mobilidade
intensa; h) repare que, se algum dia seu carro voltar riscado quando o deixar com manobrista de restaurante ou quando a grife é flagrada comprando
roupas feitas em oficinas desumanas no Brás ou no Bom Retiro, normalmente a resposta mais comum por parte dos controladores das empresas
virou quase um mantra: “esse serviço é terceirizado”; E, no mundo do trabalho, não dá pra comparar salário com salário: a dignidade passa pela
saúde, pela educação, pela alimentação, pelo transporte e pelo direito de não ser depreciado. Eu, você e todos nós somos todos terceirizados.
Homero”. Disponível em: . Acesso em: 24 maio 2018.
(17) IPEA, Institutos de Pesquisa Econômica Aplicada. Terceirização do trabalho no Brasil: novas e distintas perspectivas para o debate. Brasília:
Ipea, 2018. p. 194 195.
(18) Ibidem, p. 200.
(19) DIEESE. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos; CUT, Central única dos Trabalhadores. Terceirização e
desenvolvimento: uma conta que não fecha. São Paulo: Dieese/CUT, 2014. p. 23-26.
(20) MURTEIRA, Alessandra. Terceirização mata mais dois trabalhadores na Petrobras. Disponível em: .brasil247.com/.../FUP-
Terceirização-mata-mais-dois-trabalhadores-na-Petrobras.htm.>. Acesso em: 28 maio 2018.
(21) ASSUNÇÃO, Diana. A precarização tem rosto de mulher. São Paulo: Iskra, 2013. p. 50.
terceirizados. Das 79 mortes ocorridas, em 2011, 61 foram
de terceirizados.(19) No setor petrolífero, uma nota da Fede-
ração Única dos Petroleiros (FUP), publicada em abril de
2017, destacou que, “no Sistema Petrobras, a terceirização
mata oito em cada 10 trabalhadores vítimas de acidentes.
Só nos últimos três anos, 33 terceirizados morreram a ser-
viço da empresa, contra 08 trabalhadores próprios mortos
em acidentes”(20). Segundo o procurador José de Lima, “o
terceirizado é um trabalhador invisível para a sociedade:
não recebe o mesmo treinamento; não tem cobrança para o
uso de EPI e não ganha o mesmo que um empregado direto,
exercendo a mesma função”.
A terceirização tem cara?
É possível traçar o perfil dos trabalhadores terceiri-
zados? Na verdade, as nuances geradas pelo processo de
terceirização têm dado “cara” a esses trabalhadores. Com
raras exceções, vimos que o terceirizado é aquele que re-
cebe os piores salários, cumpre longas jornadas e está mais
vulnerável a adoecimento e morte no trabalho. É também
aquele que desempenha tarefas de pequena ou nenhuma
complexidade ou atividades consideradas marginais pelo
sistema produtivo.
Mas não para por aí. Para analisar a terceirização é
necessário fazer um recorte de gênero, raça e etnia, já que
terceirizar “tem como primeiro e principal alvo os grupos
socialmente subordinados na sociedade, como as mulheres,
os negros, os homossexuais (homens e mulheres) e os imi-
grantes”(21), exatamente por serem grupos, historicamente,
subalternizados pelas estruturas imperialista e capitalista.
Não por acaso, até hoje, ser mulher tem sido se submeter a
remunerações menores do que aquelas recebidas por homens
para exercer funções idênticas. Ser mulher terceirizada, por
sua vez, tem significado receber salários inferiores àqueles
percebidos por outras mulheres não terceirizadas e por ho-
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Reforma Trabalhista — Avanço ou Retrocesso?
mens que, embora terceirizados, desempenhem a mesma
atividade.
Além do mais, é preciso discutir o porquê da maioria
dos trabalhadores resgatados em regime análogo à condi-
ção de escravo ser trabalhador formalmente terceirizado.
Uma pesquisa desenvolvida por Vitor Araújo Filgueiras(22),
pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia
do Trabalho (CESIT) da Unicamp, constatou que dos 10
maiores casos de resgates, realizados em 2013, 9 reuniam
trabalhadores terceirizados formais. O setor de construção se
destacou com o maior número de flagrantes de trabalhado-
res em condição análoga à de escravo, sendo que, nos anos
de 2011 e 2012, dos 22 flagrantes, 19 abrangiam casos de
terceirização. Destacou também que:
Entre esses resgates com terceirizados formalizados figu-
ravam desde médias empresas desconhecidas, até gigantes
da mineração e da construção civil, do setor de produção
de suco de laranja, fast food, frigorífico, multinacional
produtora de fertilizantes, obras de empresas vinculadas
a programas do governo federal.(23)
Ainda, é preciso falar sobre o porquê, no Brasil, a popu-
lação negra tem representado a maioria dos trabalhadores
terceirizados. Historicamente, o sistema econômico capi-
talista se beneficiou e ainda se beneficia da “grande massa
de negros e negras escravos que, com o fim da escravidão,
constituíram a reserva de mão de obra a custos extremamente
baixos”.(24) Não por acaso, a população negra tem sido repre-
sentante de atividades precárias como as terceirizadas, e não
por acaso, dentro do universo da terceirização, as mulheres
negras são as mais atingidas. E por quê? As mulheres negras
compõem a base dessa pirâmide, porque a elas se destinam as
atividades mais precárias e os serviços mais árduos, inclusive,
quando comparados aos serviços destinados aos homens
negros ou às mulheres brancas.
Em uma entrevista(25) realizada com a líder do movi-
mento das trabalhadoras terceirizadas da Universidade de
São Paulo, homenageada por seu protagonismo na luta por
condições dignas de trabalho entre os terceirizados, é possível
enxergar a verdadeira face da terceirização:
A maioria é mulher, onde eu trabalho hoje somos em 16
trabalhadores e somente 6 são homens. A maioria é negra,
na verdade onde eu trabalho não tem mulheres brancas.
(22) Vitor Araújo Filgueiras foi auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, é pós-doutor em Economia (UNICAMP), doutor em Ciências
Sociais (UFBA), mestre em ciência política (UNICAMP), pesquisador de Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP.
(23) FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Terceirização e trabalho análogo ao de escravo: coincidência?. Disponível em:
terceirizacaoetrabalho-analogo-ao-escravo-coincidencia/>. Acesso em: 24 maio 2018.
(24) ASSUNÇÃO. Op. cit., p. 51.
(25) MAEDA, Patrícia. Terceirização tem rosto de mulher. Disponível em: ceirizacao-tem-
rosto-de-mulher/>. Acesso em: 24 maio 2018.
Em todos os meus trabalhos tinha uma ou outra branca
“perdida”, o resto só negras.
(...)
As mulheres fazem o trabalho mais pesado e os homens
os mais leves. Em todas as terceirizadas eles pegam as
mulheres mais precarizadas, pobres e negras. Hoje no
meu serviço conheço uma mulher branca que não tem
nenhum curso nem escolaridade e que se candidatou pra
trabalhar na limpeza e que foi contratada para trabalhar
na portaria, que é um trabalho leve e que ganha mais.
Raramente uma mulher negra com qualificação é contra-
tada para trabalhar na portaria. Eu mesma tenho o curso
e sempre quis esse trabalho, mas nunca me contrataram
porque não é o “perfil”.
Portanto, a terceirização tem cara. E, antes de falarmos
sobre a livre-iniciativa, ou sobre a autonomia da vontade
e a boa-fé nas relações do trabalho, é preciso falar sobre o
que tem sido a terceirização brasileira, enquanto forma de
organização que garante mais trabalho por menor custo. É
preciso falar sobre o que, de fato, tem se buscado com estas
formas cada vez “mais flexíveis e modernas” de contratação
de pessoas. É preciso falar sobre por que terceirizar tem sido
“palco” dos atores mais vulneráveis.
Há esperança?
Entendemos que a esperança está na seriedade do debate
e na promoção de estudos que examinem os reais impactos
da terceirização no mercado de trabalho, na economia e,
principalmente, na vida e na saúde do trabalhador. É ne-
cessário estimular pesquisas sobre a terceirização no campo
da medicina e da sociologia do trabalho que nos garantam
maior domínio sobre o assunto e evitem discursos sem bases
científicas. É preciso falar com honestidade e conhecimento
sobre terceirização.
A esperança é nos darmos conta de que assegurar
a dignidade da classe trabalhadora é também assegurar
a manutenção, minimamente, saudável do próprio sistema
no qual está inserida. É preciso entender que o direito do
trabalho concede o mínimo de garantias aos trabalhadores,
porque funciona como aliado e organizador da economia,
não o contrário. De tal modo que, desmontar direitos
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Reforma Trabalhista — Avanço ou Retrocesso?
sociais prejudica o trabalhador, mas fragiliza as estruturas
do sistema econômico. Rebaixamento de direitos, redução
de salários impactam o consumo, da mesma forma que
condições de saúde e segurança precárias sobrecarregam
o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Instituto Nacional de
Seguro Social (INSS), ou seja, a conta recai sobre o Estado
e a economia.
Em síntese, o discurso de que terceirização significa mo-
dernizar as relações do trabalho precisa ser revisto. Dizer que
terceirizar é qualificar a prestação de serviços, sem considerar
que a maior parte dos terceirizados exercem atividades pre-
cárias e que sequer exigem qualificação, é reduzir o debate
a “achismos”. Falar de terceirização sem considerar que este
método de organização cria uma subclasse de trabalhadores
que se sujeitam a piores condições de trabalho e estão mais
vulneráveis a adoecimento e morte é, no mínimo, desuma-
nizá-los. Discutir terceirização sem passar pelo recorte de
gênero e raça que ela produz é, premeditadamente, esvaziar
a discussão. É preciso denunciar “os porquês” de a terceiri-
zação ser instrumento capaz de mercantilizar o trabalho a
níveis desumanos e ser promotora de injustiça social para
que seja possível mudar essa realidade que “escraviza, hu-
milha e divide”.(26)
Referências bibliográficas
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do Trabalho. 2ª Jornada de Direito Material e Processual do
Trabalho. Enunciados Aprovados na 2ª Jornada. Disponível em:
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DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho.
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DIEESE, Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos; CUT, Central única dos Trabalhadores.
Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha.
São Paulo: Dieese/CUT, 2014.
(26) FRAU, Rita. A terceirização escraviza, humilha e divide. Disponível em:
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______ . Impactos da Lei n. 13.429/2017 (antigo PL n.
4.302/1998) para os trabalhadores – Contrato de Trabalho
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