A terceirização de serviços e a responsabilidade solidária pelos danos oriundos de acidentes e doenças do trabalho

AutorXisto Tiago de Medeiros Neto
CargoProcurador Regional do Ministério Público do Trabalho
Páginas102-112

Page 102

A observação da realidade da terceirização de serviços em nosso país, nas áreas privada e pública, conduz à conclusão inequívoca de que a sua utilização e direcionamento, no plano concreto e pedestre das relações laborais — e não na esfera conceitual da sua abordagem teórica —, tem gerado muito mais precariedade, insegurança, prejuízos e danos aos trabalhadores do que o ganho de direitos sociais ou o aperfeiçoamento e modernização das relações laborais, como por vezes enganosamente apregoado.

Não é exagero afirmar que, no universo trabalhista, o fenômeno da terceirização transformou-se na fonte principal de geração de ilícitos de diversas ordens.

Na prática, a terceirização (a) para a grande maioria das empresas e instituições contratantes, além da redução de custos conjugada com a delegação a outrem de serviços diversos, tem significado a busca da esquiva da responsabilidade em relação aos direitos sociais fundamentais; (b) para o trabalhador terceirizado, como prestador de serviço, em que pese a contratação obtida, tem-se traduzido como realidade de descumprimento dos seus direitos pela empresa terceirizada e, também, de danos à sua vida e saúde; e (c) para a empresa contratada como fornecedora dos serviços— no mais das vezes sem portar idoneidade patrimonial e financeira —, tem correspondido a uma forma eficaz e oportunista de obtenção de vantagem econômica decorrente da burla da legislação trabalhista e previdenciária.

Page 103

Como retrato fiel desse quadro — e para se fixar apenas no que concerne aos reflexos do fenômeno nas fronteiras dos direitos trabalhistas, abstraindo-se, assim, as questões pertinentes a fraudes, sonegação de impostos, corrupção e improbidade administrativa que estão atreladas à terceirização — é suficiente a visão dos milhares de ações que inundam a Justiça do Trabalho, motivadas pelo inadimplemento flagrante de direitos básicos (contratuais e rescisórios) dos trabalhadores terceirizados e pelas lesões físicas e enfermidades a eles infligidas em razão da negligência havida quanto às condições laborais de saúde e segurança a que são submetidos.

É relevante, também, na composição desse cenário, a verificação de dados estatísticos relativos à quantidade absurda de empresas de terceirização inadimplentes, despatrimonializadas, desaparecidas, ocultadas e sem identificação dos responsáveis; e é surpreendente, ainda, como reflexo desta distorção, o expressivo número de novas empresas de terceirização constituídas a cada dia — grande parte diretamente ou sob o patrocínio dos mesmos proprietários e responsáveis por aquelas outras extintas irregularmente — tão atrativa e compensadora tem sido esta atividade.

Com efeito, focando-se a atenção nos danos causados aos empregados terceirizados, em decorrência do desrespeito a normas imperativas de proteção à saúde e segurança do trabalho, tem-se que, de acordo com o ordenamento jurídico nacional, tanto o tomador dos serviços (contratante) como a empresa terceirizada (contratada) respondem igualmente, nesta seara, pelos prejuízos gerados aos trabalhadores, incidindo a responsabilidade de natureza solidária.

Anota-se, desde logo, que ao se reconhecer o meio ambiente laboral adequado como direito fundamental dos trabalhadores, acentuada a sua natureza indivisível, por isso mesmo não se pode conceber que em um mesmo estabelecimento ou espaço de trabalhotrabalho haja diversidade de responsabilização ou trato jurídico, no que pertine à adoção de medidas e procedimentos inerentes à saúde e à segurança, à garantia de condições adequadas de labor e às eventuais consequências danosas, em relação aos trabalhadores do contratante (tomador dos serviços) e dos trabalhadores da empresa contratada (prestadora dos serviços).

Em tal hipótese, portanto, a respaldar a solidariedade entre o contratante e a empresa terceirizada, relativamente aos danos gerados aos trabalhadores, invoca-se, primeiramente, as regras dos arts. 942, 932, III, e 933 do Código Civil, cuja aplicação nas fronteiras da legislação trabalhista é incontestável, à vista do permissivo constante do art. 8e, parágrafo único, da CLT. Assim dispõem os dispositivos referenciados:

Page 104

"Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932."

"Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: (...)

III — o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepos-tos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos."

Dessa maneira, a circunstância de os trabalhadores prestarem serviços no âmbito espacial de alcance das atividades da empresa contratante (toma-dora dos serviços) faz incidir a sua responsabilidade, solidariamente com a empresa terceirizada por ela contratada, em face das condições laborais e ambientais havidas e, em consequência, pelos danos sofridos pelos empregados.

A inserção de trabalhadores contratados por terceiro, nos espaços em que se desenvolvem as atividades da empresa contratante implica no seu dever inescusável de assegurar um meio ambiente laboral adequado, de exigir da empresa contratada o efetivo cumprimento das normas de tutela à saúde e à segurança, de fiscalizar continuadamente tais imposições, e, em razão disso, na obrigação de responder, solidariamente, pelos danos eventualmente sofridos pelos empregados.

Em outro ângulo, a empresa contratante, ao decidir transferir a um terceiro (empresa contratada), por meio de um contrato, a realização de quaisquer atividades de seu interesse, assume o risco inerente aos efeitos e às consequências daí advindas, notadamente no âmbito da proteção e garantia de direitos respeitantes à saúde e segurança dos trabalhadores envolvidos na prestação dos serviços objeto da contratação entre as empresas.

Tenha-se presente, ademais, o preceito constitucional encartado no art. 7e, inciso XXII, que garante a todo trabalhador, como direito social fundamental, "a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de

Page 105

normas de saúde, higiene e segurança", e também a norma do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT