Terceirização e retirada de direitos sociais: a superexploração do trabalho como intensificadora da crise econômica brasileira

AutorGabriela Caramuru
Páginas36-42

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1. A economia política da superexploração

O marco teórico dessa análise é a compreensão da sociedade a partir da história das transformações dos mode-los de produção – o materialismo histórico – e do estudo da economia política pela teoria marxista. Para realizar a necessária transformação da realidade, como o enfrentamento à terceirização como forma de precarização do trabalho, é necessário compreendê-la, analisar a reprodução material da vida e as relações sociais singulares do momento histórico das relações sociais de produção. Nessa esteira, a exploração do trabalho é a base da estrutura de produção do modelo em que vivemos: o capitalismo, já que, dentre todas as mercadorias usadas no processo de produção, a força de trabalho humana é a única capaz de produzir um valor maior que seu custo, ou seja, um mais-valor (MARX, 2014).

A exploração do trabalho no modelo de produção em que estamos organizados no momento histórico contemporâneo acontece pelas três formas de extração de mais-valor: o mais-valor absoluto, o mais-valor relativo e o mais-valor extraordinário (MARX, 2014).

Para analisarmos as formas de extração de mais-valor e os decorrentes processos precarizantes é necessário compreender a jornada de trabalho dividida em dois momentos: o tempo de trabalho socialmente necessário e o trabalho excedente (MARX, 2014). O tempo de trabalho socialmente necessário é aquele pago ao trabalhador, destinado à reprodução da sua vida para a manutenção da exploração dessa força de trabalho. Assim, o tempo de trabalho necessário é igual aos salários, ou o tempo responsável pela feitura das mercadorias pertencentes à cesta do trabalhador (MARX, 2014). Já o trabalho excedente é o mais-valor apropriado pelo proprietário do espaço de produção (MARX, 2014).

As formas de exploração da força de trabalho dependem da relação entre o trabalho necessário e o trabalho excedente dentro da jornada de trabalho. O mais-valor absoluto, a partir da constância do tempo de trabalho necessário na jornada, é a técnica de extensão da jornada de trabalho para, consequentemente, estender a parte relativa ao trabalho excedente. O trabalho necessário permanece no mesmo valor e o trabalho excedente aumenta pela extensão da jornada de trabalho (MARX, 2014). Contudo, com a restrição da jornada de trabalho pela imposição jurídica de uma jornada máxima, o capital precisou estabelecer uma nova forma de extração de mais-valor diante de uma jornada fixa de trabalho. Essa técnica é o mais-valor relativo, que ao invés de aumentar a jornada de trabalho diminui o tempo de trabalho necessário na jornada, aumentando proporcionalmente o trabalho excedente. O mais-valor relativo utiliza para diminuição do tempo de trabalho necessário o aumento da produtividade, que reduz a quantidade de trabalho em cada mercadoria, barateando-a. O aumento de produtividade é realizado historicamente pelo incremento da maquinaria (MARX, 2014). Por fim, nas formas em que se dá a expropriação do valor no capitalismo temos o mais-valor extraordinário que se relaciona intrinsecamente com a concorrência entre os capita-listas, na medida em que consiste no pequeno período de tempo que determinado capitalista consegue um barateamento de sua mercadoria pelo aumento da produtividade e esse conhecimento ainda não foi socializado com todos os concorrentes. Assim, o capitalista vende a mercadoria pelo mesmo preço que todo o mercado, tendo sua merca-doria menos custo. Esse é o mais-valor extraordinário que se finda quando a técnica de produção mais produtiva é descoberta pelos concorrentes (MARX, 2014).

As formas de exploração do trabalho estão intimamente ligadas às propostas de flexibilização de direitos impostas aos trabalhadores em momentos de crise econômica, ou seja, momentos em que o capital sofre uma crise de acumulação e busca na reorganização do trabalho retomar aos patamares de acumulação anteriores.

No caso da América Latina e do Brasil verificamos ainda uma forma particular de padrão de reprodução do capital, na medida em que o modelo de produção capitalista se consolida mundialmente com a divisão social do trabalho em que o capitalismo central tem monopólio na produção de industrializados e o capitalismo dependente latino-americano se caracteriza pela produção de matérias-primas baratas para reduzir o custo dos manufaturados produzidos pelo centro, bem como reduzir o valor da força de trabalho da classe trabalhadora central (MARINI, 2011).

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Com um processo próprio de reprodução do capital a exploração da força de trabalho nos países da América Latina como o Brasil igualmente se rearrajam de modo singular. O processo de transferência de valor da América Latina para o centro determina as formas de exploração do trabalho em nossos países, cristaliza uma condição de vida precária e o subdesenvolvimento (MARINI, 2011).

A transferência de capital dos países dependentes para os países centrais se estabelece pelos processos de endividamento dos países periféricos com dívida pública, a dependência tecnológica e necessária importação de tecnologia e patentes do centro e as trocas desiguais. As trocas desiguais acontecem pela diferença da composição orgânica e composição técnica dos capitais, ou seja, a diferença na quantidade e valor de capital constante entre as economias dos países e a diferença da produtividade desses capitais (MARINI, 2011). Com maior composição orgânica e técnica de capitais, os países centrais detêm o monopólio de produtos industrializados e podem trocar suas mercadorias com a América Latina impondo o preço que almejam (MARINI, 2011). As mercadorias nas trocas desiguais são trocadas por preços de produção, que levam em conta o custo da mercadoria e a taxa média de lucro (MARX, 1988). O presente processo transfere capital (ou mais-valor) do capita-lista latino-americano para os países centrais. Esse modelo de dependência internacional acarretará uma exploração própria em nossos países (MARINI, 2011).

A exploração do trabalho na América Latina em relação aos países centrais é visível, tanto pelo poder de compra e salários reduzidos, como pelo aumento da jornada de trabalho. No caso da comparação com a Europa, por exemplo, a França conta com uma jornada de trabalho de trinta e cinco horas semanais, enquanto a jornada brasileira, quando respeitada, é fixada em quarenta e quatro horas semanais. O exemplo das férias também é significativo, ao passo que italianos gozam 30 dias de férias, no caso Mexicano esse número é de seis dias de férias no primeiro ano de trabalho, oito dias no segundo ano e dez dias no terceiro ano, sendo esse o período máximo a ser usufruído. Os exemplos poderiam ser citados infinitamente, mas o descompasso na exploração do trabalho entre países centrais e América Latina é dificilmente negado pelo senso médio.

Mas em que as relações internacionais de perdas de capitais nacionais para os países centrais têm a ver com os níveis e formas de exploração na América Latina e Brasil? A resposta dessa questão é determinante para compreendermos a complexidade das condições de exploração, baixos salários e fragilidade do direito do trabalho no Brasil em relação aos países centrais. Em face da perda de capital para os países centrais pela transferência, a superexploração do trabalho é utilizada na América Latina como forma de compensação dos capitalistas nacionais às perdas nas trocas desiguais com os países centrais. Para retomar os níveis de acumulação, os capitalistas latino-americanos extraem sobremaneira mais-valor dos trabalhadores subordinados (MARINI, 2011).

A superexploração do trabalho consiste no aumento da jornada de trabalho, no aumento da intensidade do trabalho e no pagamento da força de trabalho com baixos salários, por vezes abaixo de seu valor de reprodução. O aumento da jornada de trabalho é a intensificação da extração do mais-valor absoluto nos países dependentes...

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