Terceirização: reflexos das Leis ns. 13.429/2017 e 13.467/2017 no Direito Previdenciário

AutorGustavo Filipe Barbosa Garcia
Páginas169-176

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1. Introdução

A terceirização pode ser entendida como a transferência da execução de certas atividades da empresa tomadora (ou contratante) a empresas prestadoras de serviços especificados.

Terceirização tem o sentido de prestação de serviços a terceiros.

Adotando-se o atual critério legal, terceirização é a transferência feita pela contratante (tomadora) da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

A terceirização não se confunde com a intermediação de mão de obra, a qual, em regra, é vedada pelo sistema jurídico, uma vez que o trabalho não pode ser tratado como mercadoria, o que seria contrário ao seu valor social e à dignidade da pessoa humana2.

Logo, a terceirização se distingue do trabalho temporário, pois enquanto aquela diz respeito à prestação de determinados serviços por empresa especializada, neste há o fornecimento de mão de obra à tomadora por meio de empresa interposta (ou seja, pela empresa de trabalho temporário), nas hipóteses excepcionalmente admitidas pelo sistema jurídico3.

Ainda assim, o trabalho temporário também faz surgir uma relação triangular, envolvendo o trabalhador temporário, a empresa de trabalho temporário e a empresa cliente4.

A Lei n. 13.429, de 31 de março de 2017, com início de vigência na data de sua publicação, ocorrida no Diário

Oficial da União de 31.03.2017, alterou dispositivos da Lei
n. 6.019/1974, que dispõe sobre o trabalho temporário, e versa sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros.

Posteriormente, a Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, com início de vigência depois de 120 dias de sua publicação oficial (art. 6º), ocorrida em 14.07.2017, alterou a Consolidação das Leis do Trabalho e as Leis ns.
6.019/1974, 8.036/1990 e 8.212/1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.

Cabe examinar, no presente estudo, as principais modificações quanto à terceirização e as suas repercussões no Direito do Trabalho e no Direito Previdenciário.

2. Terceirização: abrangência

A Lei n. 13.429/2017 não restringe a sua incidência à esfera privada, podendo dar margem ao entendimento de que as suas previsões sobre terceirização podem ser aplicadas, em tese, também à administração pública, desde que sejam observadas as disposições específicas a respeito, como a exigência de licitação na contratação de serviços (art. 37, inciso XXI, da Constituição da República)5.

Conforme o art. 4º-A da Lei n. 6.019/1974, com redação dada pela Lei n. 13.467/2017, considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

Com isso, a terceirização, entendida como prestação de serviços a terceiros, passa a ser entendida como a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer

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de suas atividades, inclusive a sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

Admite-se de maneira expressa a terceirização de forma ampla, ou seja, de quaisquer das atividades da contratante (tomadora), inclusive de sua atividade principal.

Logo, ficou superada a distinção entre atividades-fim e atividades-meio, anteriormente adotada pela jurisprudência, como se observa na Súmula n. 331, item III, do TST.

Ainda assim, entende-se que a intermediação de mão de obra não é admita, por resultar em fraude ao vínculo de emprego com o efetivo empregador (art. 9º da CLT) e em violação ao valor social do trabalho (art. 1º, inciso IV, da Constituição da República), o qual não pode ser tratado como mercadoria.

Desse modo, a terceirização deve envolver a prestação de serviços e não o fornecimento de trabalhadores por meio de empresa interposta. Portanto, defende-se o entendimento de que os referidos serviços, na terceirização, devem ter certa especialidade6.

Isso é confirmado pelo art. 5º-B da Lei n. 6.019/1974, acrescentado pela Lei n. 13.429/2017, ao prever que o contrato de prestação de serviços deve conter a qualificação das partes, a especificação do serviço a ser prestado, o prazo para realização do serviço, quando for o caso, e o valor.

Portanto, a terceirização só é admitida quanto a serviços especificados.

Em outras palavras, a empresa prestadora não pode prestar serviços genéricos, pois não se admite a terceirização, pela empresa contratante (tomadora), de atividades sem especificação.

3. Empregado como segurado obrigatório

A empresa prestadora de serviços (contratada) é considerada a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução (art. 4º-A da Lei n. 6.019/1974).

A empresa prestadora de serviços a terceiros, assim, não pode ser pessoa física, nem empresário individual, devendo ser necessariamente pessoa jurídica.

De todo modo, na terceirização lícita não há pessoalidade e subordinação direta entre o empregado da empresa prestadora de serviços e o tomador (contratante), justamente porque este último não é o empregador.

O trabalho humano, protegido constitucionalmente, não pode ser objeto de intermediação, nem ter tratamento semelhante ao de mercadoria, sob pena de afronta ao direito fundamental da dignidade da pessoa humana7.

Quanto ao aspecto previdenciário, deve-se salientar que o empregado, ainda que terceirizado, por ter vínculo de emprego com a empresa prestadora de serviços, é beneficiário do Regime Geral de Previdência Social (art. 10 da Lei
n. 8.213/1991), ou seja, de forma mais específica, segurado obrigatório da Previdência Social, conforme art. 11, inciso I, da Lei n. 8.213/1991.

O poder de direção deve ser exercido pela empresa prestadora de serviços em face de seus empregados, embora estes laborem na empresa contratante (tomadora). Desse modo, os referidos empregados são juridicamente subordinados à empresa prestadora de serviços e não à tomadora. A remuneração dos empregados terceirizados também é devida pela empresa prestadora de serviço, por ser a empregadora.

Caso haja subordinação direta dos empregados terceirizados à empresa contratante, a terceirização deverá ser considerada ilícita, gerando o vínculo de emprego diretamente com a tomadora (exceto no caso da administração pública, em razão da exigência de aprovação prévia em concurso público8, nos termos do art. 37, inciso II e § 2º, da Constituição da República9), na forma do art. 9º da CLT.

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Na hipótese específica de terceirização ilícita, a empresa tomadora deve ser considerada a verdadeira empregadora e a empresa prestadora de serviços responde de forma solidária pelos créditos trabalhistas, por ter participado da fraude, com fundamento no art. 942 do Código Civil.

É importante ainda o registro de que passa a ser expressamente permitida a chamada terceirização em cadeia, em que a empresa prestadora de serviços subcontrata outras empresas para a realização dos serviços contratados pela empresa tomadora.

Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante (art. 4º-A, § 2º, da Lei n. 6.019/1974, acrescentado pela Lei n. 13.429/2017).

Essa ausência de vínculo de emprego entre a empresa tomadora e os empregados da empresa prestadora de serviços, evidentemente, pressupõe que a terceirização tenha sido feita em consonância com as exigências legais.

O art. 4º-B da Lei n. 6.019/1974, acrescentado pela Lei
n. 13.429/2017, estabelece os requisitos para o funcionamento da empresa de prestação de serviços a terceiros10.

4. Empresa tomadora ou contratante

Na terceirização, contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal (art. 5º-A da Lei n. 6.019/1974, com redação dada pela Lei n.
13.467/2017).

Assim, reitera-se a previsão de que a contratante (tomadora) pode terceirizar quaisquer de suas atividades, inclusive a sua atividade principal, não mais havendo relevância na distinção entre atividades-fim e atividades-meio.

A empresa contratante (tomadora), diversamente da empresa prestadora de serviços, pode ser pessoa física ou jurídica.

É vedada à contratante (tomadora) a utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços (art. 5º-A, § 1º, da Lei n. 6.019/1974).

Além disso, os serviços contratados podem ser executados nas instalações físicas da empresa contratante ou em outro local, de comum acordo entre as partes (art. 5º-A, § 2º, da Lei n. 6.019/1974).

É responsabilidade da contratante (tomadora) garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato (art. 5º-A, § 3º, da Lei n. 6.019/1974, acrescentado pela Lei n. 13.429/2017).

Logo, se o empregado terceirizado prestar serviço no estabelecimento da empresa tomadora, esta responde pela higidez do meio ambiente de trabalho, inclusive em casos de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.

Segundo o art. 5º-A, § 4º, da Lei n. 6.019/1974, acres-centado pela Lei n. 13.429/2017, a contratante pode estender ao trabalhador da empresa de prestação de serviços o mesmo atendimento médico...

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