Terceirização: 'novo' panorama normativo trazido pelas Leis ns.13.429/2017 e 13.467/2017

AutorMarco Aurélio Serau Junior
Ocupação do AutorProfessor da UFPR - Universidade Federal do Paraná
Páginas94-99

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Nessa hipótese, o empregador já não compra ou aluga simplesmente a força de trabalho, mas o homem por inteiro – ossos, cérebro, músculos – e em seguida o subloca a outra empresa, ganhando na diferença de preço. E assim o trabalhador se coisifica da maneira mais completa possível.”

(Márcio Túlio Viana, Para entender a Terceirização)

1. Introdução

O presente artigo busca tratar do novo formato jurídico da terceirização no Direito do Trabalho brasileiro, a partir das alterações impostas conjuntamente pela Lei
n.13.429/2017 e, logo após, pela Reforma Trabalhista (Lei n.13.467/2017).

A nova conformação jurídica da terceirização aparece em um cenário mais amplo, de abandono do modelo do Estado Social, onde ocorre intensa redução da efetividade dos direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, veja-se a proposta de Reforma Previdenciária (PEC 287/2016), em trâmite no Congresso Nacional, e a recém-aprovada Lei n.13.467/2017 (Reforma Trabalhista).

O trabalho se destinará a examinar um ponto específico da terceirização, especialmente a impossibilidade de terceirização irrestrita, demonstrando, assim, mais um capítulo da intensão de precarização das relações de trabalho no Brasil.

2. Terceirização irrestrita: terceirização da atividade-fim e quarteirização

O primeiro aspecto a ser tratado reside na ampliação do âmbito de abrangência da terceirização, isto é, a ampliação das hipóteses em que pode ocorrer o processo de terceirização das relações de trabalho.

Inicialmente, é importante lembrar que, diversamente do que ocorreu em outros países, de capitalismo central, onde a estratégia de terceirização visou à especialização da produção e concentração no ramo principal de atividade empresarial, no Brasil a terceirização, desde que começou a ser implementada, em meados dos anos 1980-1990, se limitou à estratégia de barateamento de mão de obra, por meio de subcontratações em rede ou escala, em detrimento do respeito aos direitos trabalhistas. Vejam-se a esse respeito as colocações de SAYONARA GRILLO DA SILVA (2016, p. 16-17):

Segundo Márcio Pochmann (2012), enquanto nos países denominados centrais a decisão de exteriorizar segmentos do processo produtivo se relaciona com a busca pelo crescimento da produtividade, no bojo de mudanças tecnológicas e introdução de reengenharia do parque produtivo, nos países não desenvolvidos a recente expansão da terceirização se relaciona à redução do custo do trabalho em ambientes de concorrência internacional empresarial, contratação com salários e condições laborais mais reduzidos, provocando um rebaixamento da qualidade dos postos de trabalho existentes. (...)

O labor em empresas subcontratadas é marcado pela instabilidade, baixos padrões salariais, menor qualificação da mão de obra, condições precárias de trabalho, contratações ‘atípicas’ e dissimuladas, elevada rotatividade dos trabalhadores e redução substancial dos salários.

Esse processo se deu mediante de uma verdadeira subversão do conteúdo da Lei n. 6.019, de 03.01.1974, norma jurídica destinada à locação de serviços entre empresas, por meio da figura do trabalho temporário.

Tanto é assim que não são raros os episódios de reconhecimento judicial de vínculo empregatício entre o trabalhador terceirizado e a empresa tomadora de serviços, na realidade a verdadeira empregadora.

O principal marco normativo a respeito da terceirização era a Súmula n. 331 do TST, que possui a seguinte redação:

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CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação)– Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de
03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

A Súmula n. 331, item III, do TST, como se pode conferir, limitava o cabimento da terceirização para as denominadas atividades-meio, vedada a utilização de terceiros para a atividade-fim da empregadora, sob pena de reconhecimento de vínculo empregatício.

A distinção entre terceirização de atividade-fim e de atividade-meio2 pode ser vislumbrada na doutrina de SILVA (2016, p. 16):

...considerar-se-á a terceirização em sentido amplo, envolvendo tanto o repasse de atividades finalísticas das empresas (que no campo do Direito do Trabalho denominados terceirização ilícita ou interposição de mão de obra), quanto o repasse de atividades consideradas aces-sórias à consecução da atividade preponderante (que será considerada terceirização lítica, segundo padrões normativos trabalhistas atuais, quando inexistir pessoalidade e subordinação direta entre o contratante e os empregados da empresa especializada contratada).

No momento em que a referida Súmula n. 331 do TST encontrava-se em exame de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, o universo jurídico foi surpreendido com a repentina aprovação da Lei n.13.429/2017, e logo após com a Lei n.13.467/2017, que alargaram sem precedentes a possibilidade de terceirização.

A redação da Lei n.6.019/1974, dada pela Lei n.
13.429/2017, era a seguinte:

Art. 4º-A. Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos.

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Nessa redação, verificava-se uma tentativa ainda tímida e dotada de pudor em relação à ampliação das hipóteses de terceirização. A redação exigia que a empresa presta-dora de serviços executasse apenas aqueles que fossem “determinados e específicos”, mas não escancarava que pudessem ser inclusive aqueles de atividade final da empresa tomadora de serviços.

Enquanto a doutrina trabalhista se debatia a respeito do alcance desse preceito normativo (se permitia ou não a terceirização da atividade-fim3), esse cenário muda a partir da Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017), que acrescenta a seguinte redação ao referido art. 4º-A, da Lei
n. 6.019/1974:

Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços...

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