Terceirização no âmbito da administração pública e responsabilidade a partir do julgamento da adc n. 16 pelo stf

AutorGrijalbo Fernandes Coutinho
Páginas257-270

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1. Regulamentação da terceirização no brasil

Embora utilizada em larga escala, a terceirização no Brasil não possui o amplo espaço ocupado pelos diversos segmentos empresariais, ao menos segundo o modelo normativo legal, tudo a revelar haver adoção de uma prática imposta pelos agentes econômicos, com o beneplácito do poder público revelado na incapacidade de fazer respeitar princípios jurídicos protetores da dignidade humana laboral e orientadores do Direito do Trabalho.

As primeiras medidas aprovadas pelo Parlamento no sentido de autorizar a terceirização aconteceram durante a época do arbítrio instalado no país em 1964, cujas normas veiculadas nas respectivas leis, para dizer o mínimo, carecem do requisito da legitimidade1.

Alessandra Felício e Virgínia Henrique afirmam que "os primeiros instrumentos a normatizarem o fenômeno da terceirização no Brasil foram a Lei n. 4.886/65 e os Decretos-Leis n. 1.212 e 1.216, ambos de 1966", cuidando a referida lei da representação comercial autônoma, ao passo que os decretos "auto-rizavam a prestação de serviços de segurança bancária por empresas interpostas na relação trabalhista"2. Anotam as referidas autoras que logo depois veio o Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, com o propósito de descentralizar a Administração Federal (Reforma Administrativa) mediante a contratação de empresas particulares para executar algumas atividades antes concentradas não mãos do Estado3.

Estabelece o Decreto-Lei n. 200/67, da época dos militares no poder pela coerção física, no seu art. 10, que "a execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada", especificando o § 7º, do mesmo dispositivo, que:

Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

Registram Alessandra Felício e Virgínia Henrique que a Lei n. 5.645/70, no art. 3º, parágrafo único, enumerou as atividades, na Administração Federal, sujeitas à terceirização (descentralização), quais sejam, transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas, a serem contratadas observando o teor do art. 10, § 7º, do Decreto Lei n.200/67, como também indicam o seguinte:

Ainda no final da década de 60 são editados mais dois decretos: o Decreto n. 62.756, de 1968, que regulamentou o funcionamento de agências de colocação ou intermediação de mão-de-obra, e o Decreto-lei n. 1.034, de 1969, que determinou medidas de segurança para o funcionamento de empresas de segurança bancária. Este último diploma, em seu art. 4º, dispunha que "os estabelecimentos de crédito poderiam admitir diretamente

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ou contratar por intermédio de empresas especializadas os elementos necessários a sua vigilância.4

Em 1974, ainda no governo dos generais, época de liberdades individuais e coletivas cerceadas, surgiu a primeira lei que, de fato, trouxe grande repercussão negativa para as relações entre o capital e o trabalho, mediante a introdução no ordenamento jurídico do contrato de trabalho temporário (Lei n. 6.019/74), autorizador da intermediação de mão de obra por prazo determinado.

Define o art. 2º da Lei n. 6.019/74como "trabalho temporário aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços".

O trabalho temporário, no cenário antes definido, demanda o cumprimento de duas exigências, quais sejam, atendimento à necessidade transitória de substituição de pessoal ou de acréscimo extraordinário de serviços.

O art. 10, da mencionada lei, estabelece que a contratação temporária "não poderá exceder de três meses, salvo auto-rização conferida pelo órgão local do Ministério do Trabalho e Previdência Social".

A Lei n. 7.102/83 institui a terceirização no âmbito do sistema financeiro, para o serviço de vigilância que possua caráter permanente, determinando que o transporte de valores seja feito por "empresa especializada contratada" ou pelo "próprio estabelecimento financeiro, desde que organizado e preparado para tal fim, com pessoal próprio, aprovado em curso de formação de vigilante autorizado pelo Ministério da Justiça".

Expande-se nos anos 1990 a terceirização no setor de segurança para alcançar qualquer tipo de vigilância patrimonial das instituições financeiras e de outros estabelecimentos públicos ou privados, bem como a segurança de pessoas físicas e o transporte de valores ou para garantir o transporte de qualquer outro tipo de carga, conforme preceitua oart. 10, I e II, da Lei n. 8.863/94.

Outra forma de terceirização foi criada em 1994, por força da Lei n. 8.949/94, que incluiu parágrafo único no art. 442, da CLT, ao dizer que não existe vínculo empregatício entre a cooperativa de trabalho e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.

A Lei n. 9.017, de 30 de março de 1995, reforçou o trabalho terceirizado feito por empresa especializada contratada pelos estabelecimentos financeiros (art. 1º e seguintes).

A Emenda Constitucional n. 9, de 9 de novembro de 1995, com a quebra do monopólio da exploração do petróleo e de seus derivados, pelo Estado, introduziu a terceirização neste segmento:

§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei.

Art. 2º Inclua-se um parágrafo, a ser enumerado como § 2º com a redação seguinte, passando o atual § 2º para § 3º, no art. 177 da Constituição Federal:

Art. 177. § 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: I - a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional; II - as condições de contratação; III a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União.

O setor de telecomunicações foi objeto de terceirização parcial de suas atividades, nos termos da Emenda Constitucional n. 8, de 15 de agosto de 1995:

Art. 1º

O inciso XI e a alínea a do inciso XII do art. 21 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:

Art. 21. Compete à União: XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII - ... a) explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

... Art. 2º É vedada a adoção de medida provisória para regulamentar o disposto no inciso XI do art. 21 com a redação dada por esta emenda constitucional.

Depois, foi a vez da Lei n. 9.472/97tratar da terceirização nos serviços de telecomunicação:

Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência: I - empregar, na execução dos serviços, equipamentos e infra-estrutura que não lhe pertençam; II - contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados. § 1º Em qualquer caso, a concessionária continuará sempre responsável perante a Agência e os usuários. § 2º Serão regidas pelo direito comum as relações da concessionária com os terceiros, que não terão direitos frente à Agência, observado o disposto no art. 117 desta Lei.

Em suma, a terceirização geral no Brasil jamais foi objeto de qualquer regulamentação pelo Congresso Nacional. As principais normas legais indicadas pelo setor patronal como autorizativas da subcontratação empresarial, em determinadas atividades, são as seguintes: Lei n. 4.886/1965 (representação comercial autônoma); Decretos-Lei ns. 1.212/1966 e 1.216/1966 (prestação de serviços de segurança bancária por empresas interpostas); Decreto-Lei n. 200/1967 (descentralização administrativa pública federal mediante contratação de empresas particulares para executar algumas atividades antes conferidas exclusivamente ao Estado); Lei n. 5.645/1970 (descrição das atividades delegáveis a terceiros pela Administração Pública Federal - transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas); Lei n. 6.019/1974 (criação da empresa de trabalho temporário para atender à necessidade transitória da tomadora de serviços ou de acréscimo extraordinário de serviços); Lei n. 7.102/1983 (oferecimento do serviço de vigilância bancária e financeira por intermédio de empresa prestadora de serviços, incluindo o transporte de valores); Lei n. 7.290/1984

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(transporte rodoviário); Lei n. 8.863/1994 (estende a terceirização, na área de vigilância, para qualquer vigilância patrimonial, pública ou privada, bem como a segurança de pessoas físicas e transporte de valores); Lei n. 8.949/1994 (inclusão do parágrafo...

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