A terceirização como meio de precarizar o trabalho

AutorRocco Antonio Rangel Rosso Nelson/Walkyria de Oliveira Rocha Teixeira/Cristina Alves da Silva Braga
CargoProfessor de Direito do IFRN/Mestre em Educação IFRN/Especialista em Direito Administrativo
Páginas108-130
108 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 658 I JUN/JUL 2019
DOUTRINA JURÍDIcA
Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson PROFESSOR DE DIREITO DO IFRN
Walkyria de Oliveira Rocha Teixeira MESTRE EM EDUCAÇÃO IFRN
Cristina Alves da Silva Braga ESPECIALISTA EM DIREITO ADMINISTRATIVO 
A TERCEIRIZAÇÃO COMO MEIO DE
PRECARIZAR O TRABALHO
I
A TERCEIRIZAÇÃO TRANSFERIU AS ATIVIDADES DA EMPRESA
A PRESTADORES DE SERVIÇOS, INCLUSIVE A PRINCIPAL. O
RESULTADO É A FRAGILIZAÇÃO JURÍDICA DO TRABALHADOR
Aterceirização no setor produtivo tem se
configurado um tema muito presente
nas sociedades capitalistas. A discus-
são já atravessa décadas1, retornando
ao cenário mundial com a crise finan-
ceira do subprime, nos Estados Unidos, em
20082, da imperiosa necessidade de reforma na
legislação trabalhista, principalmente no que
tange à figura da Consolidação das Leis do Tra-
balho, que, juntamente com o plexo de direitos
fundamentais sociais previsto da Constituição
Federal de 1988, tornam a figura do empregado
um custo altíssimo da empresa, com base nos
fundamentos teóricos do sistema capitalista.
Esta realidade limita a possibilidade de o agen-
te econômico se adaptar às crises3, bem como
fazer frente a uma concorrência que não se
restringe mais ao ambiente de mercado local4
ou mesmo nacional, mas sim global5.
Atualmente, a concorrência no setor eco-
nômico é muito predatória, exigindo um es-
forço das empresas para reduzir gastos com o
objetivo de se adequarem ao mercado. Neste
diapasão, as inovações tecnológicas também
têm contribuído para pressionar os postos de
trabalho. Conforme ressalta Delgado:
[E]ssa renovação tecnológica intensa eliminava as
antes impermeáveis barreiras do espaço e do tem-
po, extremando a competição capitalista no plano
das diversas regiões do globo.6
Além das instabilidades econômicas e do
fator concorrência citado, somam-se ao desen-
volvimento tecnológico (robotização, microe-
letrônica, microinformática, hiperconectivi-
dade gerada pela internet7 etc.) novas formas
de organização de produção e o desafio de
combater o desemprego/subemprego, dentre
outros fatores, vindo à tona o debate sobre a
necessidade de flexibilização das relações de
trabalho.
Sobre o assunto, a professora Alice Montei-
ro de Barros esclarece:
Muitos sustentavam que a predominância de nor-
mas imperativas nos institutos jurídicos era o fato
gerador da crise das empresas, uma vez que lhes
retirava as possibilidades de adaptarem-se a um
mercado turbulento. Afirmavam que a rigidez daí
advinda impedia a competitividade das economias
europeias e o aproveitamento das oportunidades
de inovação tecnológica [...]8
Um dos desdobramentos lógicos da pau-
ta de flexibilização das relações de trabalho
é a possibilidade de terceirização9 da mão de
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Rocco Antonio Nelson / Walkyria Teixeira / Cristina Braga DOUTRINA JURÍDIcA
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REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 658 I JUN/JUL 2019
obra de forma indiscriminada, ou seja, evitar
o vínculo empregatício (o que reduziria sen-
sivelmente os custos sociais para os empre-
gadores), usando terceiros interpostos para a
prestação tanto das atividades-meio como das
atividades-fim desenvolvidas pela empresa.
A questão da terceirização, especificamen-
te, ganhou um novo contorno em 2015, em de-
corrência da severa crise econômica e política
pela qual o Brasil passou em razão de uma
gestão da política macroeconômica temerária,
na qual o cenário foi maquiado com objetivos
eleitorais, empurrando o Brasil para os horro-
res de alta inflação, sistema cambiário desgo-
vernado, aumento do desemprego, queda do
consumo, déficit na contas públicas e eleva-
ção dos juros, fatores que acarretaram até a
perda de grau de investimento do Brasil pela
agência Standard & Poor’s ().
Naquele cenário de crise, em que não se
vislumbrava uma melhora em curto prazo, a
terceirização seria uma das formas que o em-
presariado teria para abrandar suas despesas,
diminuindo os custos sociais, fragilizando a
situação jurídica do trabalhador em favor do
capital10.
A partir dessa realidade, galgada pelo dina-
mismo econômico, via-se no direito do traba-
lho um empecilho à expansão do capital11 e à
livre organização do mercado12, o qual se en-
contrava cada vez mais globalizado e interco-
nectado13. De tal sorte, propagou-se discurso
fervoroso de que a Consolidação das Leis do
Trabalho estaria fora do seu tempo, não sen-
do mais uma fonte normativa a contento14 dos
anseios do mercado hiperconectado. Segundo
a lição de Maurício Godinho Delgado:
De fato, o ramo justrabalhista afirmou-se no pe-
ríodo anterior como o mais clássico e abrangente
instrumento de políticas sociais surgido no capita-
lismo, produzindo inquestionável intervenção nor-
mativa na economia, em favor, regra geral, de im-
portante distribuição social dos ganhos do sistema
econômico. Nesse contexto, a desregulamentação
de suas regras ou, pelo menos, sua crescente fle-
xibilização, tudo passou a compor foco destacado
na matriz cultural que se generalizou no Ocidente
no último quartel do século XX.15
Especificamente no Brasil, após o processo
de impeachment da presidente Dilma Rous-
seff, cassada em 31 de agosto de 2016, o então
vice-presidente Michel Temer ao assumir a
chefia do Poder Executivo federal afirmou
que, dentre várias medidas para superação da
crise econômica e para alavancar o crescimen-
to do Brasil, teriam início as articulações para
a promoção da reforma trabalhista.
Nesse contexto de busca de reformas sistê-
micas para a “promoção” do desenvolvimento
econômico e para a superação da crise finan-
ceira, ocorreu a publicação da Lei 13.429/17 (Lei
da Terceirização), que alterou dispositivos da
Lei 6.019/74, que dispõe sobre o trabalho tem-
porário nas empresas urbanas. Foi o resgate
de um projeto de lei esquecido, de 1998, em
função do turbulento trâmite do Projeto de
Lei 4.330/04, que não corria com a velocidade
desejada pelo governo no Senado.
A reforma trabalhista nos preceitos do
governo Temer ocorreu por meio da Lei
13.467/17 (publicada em 13 de julho de 2017),
que alterou/acrescentou/revogou mais de
200 artigos da Consolidação da Leis do Tra-
balho (), além de dispositivos das leis
6.019/74 (dispõe sobre o trabalho temporário),
8.036/90 (dispõe sobre o fundo de garantia do
tempo de serviço) e 8.212/91 (dispõe sobre a
organização da seguridade social e institui
plano de custeio).
Se não bastasse todo este conjunto legis-
lativo que impactou fortemente as relações
sociais e que ainda estava se moldando e re-
velando seu contorno com a práxis do dia a
dia, o Supremo Tribunal Federal, em agosto
de 2018, julgou, conjuntamente, as duas ações
que versavam sobre a constitucionalidade da
terceirização: a Arguição de Descumprimen-
to de Preceito Fundamental 324 e o Recurso
Um dos desdobramentos da pauta de flexibilização
das relações de trabalho é a terceirização da mão
de obra de forma indiscriminada
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