A terceirização como forma de (in)efetivação da proteção social: seus caminhos até a edição da Lei Geral de Terceirização

AutorMiguel Horvath Júnior
Páginas100-107

Page 100

Ver Nota1

1. Considerações iniciais

A terceirização pode ser conceituada sob variados prismas, interessando para nós a concepção jurídica. A terceirização pode ser conceituada como a transferência das atividades laborais consideradas secundárias de uma pessoa jurídica (empresa tomadora) para outra pessoa jurídica (empresa prestadora de serviço) que tenha especialização na área específica visando à concentração nas atividades reputadas como mais significativas e primordiais (atividade-fim) possibilitando assim o incremento da atividade da empresa, criando espaço para a busca da melhor competitividade gerada pela redução de custos e especialização. Uma das características da terceirização é a de que a empresa que contrata os serviços não tem controle ou disponibilidade (poder diretivo do trabalho) sobre os empregados da empresa terceirizada.

A terceirização tem sérias implicações com o aspecto empresarial e econômico. Segundo SOARES JÚNIOR (2013,
p. 2) “ a terceirização constitui uma das mais importantes técnicas a ser utilizada nos processos de produção, notadamente do ponto de vista de suas possibilidades quanto à aplicação e implementação objetivando o aumento e principalmente a qualidade da produção. A terceirização enquanto técnica empresarial tem muito para ser desenvolvida e aperfeiçoada, vez que seu campo de atuação é quase ilimitado”.

2. Conceito de terceirização

Segundo VIDAL NETO, “ o ‘vocábulo’ terceirização é utilizado na linguagem corrente para designar uma técnica de organização empresarial, que vem tendo emprego cada vez mais comum. Trata-se de um neologismo que designa a divisão do processo produtivo entre a empresa que promove e outras que fornecem parte dos componentes ou dos serviços necessários à obtenção do produto final e à sua colocação no mercado” (VIDAL NETO:1996, p. 91)

Por vezes o conceito de terceirização é utilizado de maneira aglutinadora como forma de aperfeiçoamento do processo produtivo. Percebemos este enfoque no conceito de terceirização de SÉRGIO PINTO MARTINS ao lecionar que “compreende-se a terceirização uma forma de contratação que vai agregar a atividade-fim da empresa, normalmente a que presta os serviços, à atividade-meio de outra. É também uma forma de parceria, de objetivo comum, implicando ajuda mútua e complementariedade. O objetivo comum diz respeito à qualidade dos serviços para colocá-los no mercado. A complementarie-dade significa a ajuda do terceiro para aperfeiçoar deter-minada situação que o terceirizador não tem condições ou não quer fazer”. (MARTINS:2014, p.10)

A ideia da terceirização nos remete que a empresa poder concentrar suas atividades principais (core business) delegando as atividades secundárias às empresas prestadoras de serviço.

MAURICIO GODINHO assim se refere à terceirização:

A expressão terceirização resulta de neologismo oriundo da palavra terceiro, compreendido como intermediário, interveniente. Não se trata, seguramente, de terceiro, no sentido jurídico, como aquele que é estranho a certa relação jurídica entre duas ou mais partes. O neologismo foi construído pela área de administração de empresas, fora da cultura do Direito, visando enfatizar a descentralização empresarial de atividades para outrem, um terceiro à empresa. Outro neologismo criado para designar o fenômeno (também externo ao Direito) foi terciarização, referindo-se ao setor terciário da economia, composto pelos serviços em geral, onde se situam as empresas terceirizantes. Contudo, este epíteto não chegou a solidificar-se na identificação do fenômeno social, econômico e justrabalhista aqui examinado. Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação trabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. (GODINHO:2011, p. 426)

E prossegue o autor:

A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista:

Page 101

o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa toma-dora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido. (GODINHO:2011, p. 426)

A terceirização na forma adotada não deve ser confundida com a contratação de empresas de fornecimento de trabalhadores temporários. Na terceirização a duração do contrato de prestação de serviços não tem limitação imposta na legislação, a duração estará determinada na forma do pactuado contratualmente. Enquanto que na contratação de trabalhadores temporários há limitação na duração desta contratação que será de 180 (cento e oitenta) dias prorrogáveis por mais 90 (noventa) dias e sendo admitida para situações específicas como substituição de pessoal permanente e na situação de demanda complementar de serviços da empresa contratante).

Sobre este aspecto vale a pena conferirmos a lição de Armando Cruz Vasconcellos:

Agora, mais do que antes, essa diferenciação se torna necessária, posto que a nova lei disciplina claramente os dois institutos, de forma distinta, situando o trabalho temporário, forma lícita de intermediação de mão de obra, no art. 1º, que altera diversos dispositivos da velha Lei n. 6.019/1974, e a terceirização, agora denominada de ‘prestação de serviços a terceiros’, acrescentando os arts. 4º-A, 4º-B, 5º-A, 5º-B, 19-A,19-B e 19-C, à mesma Lei n. 16.019. (VASCONCELLOS:2017. p. 810)

Por falta de expressa previsão legal até recentemente o fenômeno da terceirização teve seus limites e escopo de atuação parametrizados pelo Poder Judiciário, mais especificamente por Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

3. Enquadramento da terceirização sob a perspectiva histórica

O grande desafio entregue aos tribunais com o início da terceirização foi o da construção de seus limites ou não de aplicação, principalmente em relação à extensão de sua utilização. Daí o questionamento acerca da sua abrangência. A terceirização poderia ser utilizada para atividade-fim ou apenas para a atividade-meio? Ainda mais em um momento em que o instituto não era previsto de forma expressa no Direito positivado.

Surge a Súmula n. 268/1986 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) como farol a iluminar os caminhos a serem desbravados pela terceirização. Esta súmula determinava que salvo nos casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis n. 6.019/1974 e
7.102/1983 era ilegal a contratação de trabalhadores por pessoa interposta, formando-se vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços. Entendimento de utilização possível, mas com limites bem estritos com a previsão de que o extrapolamento dos limites implicaria em desobediência ao ordenamento pátrio e consequentemente o estabelecimento de vínculo direto entre o tomador e o empregado.

A Súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) originária de 1993, substituiu a Súmula n. 268 trazendo um escopo de utilização mais alargada ao prever a possibilidade de utilização da terceirização nos serviços de conservação e limpeza, bem como na terceirização de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação, respondendo às pressões das empresas e pavimentando a utilização de forma mais intensa da terceirização. A Resolução 174/2011 do TST, de 30/5/2011, deu nova redação à Súmula n. 331 inserindo nos itens V e VI a previsão da responsabilidade subsidiária dos entes integrantes da Administração Pública direta e indireta, caso evidenciada a conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei
n. 8.666/1993(Lei de Licitações). Sendo certo que o mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa contratante não configuraria a responsabilidade subsidiária da Administração Pública. Em anexo colacionamos histórico da Súmula obtido junto ao site do Tribunal Superior do Trabalho.

Histórico: Súmula mantida– Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 Súmula alterada (inciso IV)– Res. 96/2000, DJ 18, 19 e 20.09.2000
N. 331 (...) IV– O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei n. 8.666, de
21.06.1993). Redação original (revisão da Súmula n. 256)– Res. 23/1993, DJ 21, 28.12.1993 e 04.01.1994 N. 331 (...) II– A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República). (...) IV– O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT