A terceirização e o descompasso com a higidez, saúde e segurança no meio ambiental laboral ? responsabilidade solidária do tomador do serviço a partir das normas de saúde e segurança no trabalho

AutorFrancisco Milton Araújo Júnior
CargoJuiz Titular da 2a Vara do Trabalho de Araraquara (SP)
Páginas41-53

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“Para que não haja divisão no corpo, mas antes tenham os membros igual cuidado uns dos outros. De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele. Ora, vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular.”

(1 Coríntios 12, v. 25-27)

1. Noções introdutórias: contexto histórico

Realizando um corte epistemológico na história e, por conseguinte, tendo como ponto de partida as primeiras duas décadas do século XX, pode-se destacar, no plano sócio, econômico e político, a primeira grande crise do capitalismo, com destaque para o crescimento do movimento sindical, o empobrecimento da população, o deterioramento das relações sociais e o de?nhamento da ordem econômica liberal nos anos que sucederam a Primeira Guerra Mundial, tendo como ápice do colapso econômico a quebra da bolsa de Nova York em 24 de outubro de 1929.

De acordo com Carlos Alonso Barbosa de Oliveira, “o padrão de regulação econômica e social derivado do livre funcionamento era inadequado para manter a coesão social e para atender aos interesses das grandes massas. Nos anos 20, a economia capitalista caracterizou-se pela instabilidade, baixo crescimento, guerras comerciais entre nações e fortes movimentos especulativos que desaguaram na grande crise de 1929. A crise desorganizou completamente as relações econômicas internacionais e o desemprego cresceu em todo o mundo desenvolvido, até atingir a explosiva marca de 25% da população ativa dos Estados Unidos, sendo que na Alemanha o desemprego foi ainda maior”1.

Dentro dessa realidade de grave crise do capital, o movimento sindical gerava ainda mais temor na burguesia pela possível tomada do poder político pelos trabalhadores na Europa e na América do Norte, pois “como demonstra a historiografia tradicional, ‘os pobres’ podiam ser ignorados a maior parte do tempo pelos seus ‘superiores’ e, portanto, permanecerem largamente invisíveis a eles, precisamente porque os acontecimentos eram ocasionais, esparsos e efêmeros. Se, desde o ?nal do século XVIII, isto não mais acontece é porque eles se tornaram uma força institucional organizada”2.

As alternativas de manutenção da ordem capitalista, ainda que sob o viés da superação do liberalismo pela regulação estatal, começam a surgir, ganhando destaque os sociais-demo-cratas, que se baseavam na “humanização do capital” a partir da intervenção do Estado para estabelecimento de reformas na ordem social, como pode ser veri?cado com a implantação do programa New Deal nos Estados Unidos pelo presidente Franklin Roosevelt; como também surgem movimentos autoritários de manutenção do capitalismo, como o fascismo na Itália com Mussolini e o nazismo na Alemanha com Hitler, que se fundamentam na supressão das liberdades individuais e na supervalorização do desenvolvimento do nacionalismo.

Marcelo Weishaupt Proni comenta que “no início dos anos 30, o programa de recuperação nazista e o New Deal do governo Roosevelt adotaram medidas de combate ao desemprego e defesa da renda interna baseadas no gasto público; políticas econômicas que rompiam com a ortodoxia dos equilíbrios ?scais (…) depois de 1945 e da ‘economia de guerra’, um

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retorno ao laissez-faire (ou ao livre mercado) estava fora de questão. Tornou-se consensual que uma economia de mercado precisava de parâmetros seguros e de mecanismos de proteção para não derivar rumo às crises e às catástrofes sociais. Em decorrência, as economias capitalistas seriam marcadas por um traço comum: a necessidade crescente do planejamento público e da regulação estatal sobre as variáveis-chave do mercado (juros, câmbio, salários)”3.

O espelho do socialismo, que não mais se limitava à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e já abrangia todo o leste europeu, impulsionou o Estado Capitalista a adotar políticas sociais que passaram a atender às necessidades fundamentais do proletariado, como o estabelecimento de regulação mínima que assegurasse a dignidade humana nas relações laborais; a garantia de seguridade, com o benefício da aposentadoria aos trabalhadores; o acesso aos benefícios da saúde, com hospitais e saneamento básico a todas as camadas sociais; o estímulo do desenvolvimento da educação dos trabalhadores e da participação política de todos sustentada na racionalidade do processo eleitoral e no alicerce ideológico da meritocracia, do sucesso individual baseado no esforço próprio e na oportunidade que todos possuem para desenvolver os seus talentos pessoais.

Atrelado ao Estado Social-Democrata que se desenvolvia na sociedade capitalista no pós-Segunda Guerra Mundial, a classe burguesa atua na neutralização do avanço das manifestações operárias com a concessão de ganhos salariais aos trabalhadores, ou seja, o sistema capitalista passa a adotar “uma concepção da relação salarial segundo a qual o modelo de consumo é integrado nas condições de produção. E isso é su?ciente para que amplas camadas de trabalhadores — mas não todos os trabalhadores — saiam da situação de extrema miséria e insegurança permanente”4.

Roberte Castel prossegue a?rmando que nessa nova ordem socioeconômica do capitalismo “esboça-se uma política de salários ligada aos progressos da produtividade através da qual o operariado tem acesso a um registro da existência social: o do consumo e não mais exclusivamente o da produção, (…) o ‘desejo de bem-estar’, que incide sobre o carro, a moradia, o eletrodoméstico etc., permitem — gostem ou não os moralistas — o acesso do mundo operário a um novo registro de existência”5.

Nesse período, a junção das práticas do Estado Social-Democrata e a concessão progressiva dos ganhos salariais pela burguesia à classe trabalhadora no pós-Segunda Guerra Mundial proporcionaram pelos próximos 30 anos o que Eric Hobsbawm denominou de “anos dourados do capitalismo”6.

Cabe destacar que todas essas conquistas sociais e econômicas dos trabalhadores foram feitas num período de Guerra Fria, no qual havia a bipolaridade entre o Mundo Capita-lista e o Mundo Socialista, e, por conseguinte, pairava, na atmosfera das ideias, o temor dos capitalistas de que a ideologia socialista poderia germinar em solo capitalista e gerar movimentos revolucionários de tomada do poder pela classe trabalhadora.

Esses 30 anos de prosperidade do capita-lismo chegam ao ?m na década de 70 com a eclosão do que Dominique Plihon denomina de “crise estag?acionária”7, ou seja, com a eclosão de nova crise econômica que atrelava baixo crescimento da economia com a elevação da in?ação.

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Dominique Plihon comenta que “o regime de crescimento rápido começou a se desestruturar no início dos anos 70 com o desmoronamento do sistema monetário internacional de Bretton Woods, com o aquecimento in?acionário nos Estados Unidos em 1972 e com o choque do petróleo de 1973. O crescimento declinou enquanto que a in?ação se acelerou: isto foi a emergência de um processo estag?acionário. Esta ruptura no funcionamento do regime de crescimento resultou da derrocada dos mecanismos de regulação das economias industriais”8.

Com a crise do capitalismo alicerçado no Estado do Bem-Estar Social, com políticas claras de intervenção do Estado na economia com o objetivo de atrelar o progresso econômico às conquistas sociais (Dominique Plihon denomina de “políticas econômicas keynesianas”9), a ordem econômica liberal que, naufragou com a quebra da Bolsa de Nova York, volta a ganhar prestígio a partir de uma roupagem ainda mais agressiva com a ?nanceirização da economia mundial.

Dominique Plihon comenta que “esta transformação profunda do sistema ?nanceiro internacional foi a consequência da liberalização ?nanceira decidida pelos países indus-trializados no decurso dos anos 1980. Todas as formas de controle administrativo das taxas de juro, do crédito e dos movimentos do capital foram progressivamente abolidas. O objetivo foi desenvolver o mercado ?nanceiro. A “desregulamentação” foi um dos elementos motores da globalização ? nanceira, pois acelerou a circulação internacional do capital ?nanceiro. A abertura do sistema ?nanceiro japonês em 1983/1984 foi, em grande medida imposta pelas autoridades monetárias americanas, depois do desmantelamento dos sistemas nacionais de controle cambiais na Europa, com a criação de um mercado único de capitais em 1990. Sob o impulso dos Estados Unidos e do FMI, os novos países industriais seguiram o movimento da liberalização”10.

A crise dos anos 1970, portanto, estende-se pelos anos 1980 e 1990, principalmente em razão da adoção das políticas econômicas neoliberais que preconizam maior liberalização e dependência do capital internacional, bem como severo controle in?acionário com arrocho salarial e com a respectiva precarização das condições de trabalho.

Toda essa estrutura neoliberal passou a ter contornos bem de?nidos pelo Consenso de Washington elaborado por técnicos do governo norte-americano e dos organismos ?nanceiros internacionais (FMI, Banco Mundial e BID), o qual ?xou uma cartilha de políticas recessivas a ser adotada especialmente pelas economias periféricas nas áreas: ? scal; gastos públicos; reforma tributária; liberalização ?nanceira; regime cambial; liberalização comercial; investimento direto estrangeiro; privatização; desregulação; e propriedade intelectual11.

Especi?camente sobre as relações de trabalho, Ricardo Antunes destaca que “as transformações ocorridas no capitalismo recente no Brasil, particularmente na década de 1990 foram de grande intensidade, impulsionadas pela nova divisão internacional do trabalho e pelas formulações de?nidas pelo Consenso de Washington e desencadearam uma onda enorme de desregulamentações nas mais...

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