Teorias sobre o Fim e a Estrutura dos Direitos Fundamentais

AutorArion Sayão Romita
Ocupação do AutorAcademia Nacional do Direito do Trabalho
Páginas90-98

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6.1. Generalidades

Não se tentará aqui expor a teoria dos direitos fundamentais. Uma teoria,como tal, deve apoiar-se sobre o texto da Constituição e, mais, sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional (no caso brasileiro, o Supremo Tribunal Federal), sob pena de surgir um interminável debate de opiniões. Somente a partir do texto escrito (no caso, a Constituição) pode-se construir uma teoria constitucional, o que vale dizer, adequada a uma determinada constituição. Só assim se pode ter certeza de que os direitos positivados apresentam uma identidade incontrastável, um alcance preciso, um âmbito de aplicação seguro e, nestas condições, são aptos a dispor de proteção eficaz, a salvo de vacilação e insegurança. Teorias que ostentam essas características são, por exemplo, a exposta por Robert Alexy1 para a Constituição alemã de 1949 e por Chinchilla Herrera para a Constituição colombiana de 19912.

Também não se fará digressão em torno da natureza dos direitos fundamentais: se direitos subjetivos, direitos morais com eficácia jurídica ou direitos humanos constitucionalizados e com garantia reforçada. Nem serão expostas teorias históricas, que explicam o surgimento e o desenvolvimento dos direitos fundamentais; teorias filosóficas, que cuidam de sua fundamentação; ou teorias sociológicas acerca da função dos direitos fundamentais no ambiente social.

Serão debatidas aqui as concepções básicas acerca do fim e da estrutura dos direitos fundamentais. As teorias tentam fixar de modo sistemático a característica geral, os objetivos normativos e o alcance material dos direitos fundamentais. Böckenförde expõe cinco teorias desse tipo: a teoria liberal dos direitos fundamentais característica do Estado de direito burguês; a teoria institucional; a teoria axiológica; a teoria democrático-funcional; e

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a teoria do Estado social3. Segundo o pensamento de Alexy, das cinco teorias, três podem ser identificadas como teorias teleológicas gerais ou como teorias dos princípios dos direitos fundamentais, a saber a liberal, a democrática e a do Estado social4. Cabe observar que esta exposição mostra-se particularmente adequada ao constitucionalismo alemão: nos termos do art. 20, primeiro parágrafo da Constituição de 1949, a República Federal da Alemanha é um Estado federal, democrático e social. Sendo a Alemanha um Estado social, tem cabimento cogitar de uma teoria do Estado social dos direitos fundamentais, mas ela é inadequada a outros Estados que não revistam a mesma característica. A estas cinco teorias, Guilherme Braga Peña de Moraes acrescenta a teoria socialista dos direitos fundamentais ou teoria socialista marxista e a teoria conservadora5. Cada uma dessas sete teorias será analisada a seguir.

6.2. Teoria liberal

Considera a liberdade individual de ação o único fim dos direitos fundamentais. A liberdade negativa em face do Estado é o princípio fundamental. Trata-se de uma liberdade "pura", não liberdade voltada para determinados fins. Os direitos de liberdade, como explica Gustavo Amaral, fundamentam a edição de "normas de distribuição de competências entre o indivíduo (socie-dade) e o Estado, delimitando o âmbito em que o indivíduo e suas estruturas sociais próprias são competentes para regular condutas e organização de prestações"6. Restringe-se a interferência do Estado na esfera de ação e de decisão do indivíduo. Por essa óptica, os direitos fundamentais se caracterizam pela pré-estatalidade, ou seja, eles são anteriores ao Estado, que não os "concede", apenas os reconhece e protege. A teoria constitui o fundamento do individualismo jurídico que, acoplado ao liberalismo econômico, embasa a construção do Estado liberal burguês triunfante com a Revolução Francesa de 1789. Como observa Carl Schmitt, os direitos de liberdade são direitos absolutos, no sentido de que não são garantidos "nas condições estabelecidas pela lei", pelo contrário: seu conteúdo não resulta da lei, mas é o condicionamento de seu exercício que surge como exceção. A liberdade individual é o pressuposto e a restrição imposta pelo Estado, a exceção. Nas palavras de Carl Schmitt, "os direitos de liberdade (Freiheitsrechte) representam o início

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dos direitos fundamentais, que existem antes do Estado, tiram seu conteúdo não de uma lei, nas condições previstas pelas leis ou no interior dos limites estabelecidos pelas leis, mas caracterizam a esfera de ação da liberdade individual, em princípio isenta de controle. O Estado serve para protegê-la e sua existência só assim se justifica. O direito de resistência do indivíduo é o meio supremo de proteção, um direito individual, que pertence por essência aos direitos fundamentais"7. A teoria liberal tem sofrido críticas, segundo as quais a efetivação dos direitos fundamentais não depende da vontade de seus destinatários: exige a intervenção do Estado porque, em determinadas circunstâncias, as condições econômicas e sociais impedem ou dificultam seu exercício. A principal crítica salienta o fato de que esta teoria posterga os pressupostos econômicos e sociais do exercício dos direitos fundamentais8.

6.3. Teoria institucional

A teoria institucional ou institucionalista dos direitos fundamentais decorre da teoria da instituição ou teoria institucional do direito, desenvolvida na França por Maurice Hauriou9 e na Itália por Santi Romano10. Instituição pode ser definida como a idéia de uma obra ou empresa que se realiza e continua juridicamente num meio social. Ela se compõe de três elementos: a) um fim programático, uma ideia, um ideal abstrato, um propósito, aquilo enfim que a instituição pretenda realizar; b) um grupo de homens: a instituição é um todo coletivo. Para que a ideia encontre realização prática, é indispensável que uma pluralidade de pessoas se proponha realizá-la; c) a autoridade: o princípio que promove a organização do grupo. Um agrupamento disperso e amorfo não pode realizar a ideia. A instituição é uma organização social, porque se compõe de uma coletividade de homens, sem prejuízo da individualidade de seus componentes. A permanência dos indivíduos nessa organização social é assegurada pelo equilíbrio interno, que se manifesta numa separação de poderes. A instituição é que dá nascimento à regra jurídica, pelo simples fato de que, sendo uma coletividade humana, é de rigor que certa conduta seja observada pelos homens que a compõem para a manutenção das situações nela estabelecidas. A instituição opõe-se ao contrato: este tem como característica a igualdade, enquanto a instituição se caracteriza pela autoridade. A instituição implica diferenciação, desigualdade, autoridade, hierarquia. Exige subordinação do propósito individual às aspirações coletivas

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da instituição. No contrato intervêm vontades contrapostas; na instituição, há integração de ideias. Na instituição, embora perdendo em liberdade, os indivíduos ganham em segurança. A instituição é feita para durar: os indivíduos passam e a...

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