Teorias da interpretação jurídica no Brasil: análise sob a perspectiva institucional

AutorDaniel Almeida de Oliveira
Ocupação do AutorProfessor do Master Business in Petroleum (MBP) da COPPE/UFRJ e da Pós-Graduação em Direito e Negócios do Petróleo
Páginas41-93
CAPÍTULO 1
TEORIAS DA INTERPRETAÇÃO
JURÍDICA NO BRASIL:
ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA
INSTITUCIONAL
1.1. Introdução
As teorias da interpretação jurídica desenvolvidas no Brasil e no ex-
terior nem sempre se comunicam ou trabalham adequadamente com a
teoria constitucional. As teorias constitucionais ou teorias da constitui-
ção, por sua vez, apesar de trabalharem inicialmente com a ciência po-
lítica, reconhecendo estar o Direito Constitucional numa zona em que
atuam direito e política, na sua conclusão costumam indicar uma forma
de proceder (com a Constituição) que desconsidera justamente a ciência
política e a zona em que o Direito Constitucional se encontra. Como
constatou Stephen Grifn, os cientistas políticos contribuem bastante
para o direito, os juristas, entretanto, não retribuem o favor.
Certamente contribui para esse paradoxo o fato de os teóricos da
constituição tenderem a responder o que deve ser e o que é o Direito
Constitucional (idealmente identicado) e como ele deve ser (ideal-
mente) aplicado. Quando se busca a aplicação ideal de algo, é comum
deixar escapar detalhes da realidade que poderiam comprometer essa
busca. Ou seja, não são incluídos na reexão fatos e peculiaridades im-
prescindíveis à utilidade prática da teoria.
42 • Direito Regulatório e Teoria da Interpretação
Existem questões anteriores ao Direito Positivo que inuenciam
decisivamente na resposta à pergunta “como devo aplicar a lei?”. O mundo
real possui características capazes de fazer com que a aplicação da lei
chegue a um resultado totalmente diverso, e mesmo contrário, ao pretendido
“pela mesma” ou com a mesma. Entre essas características, existiriam duas
que sobressaem: a limitação da capacidade interpretativa da instituição
que irá aplicar o Direito e o desconhecimento dos efeitos sistêmicos da sua
decisão, tanto em relação à aplicação do Direito em si quanto em relação ao
comportamento das demais instituições responsáveis por produzir e aplicar
o Direito. Estão ligadas ao limite da razão e à incerteza.
Por esse motivo, arma-se não ser possível uma aplicação do
Direito que possa ser considerada a correta ou ideal, ainda que aplicada
a técnica de interpretação tida como a correta. Um juiz pode ter a
capacidade de interpretação de uma determinada norma, em virtude da
limitação da sua razão (como ser humano que é), de ser um generalista,
e/ou em virtude da sua limitação de acesso a dados, inferior à de um
administrador público. Nesse caso, ainda que adotem sinceramente
a mesma teoria da interpretação, este último aplicará um melhor
Direito do que o primeiro, qualquer que seja a teoria de melhor direito
adotada. Conclui-se, portanto, que deve ser buscada a segunda melhor
decisão, tendo em vista que a decisão correta ou ideal não tem como
ser alcançada. Deve-se investigar qual o método para se conseguir a
melhor decisão viável. Na hipótese da aplicação do Direito, a segunda
melhor decisão. A segunda melhor decisão diz respeito a perguntas do
tipo “qual é a instituição capaz de melhor aplicar o Direito?”, “qual
teoria da interpretação deve ser usada diante dos limites da razão, da
capacidade interpretativa da instituição responsável por aplicar o Direito
na hipótese e dos efeitos sistêmicos que decorrerão desta aplicação?”.
Voltando ao ponto levantado inicialmente: a necessária relação
da teoria da interpretação com a teoria constitucional. A teoria da
interpretação defendida por um estudioso necessariamente dependerá
de sua concepção acerca do constitucionalismo, de como entende ser
aplicável a constituição.1 Por isso, defendemos que primeiro é preciso
concluir a respeito da teoria da constituição que será adotada para,
1. Quanto à interpretação constitucional, conferir, por todos, Virgílio Afonso da Silva
(2010, p. 143): “Importante é ter em mente que a tarefa da interpretação constitucional irá
variar de acordo com o enfoque acerca da função da Constituição e de seu guardião na vida
política do país. E não há discussão metodológica que prescinda dessa discussão de base”.
Teorias da Interpretação Jurídica no Brasil... • 43
somente depois, poder traçar ou adotar uma forma de interpretação
jurídica. Ao menos é preciso haver uma correlação entre ambas.
Também por esse motivo, no Capítulo 3, primeiro faremos uma
análise da teoria da constituição e do Direito Constitucional para, so-
mente depois, adentrarmos na questão da interpretação jurídica. As
conclusões a respeito de um interferirão nas do outro, chegando-se a
um resultado coerente.
Exemplicando: caso um teórico entenda que a constituição é apli-
cável a todo o Direito, que a legislação infraconstitucional deve ser
sempre conformada às normas constitucionais (inclusive os princípios
constitucionais) pelo seu aplicador, e não apenas aplicado pelo legis-
lador quando da confecção desse Direito, a sua teoria da interpreta-
ção apenas conseguirá desenhar um método de aplicação da lei muito
abrangente e bastante abstrato, com diretrizes muito largas ou frouxas,
tanto que nenhum ser humano seria capaz de aplicá-lo de maneira in-
tegral ou correta. Chamá-lo-emos de teóricos pós-positivistas. Não é
sem motivo que Ronald Dworkin, reconhecido teórico que tenta ex-
plicar como funciona a sua aplicação, procurando dar normatividade
e cienticidade à aplicação dos princípios jurídicos, utiliza-se de um
elemento contrafactual para demonstrar a aplicação de sua teoria da in-
terpretação: o juiz Hércules, o juiz sobre-humano. Famoso por defender
a existência da decisão correta, Dworkin, entretanto, reconhece a im-
possibilidade de alcançá-la, em virtude da complexidade e volume do
trabalho necessário. Mas, como ela (a decisão correta) existe, defende
que o homem (juiz) deve fazer de tudo para alcançá-la.2 Esse raciocínio
2. Dworkin vislumbra uma continuidade na história dos EUA, que se traduz, em sua te-
oria, na obrigação de o juiz ajustar a sua interpretação “às práticas e à história americana
e ao resto da Constituição” (DWORKIN, 1996, p. 11). Dworkin (1991 e 2003) considera
que qualquer fato seria jurídico, uma vez que o juiz pode captar qualquer fenômeno da
sociedade e colocar na elaboração da fundamentação de sua decisão, numa interpretação
narrativa. Narrativa porque, para Dworkin, não é possível interpretar o Direito sem levar
em conta as interpretações que já foram feitas. Utiliza a interpretação que deve ser feita
sobre um romance produzido por vários autores sucessivamente, cabendo ao último a
conclusão do mesmo, para explicar a armativa anterior (DWORKIN, 2005, p. 235-242).
Ou seja, Dworkin desenvolve a teoria do romance em cadeia, em que arma que o direito
se assemelha à literatura, uma vez que várias instituições, ao longo do tempo, dedicam-
-se a interpretá-lo e produzi-lo no plano concreto, sucessivamente – cada aplicador do
direito o recebe com as interpretações e aplicações feitas anteriormente, tendo sempre
que iniciar sua interpretação a partir das interpretações já feitas (sobre o que é o direito).
Daí a expressão “direito como integridade”, justamente o que exige e possibilita uma
“interpretação moral” da Constituição” (DWORKIN, 1996).

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