A Teoria Geral do Processo do Trabalho ? as Garantias do Processo do Trabalho

AutorCarolina Tupinambá
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito Processual. Professora Adjunta de Processo do Trabalho e Prática Processual Trabalhista na UERJ
Páginas68-92

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4.1. A concepção garantística do direito processual

A compreensão do Direito no último século tem evidenciado o ser humano no epicentro da razão e da lógica jurídica contemporâneas. Em um só tempo, o homem é o destinatário e o remetente do conteúdo do Direito. A promoção e a garantia dos direitos humanos — máxime o direito à vida, às liberdades fundamentais e os direitos sociais — têm se apresentado como verdadeiros trampolins para saltos qualitativos na vivência da História da humanidade.

Antes de avançar, esclareça-se que as expressões direitos humanos e direitos fundamentais são diferenciadas para fins meramente didáticos e, neste trabalho, via de regra serão tomadas como sinônimos. Segundo a doutrina especializada, todavia, “direitos humanos” é expressão usada basicamente para designar uma cláusula geral de proteção da pessoa humana prevista em Tratados Internacionais. Por sua vez, “direitos fundamentais” seriam os direitos humanos consagrados pelos textos legislativos internos, que no caso brasileiro tornam-se cláusulas pétreas, de acordo com o disposto no art. 5º, § 3º, da Constituição da República Federativa do Brasil182183184

Em verdade, o movimento de internacionalização e valorização dos direitos humanos constitui uma tendência extremamente recente na história que vem ganhando contornos a partir do Pós-Guerra como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. A era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana que resultou no extermínio de milhões de pessoas e na degradação moral da sociedade.

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Foi a partir deste vergonhoso cenário que se desenhou um real esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra deveria significar a sua reconstrução, tendo marco inicial em 10 de dezembro de 1948, quando aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, primeiro documento a conjugar direitos civis e políticos com direitos econômicos, sociais e culturais.

Neste particular, a Declaração Universal também avançou na concepção dos direitos humanos na medida em que trouxe a ideia da indivisibilidade e da inter-relação entre os valores de liberdade e igualdade: não há igualdade sem liberdade, não há liberdade sem igualdade.

Neste contexto, o atual panorama revela-se resultante deste galgar paulatino da expressão jurídica e não mais admite o singelo tratamento dos direitos humanos como um tema restrito à jurisdição doméstica de um Estado. Os direitos humanos passam, portanto, a se estruturar como um sistema internacionalmente reconhecido.

Não obstante a universalidade abstratamente admitida, deveras nítido um grande bloco de excluídos deste sistema de garantias. Párias fora do mercado formal de emprego, pessoas sem acesso a condições mínimas de dignidade que vivem para além das fronteiras do Estado Democrático de Direito, nas rasteiras do estado primitivo de natureza.

Esta realidade é especialmente significativa em terras tupiniquins e importa no emagrecimento dos contornos das garantias mínimas. No Brasil tem-se verificado verdadeiro esvaziamento dos direitos sociais, o que amplia o universo de excluídos.

A consciência desta problemática deve aumentar o compromisso ideológico com o direito fundamental eleito como objeto deste trabalho, qual seja, o direito a um processo justo, porta a possibilitar o acesso aos demais direitos essenciais.

Analisadas as fontes internacionalmente reconhecidas cujo conteúdo jurídico seja revelador do atual e complexo rol de direitos humanos, será possível identificar um sistema próprio de garantias processuais. Este sistema de prerrogativas e garantias de um processo justo, portanto, será arquitetado a partir dos sistemas americano e europeu de normas de proteção aos direitos humanos.

Em âmbito nacional, outrossim, cumpre verificar a evolução de um arcabouço normativo, máxime de peso constitucional, voltado ao prestígio de valores humanistas, entre os quais a garantia de um processo justo e equânime aos sujeitos de direitos.

Vale ressalvar, antes de se adentrar a apresentação do sistema detectado, que os direitos humanos, máxime o direito a um processo justo, não se apresentam como rol estanque e conquistado, sendo mero parâmetro de condições minima-mente asseguradas que vem sendo construído e reconstruído. Inclusive, somos nós os sujeitos dessa história de edificação dos mesmos185, pelo que de nossa inteira responsabilidade eventuais resultantes negativas das mais simplórias das possíveis equações denunciadoras do nível de civilidade186.

4.2. A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos

Atualmente, os tratados internacionais representam a principal fonte de obrigações no âmbito do Direito Inter-nacional. Equivalem a acordos internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes, ou seja, sujeitos à regra do pacta sunt servanda.

No objetivo de regular a criação de tratados internacionais, em 1969, foi elaborada a Convenção de Viena, considerada a “Lei dos Tratados” firmados entre Estados. A Convenção de Viena consagrou o princípio da boa-fé, segundo o qual cabe ao Estado signatário do Tratado garantir a observância das normas neste estabelecidas no âmbito do seu direito interno187.

Neste aspecto, o art. 19 da convenção trata da possibilidade de o Estado, ao aderir a um tratado, apresentar reserva a algum ou alguns de seus artigos.

Fica a cargo do direito doméstico de cada Estado o processo de internalização dos tratados firmados, assim como a

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respectiva eficácia. Normalmente, o Poder Executivo assina o termo, que, todavia, só passa a ter validade no âmbito do direito interno quando ratificado pelo Poder Legislativo. A ratificação é imprescindível para que o tratado possa ser obrigatório no âmbito interno e internacional188.

A Constituição de 1988, ao tratar do processo de inter-nalização dos tratados, dispõe que a conclusão dos tratados internacionais não ocorre sem que haja colaboração entre o Poder Executivo e o Legislativo. Sobre o tema, o art. 84, VIII, CRFB determina que compete privativamente ao Poder Executivo celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. O art. 49, I, por sua vez, dispõe ser de competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, convenções e atos internacionais189190.

Por estarmos diante de um ato complexo, cumpre frisar dois momentos distintos, quais sejam, (i) a aprovação do tratado pelo Congresso Nacional, por meio de um decreto legislativo, e (ii) a ratificação pelo Presidente da República, seguida da troca ou depósito do instrumento de ratificação. Portanto, o tratado apenas produz efeito após ser celebrado por representante do Poder Executivo, aprovado pelo Congresso Nacional e ratificado pelo Presidente da República.

4.3. A hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos — a visão do Supremo Tribunal Federal sobre a incorporação dos tratados ao direito interno

A Constituição da República Federativa do Brasil no seu art. 5º, § 2º determina, após extensa enumeração dos di-reitos e garantias fundamentais, que estes não excluam outros decorrentes dos tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Trata-se de inovação relevante, visto que a redação da Carta em 1969 não tratava como direitos constitucionalmente previstos os direitos humanos enunciados nos tratados inter-nacionais em que o Brasil fosse signatário. Doravante, estes direitos humanos são incorporados pela Constituição, passando a possuir natureza especial, qual seja, norma materialmente constitucional. Assim, ao reconhecer explicitamente no art. 5º, § 2º a natureza constitucional dos direitos enumerados nos tratados internacionais, a Carta Constitucional conferiu aos mesmos status de norma constitucional, já que preenchem e complementam o catálogo de direitos fundamentais previstos na Constituição191.

Destarte, enquanto os demais tratados internacionais possuem hierarquia de norma infraconstitucional, nos termos do art. 102, III, b, da CRFB, os direitos enunciados em tratados internacionais de direitos humanos têm natureza de direito constitucional.

Neste particular, em verdade, sustenta-se que os tratados tradicionais tenham hierarquia infraconstitucional, todavia, supralegal, a fim de que o princípio da boa-fé tão caro ao direito internacional seja respeitado.

Nos idos de 1977, a Suprema Corte brasileira acolhia entendimento segundo o qual o tratado internacional e a lei federal possuiriam a mesma...

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