As implicações da teoria do valor de Marx para a ética: uma interpretação a partir da ' obra ontológica' de Lukács

AutorJoão Leonardo Gomes Medeiros
CargoProfessor Adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense, Niterói/RJ
Páginas275-304
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Resumo
É relativamente bem conhecido o fato de que Lukács dedicou seu último
esforço intelectual à elaboração de uma ontologia que estabelecesse
o sedimento para a construção de uma Ética marxista. Seguindo as
indicações deixadas por Lukács em sua Ontologia do Ser Social, sobretudo
no capítulo dedicado à categoria do trabalho, torna-se possível delinear
o que parecem ser os fundamentos ontológicos de uma Ética inspirada na
teoria social marxiana. O artigo procura sustentar que Lukács pretendia
defender o caráter objetivo das categorias centrais da Ética (o valor, o
dever-ser e os juízos de valor) mediante a demonstração das conexões
existente entre essas categorias, a prática humana e as estruturas sociais
que as condicionam. Esse legado da “obra ontológica” de Lukács é
aproveitado como base teórica de uma proposta de reinterpretação da
teoria do valor de Marx, reinterpretação essa que explicite as implicações
de sua crítica social para o campo da ética.
Palavras-Chave: teoria do valor, Marx, Lukács, ontologia, ética, prática
humana.
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Em um de seus mais recentes trabalhos, o crítico literário irlan-
dês Terry Eagleton abordou, em sua prosa elegante, além de
teoricamente embasada, a intrincada relação de Marx com as ques-
tões ético-morais:
* Professor Adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense,
Niterói/RJ. Endereço eletrônico: jlgmedeiros@vm.uff.br.
DOI:10.5007/2175-7984.2011v10n19p275
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 275 – 304
[…] Marx era um moralista no sentido clássico da palavra. Acre-
ditava que a investigação moral deveria examinar todos os fato-
res constituintes de uma ação ou modo de vida específicos, não
apenas os fatores pessoais. Infelizmente, Marx foi um moralista
clássico que parecia não ter consciência disso […]. […] Marx pen-
sava, de maneira geral, que a moralidade era apenas ideologia.
Por isso cometeu o erro caracteristicamente burguês de confundir
moralidade com moralismo. O moralismo acredita que existe um
conjunto de questões conhecidas como questões morais, bastante
distintas das questões sociais ou políticas. Não vê que ‘moral’ sig-
nifica explorar a textura e qualidade do comportamento humano
tão rica e sensivelmente quanto se possa, e que não se pode fazer
isso abstraindo homens e mulheres de seus contextos sociais. […]
Marx, todavia, cometeu o erro de definir a moralidade como mo-
ralismo e, por isso, bastante compreensivelmente, a rejeitou. Pa-
rece não ter percebido que era o Aristóteles da era moderna (EA-
GLETON, 2005, p.196-197).
Opiniões como essa, emitida por um marxista de primeirís-
sima linha, reforçam a percepção, muito difundida, de que a ética
é um tema dos mais polêmicos dentre aqueles que estão associa-
dos à elaboração de uma teoria social marxista.1 Muitos julgam a
construção de uma ética materialista um projeto absolutamente
inconciliável não apenas com as formulações originais de Marx,
mas com a teoria social em geral. Não são poucos também os que
consideram, no sentido exatamente oposto, que conciliar a teoria
social de Marx com uma concepção ética consistente é não apenas
necessário, mas, de fato, urgente. São relativamente escassas, no
entanto, as tentativas de estabelecer teoricamente a conexão entre
os elementos centrais da teoria e da crítica social de Marx com o
campo da ética.
Dentre os pensadores cuja obra pode ser considerada ine-
quivocamente um capítulo dos clássicos do marxismo, o autor que
manifestou de modo mais regular e consistente o desejo de esta-
belecer a conexão entre os dois campos, a teoria social de Marx e
1 A respeito da polêmica em torno da possibilidade de conciliar preocupações com a
temática da ética e a concepção geral de Marx a respeito da sociedade, ver Brenkert
(1983, Capítulo 1); Kain (1991) e Eagleton (2005).

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