Teoria geral dos recursos trabalhistas

AutorJoão Humberto Cesário
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho no TRT da 23ª Região. Doutorando em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo
Páginas17-75
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TEORIA GERAL DOS RECURSOS TRABALHISTAS
1. CONCEITO
Segundo Arruda Alvim, o termo recurso remete a “um curso repetido, no sentido de que
todo recurso faz com que a decisão, que entrega uma tutela às partes, seja pelas partes devolvida
ao Judiciário”(1). Já os professores Marinoni, Arenhart e Mitidiero de nem recurso como
“meio de impugnação de decisões judiciais, voluntários, interno ao processo em que se forma o ato
judicial atacado, apto a obter a sua reforma, anulação ou o seu aprimoramento”(2).
Partindo de tais lições, a primeira observação a se fazer é a de que os recursos, ao
contrário do que possa parecer, podem ser dirigidos à própria autoridade que prolatou
a decisão hostilizada, como no caso dos embargos de declaração, por onde se almeja
o aprimoramento do teor do julgado. Em regra, no entanto, os recursos são remetidos
a uma instância superior, na qual o interessado colima a anulação ou a reforma do
decidido.
Como se vê, o escopo recursal é perseguido no interior da própria relação proces-
sual instaurada (por isso, na boa linguagem jurídica, os recursos são “interpostos”), ao
contrário do que acontece com algumas ações impugnativas autônomas, tais como o
mandado de segurança ou a ação rescisória, que devem ser ajuizados em relações pro-
cessuais autônomas.
2. OS PRONUNCIAMENTOS DO ESTADO-JUIZ NO CPC DE 2015
2.1. Introdução
Em uma obra sobre recursos devemos investigar quais são os atos jurisdicionais
que desa am a interposição de recurso. Entretanto, diante da signi cativa modi cação
ocorrida na de nição dos pronunciamentos do Estado-juiz por força do CPC/2015,
parece-nos apropriado, primeiramente, estudarmos as novidades sobre o tema.
2.2. Evolução do Conceito de Sentença
Em pouquíssimo tempo os atos do Estado-juiz sofreram sucessivas e importantes
alterações nas suas respectivas de nições. Vejamos a questão, inicialmente, pelo prisma
da sentença.
Na sua origem, o CPC/1973 de nia a sentença no seu art. 162, § 1º, para dizer que
ela era o ato pelo qual o juiz punha termo ao processo, decidindo ou não o mérito da
causa. Con rmando tal ângulo de visada, o art. 463, caput, do CPC/1973, na sua redação
original, esclarecia que ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpria e acabava o
ofício jurisdicional.
(1) ALVIM, Arruda. Contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 445.
(2) MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015. p. 500.
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Tal visão era evidentemente insu ciente e, sejamos francos, enaltecia a cognição e
desprezava a execução. Convenhamos, o juiz não cumpre e acaba o seu ofício jurisdicional
ao sentenciar. Antes, necessariamente, ele deve entregar o bem da vida a quem de direito,
transformando a promessa decisória em algo concreto e efetivo.
Atenta a tal obviedade, a Lei n. 11.232/2005 alterou o § 1º do art. 162, passando a
dizer que sentença era o ato do juiz que implicava alguma das situações previstas nos
arts. 267 (extinção do processo sem resolução do mérito) e 269 (resolução do mérito). É
relevante realçar que, a partir de então, o art. 162 deixou de dizer que sentença era o ato
pelo qual o juiz punha termo ao processo, razão pela qual, coerentemente, a mesma Lei
n. 11.232/2005 revogou o art. 463 do CPC/2015 na parte em que ele dizia que, ao publicar
a sentença de mérito, o juiz cumpria e acabava o ofício jurisdicional.
Houve, a partir de então, uma verdadeira sincretização entre cognição e execução,
razão pela qual a multicitada Lei n. 11.232/2005 amalgamou o processo executório ao
conhecimento, criando o chamado incidente de cumprimento de sentença, regido pelos
arts. 475-I a 475-R do CPC/1973. A mensagem legislativa não poderia ser mais clara: ao
juiz não mais bastava sentenciar; mais que qualquer outra coisa, ele deveria satisfazer o
interesse legitimamente reconhecido na sentença.
Importa começar a debater, desde já, se a partir do advento da Lei n. 11.232/2005
o juiz poderia prolatar múltiplas sentenças em um mesmo processo. Ocorre que na
redação original do CPC/1973 isso parecia inviável, na medida em que o art. 162 dizia,
enfaticamente, que sentença era o ato pelo qual o juiz punha termo ao processo, decidindo
ou não o mérito da causa.
Todavia, a partir do momento em que o código passou a dizer que sentença era
o ato do juiz que implicava alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 (e não
mais necessariamente o ato do juiz que punha termo ao processo), tal hipótese passou
a ser viável. Tanto foi assim, que não eram poucos os que defendiam, por exemplo, que
o disposto no § 6º do art. 273 do CPC/2015, a dizer que a tutela antecipada poderia ser
concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, se mostrasse
incontroverso, a bem da verdade não estaria tratando de antecipação dos efeitos da
tutela de mérito, mas de tutela de nitiva da parcela incontroversa da demanda(3). Sobre
esse tema, entretanto, avançaremos quando tratarmos das decisões interlocutórias.
Por enquanto, importa enfatizar que o CPC/2015 mais uma vez cambiou o conceito
de sentença, para estabelecer, no seu art. 203, § 1º, que sentença é o pronunciamento
por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 (não resolução do mérito) e 487
(resolução do mérito), põe m à fase cognitiva do procedimento comum, bem como
extingue a execução.
Uma parte da mencionada disposição legislativa é altamente elogiável, já que
procurou aclarar que o ato que põe m à execução cuida-se também de sentença. Aliás,
isso sempre foi assim, já que o art. 795 do CPC/1973 dizia que a extinção da execução
só produzia efeito quando declarada por sentença. O elemento concreto, porém, é que
como tal compreensão jamais esteve albergada na dicção do § 1º do art. 162 do CPC/1973,
eram poucos os que notavam o fato.
A outra parte do art. 203, § 1º do CPC/2015, contudo, não foi das mais felizes, vez
que ao dizer que sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz põe m à fase
(3) Vide, acerca do asseverado, MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil: comen-
tado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 268.
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cognitiva do ‘procedimento’ comum, reaproximou-se muito da de nição original do art.
162, § 1º, do CPC/1973, quando dizia que sentença era é o ato pelo qual o juiz punha
termo ao ‘processo’.
É certo, como já visto, que ‘processo’ e ‘procedimento’ não se confundem, mas, conve-
nhamos, mais uma vez, que a novel conceituação de sentença no mínimo abre margem
para rediscutirmos se, a nal, o juiz pode ou não prolatar mais que uma sentença no cur-
so do procedimento cognitivo. Tal assunto, porém, será desa ado abaixo, ao tratarmos
da evolução do conceito de decisão interlocutória.
2.3. Evolução do Conceito de Decisão Interlocutória
Ao tempo do CPC/1973, decisão interlocutória era o ato pelo qual o juiz, no curso do
processo, resolvia questão incidente (art. 162, § 2º, do CPC/1973). Assim, por exemplo,
toda vez que o juiz, no curso do processo, julgasse um incidente com carga decisória,
como, por exemplo, um pedido de antecipação de tutela, uma exceção de incompetência
em razão do lugar, ou mesmo uma objeção de incompetência material, de conexão ou
continência, estava a prolatar uma decisão meramente interlocutória, insuscetível, pois,
de pôr termo ao processo ou ao procedimento ainda que parcialmente.
No CPC/2015, embora a questão passe eventualmente despercebida ao leitor mais
açodado, a conceituação de decisão interlocutória foi radicalmente modi cada. Neste
sentido, a inteligência do art. 203, § 2º, do CPC/2015 é pródiga ao esclarecer que a
interlocutória é todo o pronunciamento de natureza decisória que não seja sentença.
Embora sutil, a diferença conceitual do instituto em estudo é das mais signi cativas.
Com efeito, toda vez que o juiz, no curso do processo, resolver uma questão incidente
(como em um pedido de concessão de tutela provisória), continuaremos a ter uma
interlocutória. Mas não apenas. Ocorre que agora o juiz poderá julgar parcialmente o
mérito, quando, por exemplo, nos termos do art. 356 do CPC/2015, um ou mais dos
pedidos formulados ou parcela deles (e não todos os pedidos) mostrar-se incontroverso
ou estiver em condições de imediato julgamento nos termos do art. 355 (desnecessidade
de prova ou revelia).
Demais disso, nos termos da inteligência do art. 354, parágrafo único, do CPC/2015,
uma vez ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 485 (não resolução
do mérito) e 487, incisos II e III (resolução do mérito por decadência, prescrição, e
homologação de reconhecimento da procedência do pedido, transação ou renúncia),
relativas a apenas parcela do processo (e não do processo integralmente), o juiz julgará
antecipadamente o pedido.
Em tais casos decididamente não teremos sentença, já que não haverá m à fase
cognitiva do processo comum (art. 203, § 1º, do CPC/2015), a qual continuará quanto
aos demais pleitos. O certo, assim, é que teremos uma decisão interlocutória, em que
pese não estarmos a meramente decidir um incidente surgido no curso do processo.
Justamente por isso é que o § 2º do art. 203 do CPC/2015 diz que decisão interlocutória
é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no conceito
de sentença (§ 1º do art. 203 do CPC/2015), ainda que ele extinga parte do processo sem
resolução do mérito ou julgue de nitivamente parcela do mérito da demanda. Não é por
outra razão, aliás, que tanto o parágrafo único do art. 354 do CPC/2015 quanto o § 5º do
art. 356 do CPC/2015 se apressaram em esclarecer que tais decisões serão objurgáveis no
Processo Civil por agravo de instrumento e não por recurso de apelação.

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