Teoria Geral do Direito Processual do Trabalho

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz Titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo
Páginas13-63

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1. Direito Processual do Trabalho: conceito, autonomia e finalidade

O Direito Processual do Trabalho conceitua-se como o conjunto de princípios, normas e instituições que regem a atividade da Justiça do Trabalho, com o objetivo de dar efetividade à legislação trabalhista e social, assegurar o acesso do trabalhador à Justiça e dirimir, com justiça, o conflito trabalhista.

Da definição que adotamos, destacamos: a) o conjunto nos dá a ideia de um todo, composto de várias partes, formando um sistema, cujo núcleo é constituído pelos princípios; b) como ciência autônoma, o Direito Processual do Trabalho apresenta seus princípios peculiares que lhe dão sentido e razão de ser. Os princípios são as diretrizes básicas, positivadas, ou não, que norteiam a aplicação do Direito Processual do Trabalho; c) as normas são condutas processuais que dizem o que deve ser e o que não deve ser positivado no sistema jurídico pela Lei, pelo costume, pela jurisprudência ou pelos próprios princípios (caráter normativo dos princípios);
d) as instituições são entidades reconhecidas pelo Direito encarregadas de aplicar e materializar o cumprimento do Direito Processual do Trabalho. Constituem os órgãos que aplicam o Direito do Trabalho, como os Tribunais e os Juízes do Trabalho; e) o Direito Processual do Trabalho, como Direito Instrumental, existe para dar efetividade ao Direito Material do Trabalho e também para facilitar o acesso do trabalhador ao Judiciário.

Além disso, o Direito Processual do Trabalho tem por objetivo solucionar, com justiça, o conflito trabalhista, tanto o individual (empregado e empregador, ou prestador de serviços e tomador), como o conflito coletivo (do grupo, da categoria, e das classes profissional e econômica).

Desde o surgimento dos primeiros órgãos de solução dos conflitos trabalhistas, na Itália e na França, houve preocupação em propiciar ao trabalhador facilidade na defesa de seus direitos, sem a burocracia da Justiça Comum.

A legislação processual trabalhista visa a impulsionar o cumprimento da legislação trabalhista, e também o da legislação social que não se ocupa só do trabalho subordinado, mas do trabalhador, ainda que não tenha um vínculo de emprego,

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porém, que vive de seu próprio trabalho. Nesse sentido, foi a dilatação da competência material da Justiça do Trabalho dada pela EC n. 45/04 para abranger as controvérsias oriundas e decorrentes da relação de trabalho.

Assim como o Direito do Trabalho visa à proteção do trabalhador e à melhoria de sua condição social (art. 7º, caput, da CF), o Direito Processual do Trabalho tem sua razão de existência em propiciar o acesso dos trabalhadores à Justiça, tendo em vista garantir os valores sociais do trabalho, a composição justa do conflito trabalhista, bem como resguardar a dignidade da pessoa humana do trabalhador.

De outro lado, a função do processo do trabalho, na modernidade, além de assegurar o acesso à justiça ao trabalhador, é pacificar, com justiça, o conflito trabalhista, devendo considerar as circunstâncias do caso concreto e também os direitos fundamentais do empregador ou do tomador de serviços.

O Direito Processual do Trabalho tem os seguintes objetivos: a) assegurar o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho; b) impulsionar o cumprimento da legislação trabalhista e social; c) dirimir, com justiça, o conflito trabalhista.

Ainda há acirradas discussões na doutrina sobre possuir, ou não, o Direito Processual do Trabalho princípios próprios, vale dizer: se o Direito Processual do Trabalho é ou não uma ciência autônoma do Direito Processual.

Para se aquilatar a autonomia de determinado ramo do direito, necessário avaliar se tem princípios próprios, uma legislação específica, um razoável número de estudos doutrinários a respeito e um objeto de estudo próprio.

Inegavelmente, o Direito Processual do Trabalho observa muitos princípios do Direito Processual Civil, como os princípios da inércia, da instrumentalidade das formas, oralidade, impulso oficial, eventualidade, preclusão, conciliação e economia processual.

Na doutrina, autores há que sustentam a autonomia do Direito Processual do Trabalho em face do Direito Processual Civil, também chamados dualistas. Outros sustentam que o Direito Processual do Trabalho não tem autonomia em face do Direito Processual Civil, sendo um simples desdobramento deste, também chamado monista. Outros autores defendem autonomia relativa do Direito Processual do trabalho diante do Direito Processual Civil em razão da possibilidade de aplicação subsidiária do Processo Civil ao Processo do Trabalho.

Há quem sustente que os princípios do Direito Processual do Trabalho são os mesmos do Direito Material do Trabalho, máxime o princípio protetor.

Estamos convencidos de que, embora o Direito Processual do Trabalho, hoje, esteja mais próximo do Direito Processual Civil e sofra os impactos dos Princípios Constitucionais do Processo, não há como se deixar de reconhecer alguns princípios peculiares do Direito Processual do Trabalho, os quais lhe dão autonomia e o distinguem do Direito Processual Comum.

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De outro lado, embora alguns princípios do Direito Material do Trabalho, tais como primazia da realidade, razoabilidade, boa-fé, sejam aplicáveis também ao Direito Processual do Trabalho, a nosso ver, os Princípios do Direito Material do Trabalho não são os mesmos do Processo, uma vez que o processo tem caráter instrumental e os princípios constitucionais da isonomia e imparcialidade, aplicáveis ao Processo do Trabalho, impedem que o Direito Processual do Trabalho tenha a mesma intensidade de proteção do trabalhador própria do Direito Material do Trabalho. Não obstante, não há como negar um certo caráter protecionista no Direito Processual do Trabalho, que para alguns é princípio peculiar do Processo do Trabalho e para outros, características do procedimento trabalhista, para assegurar o acesso efetivo do trabalhador à Justiça do Trabalho e também a uma ordem jurídica justa.

Também milita em prol da autonomia do Direito Processual do Trabalho o Brasil possuir um ramo especializado do judiciário para dirimir as lides trabalhistas, uma legislação própria que disciplina o Processo do Trabalho (CLT, Lei n. 5.584/70 e Lei n. 7.701/88), um objeto próprio de estudo e vasta bibliografia sobre a matéria1.

Reconhecemos, por outro lado, que as ciências processuais devem caminhar juntas, e o Processo do Trabalho, em razão dos princípios da subsidiariedade, do acesso à justiça, da duração razoável do processo, pode se aproveitar dos benefícios obtidos pelo Processo Comum.

Além disso, a autonomia do Direito Processual do Trabalho não pode ser motivo para isolamento e acomodação do intérprete. Há necessidade de constante diálogo entre o Direito Processual do Trabalho e os outros ramos do direito processual, principalmente com os princípios fundamentais do processo consagrados na Constituição Federal.

Reconhecer como autônomo o Direito Processual do Trabalho propicia maior visibilidade desta ciência processual, contribuindo para a melhoria de seus institutos, atraindo maior interesse dos estudiosos para esta ciência.

Desse modo, pensamos ser o Direito Processual do Trabalho autônomo em face do Direito Material do Trabalho e também do Direito Processual Civil2.

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Atualmente, há grandes discussões, na doutrina e na jurisprudência, sobre a necessidade de um Código de Processo do Trabalho que atualizaria a legislação processual trabalhista, daria maior visibilidade ao Direito Processual do Trabalho e propiciaria maior efetividade à jurisdição trabalhista e também maior segurança jurídica na aplicação da lei processual trabalhista.

Muitos defendem um Código de Processo do Trabalho. Outros são contrários, asseverando que ele provocará estagnação da lei processual trabalhista e retirará a agilidade do procedimento, considerando que o Processo do Trabalho é impulsionado por princípios.

De nossa parte, um Código de Processo do Trabalho sistematizando os princípios e institutos peculiares do Direito Processual do Trabalho, bem como atualizando as atuais necessidades da jurisdição trabalhista e efetividade do direito material, seria bem-vindo. Além disso, contribuiria para o fortalecimento do Direito Processual do Trabalho como ciência e possibilitaria maior visibilidade da Justiça do Trabalho.

A Lei n. 13.467/17, apesar de ter realizado alterações na CLT, em nossa visão, não foi suficiente para tornar o processo trabalhista mais justo e efetivo. De outro lado, em muitos aspectos, a lei trouxe retrocessos, criando entraves ao acesso do economicamente fraco à justiça, tais como: comprovação de insuficiência econômica para a gratuidade judiciária, pagamento de despesas processuais, prescrição inter-corrente, e limitação de responsabilidade patrimonial. Ainda há muito a ser feito no processo do trabalho a fim de acelerar o procedimento de tramitação, bem como na execução, a fim de instituir meios coercitivos mais...

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