Teoria Geral da Execução Trabalhista

AutorMauro Schiavi
Páginas21-122

Page 21

Introdução e aspectos críticos

A legislação vigorante na Roma antiga era extremamente rigorosa em relação à A pessoa que deixasse de cumprir a obrigação assumida: ao contrário do que ocorre nos tempos atuais, porém, os credores romanos não podiam fazer que a execução incidisse no patrimônio do devedor, pois as medidas previstas naquela legislação prisca tinham como destinatária, em regra, a pessoa do próprio devedor. A execução era, portanto, corporal, e não patrimonial1.

Conforme Manoel Justino Bezerra Filho2, com a manus iniectio, uma das cinco ações previstas no direito romano da época da legis actiones, surge o processo de execução, em sua primeira fase. A execução, inicialmente, era feita sobre o próprio corpo do devedor, permitindo a lei que se repartissem tantos pedaços do corpo do devedor quantos fossem os credores. Sem embargo da previsão legal em tal sentido, nunca teria, porém, sido efetivamente aplicada tal pena por repudiada pelos costumes públicos. A execução seria feita mesmo sobre o corpo do devedor, porém vendendo-o como escravo e repartindo o preço apurado entre os diversos credores.

Atualmente, com o avanço da sociedade, a execução não mais incide sobre a pessoa do devedor, e sim sobre seu patrimônio (princípio da humanização da execução que tem início em Roma, no século V, com a Lex Poetelia). Diz-se que a execução tem caráter patrimonial. Nesse sentido é o que dispõe o art. 789 do CPC, in verbis: O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Como destaca Araken de Assis3:

O art. 5914 culmina notável evolução histórica. Rompendo com as tradições romana e germânica, convergentes ao imprimir responsabilidade pessoal

Page 22

ao obrigado, a regra dissociou a dívida e responsabilidade. Esta última se relaciona com inadimplemento, que é o fato superveniente à formação do vínculo obrigacional, pois somente após descumprir o dever de prestar o obrigado sujeitará seus bens à execução.

Um dos capítulos do processo do trabalho que têm sido apontados como grande entrave ao acesso real e efetivo do trabalhador à Justiça do Trabalho é o da execução.

Mesmo a CLT prevendo um procedimento simplificado para a execução, a cada dia o procedimento da Consolidação vem perdendo terreno para a inadimplência, contribuindo para a falta de credibilidade da jurisdição trabalhista.

Ainda que tenha um título executivo judicial nas mãos, o credor trabalhista tem enfrentado um verdadeiro calvário para satisfazer seu crédito, e muitas vezes o executado, tendo numerário para satisfazer o crédito do autor, prefere apostar na burocracia processual e deixar para adimplir o crédito somente quando se esgotar a última forma de impugnação.

Nesse triste cenário, a cada dia mais o processo do trabalho carece de instrumentos processuais eficazes que lhe façam realizar a promessa de efetividade da legislação social.

Atualmente, o Código de Processo Civil passa por reformas significativas, eliminando a burocracia da execução, visando a atender aos princípios da simplicidade, celeridade e efetividade do procedimento.

Podemos dizer que atualmente a legislação processual tem endurecido mais na execução, com a finalidade de mudança de sua mentalidade, a fim de forçar o executado a cumprir a sentença, ou a obrigação consagrada no título com força executiva. Por isso, há, de certa forma, um pequeno retorno da execução à fase mais dura, com o aumento do poder coercitivo do Estado na busca da satisfação do crédito do exequente.

Em razão disso, pensamos que são medidas de justiça, razoabilidade, efetividade e preocupação com o cumprimento da legislação material trabalhista reconhecer a importância das recentes alterações do Código de Processo Civil, rumo ao aperfeiçoamento da execução, visando a aniquilar o estigma do processo de execução do ganha, mas não leva e transportá-las para a execução trabalhista.

Deve caminhar o processo do trabalho atual para a simplificação da execução, a fim de que esta seja uma fase processual de satisfação do crédito do credor trabalhista e de efetividade dos direitos sociais.

Como destaca Pedro Paulo Teixeira Manus5:

Mais do que nunca, acreditamos que a execução há de ser objeto de uma revisão, simplicando-a e tornando-a mera fase administrativa de um primeiro título executivo. Se este for decorrente de sentença, a matéria que se poderá debater deverá ser simplesmente o acerto da sua quantificação e, caso seja título extrajudicial, poderá o legislador elastecer o rol de temas possíveis de

(5) MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Execução de sentença no processo do trabalho. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 18.

Page 23

defesa pelo executado. Isso, sim, significaria avanço no processo do trabalho, pois a execução do modo que hoje se processa permite ao devedor retardar o cumprimento da coisa julgada injustificadamente, ocorrendo em certos casos de a execução prolongar-se por muito mais tempo que a fase de conhecimento, o que é inadmissível.

É necessária, mais que a edição de leis, a mudança de mentalidade dos operadores do direito, principalmente do devedor, a fim de que a fase de execução se transforme, efetivamente, em fase de satisfação da obrigação consagrada no título executivo, sem a necessidade dos inúmeros incidentes processuais que travam o procedimento executivo.

Além disso, é necessário entender que é mais vantajoso, tanto para o exequente como para o executado, o cumprimento célere da obrigação fixada na sentença.

Do conceito de execução trabalhista

Sérgio Shimura6 conceitua execução como “uma cadeia de atos de atuação da vontade sancionatória, tendentes à realização de uma conduta prática do devedor, por meio dos quais, com ou sem a sua participação, invade-se o seu patrimônio para, à custa dele, obter-se o resultado previsto pelo direito material”.

Ensina José Augusto Rodrigues Pinto7:

Executar é, no sentido comum, realizar, cumprir, levar a efeito. No sentido jurídico, a palavra assume significado mais apurado, embora conservando a ideia básica de que, uma vez nascida, por ajuste entre particulares ou por imposição sentencial do órgão próprio do Estado, a obrigação deve ser cumprida, atingindo-se no último caso, concretamente, o comando da sentença que a reconheceu ou, no primeiro caso, o fim para o qual se criou.

Na visão de Manoel Antonio Teixeira Filho8, a execução “é a atividade jurisdicional do Estado, de índole essencialmente coercitiva, desenvolvida por órgão competente, de ofício ou mediante iniciativa do interessado, com o objetivo de compelir o devedor ao cumprimento da obrigação contida em sentença condenatória transitada em julgado ou em acordo judicial inadimplido ou em título extrajudicial, previsto em lei”.

A sentença não voluntariamente cumprida dá ensejo a uma outra atividade jurisdicional, destinada à satisfação da obrigação consagrada em um título. Essa atividade estatal de satisfazer a obrigação consagrada no título que tem força executiva, não adimplido voluntariamente pelo credor, se denomina execução forçada.

Como bem adverte Enrico Tullio Liebman9, “a execução é feita para atuação de uma sanção justificada pelos fatos ocorridos entre as partes, isto é, para satisfazer

Page 24

direito efetivamente existente. Por isso não pode proceder-se à execução senão depois de verificada legalmente a existência dos fatos que a justificam e que constituem a sua causa em sentido jurídico. Não se pode, pois, começar pela execução: ad executione no est encoandum. Ao contrário, deve, em regra, preceder o conhecimento e julgamento da lide. Mas isso também não quer dizer que a todo processo de cognição se segue necessariamente o processo de execução, pois em muitos casos, com a prolação da sentença, o assunto termina definitivamente e não há lugar para a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT