Teoria dos Direitos Fundamentais sobre o Direito de Representação dos Trabalhadores da Empresa

AutorRodrigo Chagas Soares
Ocupação do AutorMestre e Especialista em Direito do Trabalho, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP
Páginas39-54

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Superada a questão conceitual da negociação centralizada ou descentralizada, é possível de concluir-se que o objetivo maior é assegurar os direitos fundamentais de trabalhadores.

A formação do Comitê de Representantes e celebração do acordo realizado dire-tamente com o empregador é fruto da autonomia da vontade dos trabalhadores daquela determinada empresa, cujo objetivo é assegurar direitos ou defendê-los alternativamente fazendo frente a uma crise de representação que se segue na atualidade.

Deve ser analisado, em um primeiro momento, como direito fundamental lastreado no exercício do direito de liberdade de expressão. De acordo com Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco (2008, p. 360):

Compreender os fundamentos que se designam como justificativa para a proteção da liberdade de expressão é útil quando se enfrentam problemas relacionados com o âmbito normativo desse direito básico.

(...)

A plenitude da formação da personalidade depende de que se disponha de meios para conhecer a realidade e as suas interpretações, e isso como pressuposto mesmo para que se possa participar de debates e para que se tomem decisões relevantes. O argumento humanista, assim, acentua a liberdade de expressão como corolário da dignidade humana. O argumento democrático acentua que "o autogoverno postula o discurso político protegido das interferências do poder". A liberdade de expressão é, então, enaltecida como instrumento para o funcionamento e preservação do sistema democrático (o pluralismo de opiniões é vital para a formação de vontade livre).

O direito de expressão é, portanto, um corolário da dignidade humana que deve assistir os trabalhadores para a participação em debates e destinado ao conhecimento da tomada de decisões relevantes dentro da empresa. É o direito de expressão que lastreará o funcionamento das tomadas das decisões pelo comitê de trabalhadores da empresa, preservando o sistema democrático, como será demonstrado em capítulo próprio.

A representação de trabalhadores nas empresas deve ser vista como um direito fundamental de expressão dos empregados, sendo que "a representação dos trabalhadores encontra fundamento ‘no direito de o trabalhador participar na vida e no desenvolvimento

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da empresa’" (BEZERRA LEITE14, 1997. p. 121 apud ROMITA, 2005. p. 349), acenando para a "criação de canais de comunicação entre a direção da empresa e o pessoal [...] Ao assegurar uma eleição de um representante dos trabalhadores, a Constituição Federal estimula, portanto, a representação dos trabalhadores na empresa" (ROMITA, 2005. p. 349).

O direito de representação ocorreu na França quando o processo de descentralização, em 1982, pela reforma de Auroux, estabeleceu, entre outras questões, o direito de expressão e a obrigação de negociação no nível de empresa.

O direito de expressão assegura o direito de os trabalhadores se organizarem em pequenos grupos no interior das empresas, constituindo-se um canal de comunicação com o empregador destinado ao debate de condições de trabalho. A obrigação de negociação no nível de empresa estipulou sua participação nas negociações coletivas anuais com os sindicatos acerca de salário e duração do trabalho.

Miranda (2012, p. 1.500 e 1.502) demonstra que essas reformas importaram tanto na quebra do então vigente princípio da delegação, como na superação da lógica de nunca negociar quando concessões já foram ganhas [...] a França está gradualmente adaptando seu sistema de relações do trabalho no sentido de criação de uma estrutura coordenada entre os níveis de negociação de categoria e de empresa, onde ambos os poderes e os desafios das instituições tendem a aumentar.

Nesse processo de mudança francesa, não se estará diante de uma extinção da negociação coletiva centralizada em categoria, mas a fonte de direitos trabalhistas adotará uma posição muito mais de supervisão do que propriamente de atuação.

A Lei do Diálogo Social estabelecida na França, em 2004, preconizou que acordos no âmbito empresarial derrogarão, via de regra, o que tiver sido decidido na negociação no nível da categoria, salvo matérias específicas como o salário mínimo, seguridade social, previdência privada e quadro de cargos e salários, podendo a negociação em âmbito nacional, porém, vedar que concessões sejam feitas por negociação em nível de empresa.

Ou seja, há uma autorização aberta para que a negociação realizada no âmbito empresarial derrogue vantagens concedidas em nível da categoria, desde que esta última não o vede expressamente. Trata-se do chamado principe de la supplétivité previsto na Lei n. 2.253-3, o qual, no direito brasileiro, corresponde a regra dispositiva. Miranda (2012, p. 1.500 e 1.502) leciona que:

No direito francês, a "régle supplétive" é aquela que se opõe à "régle de l’ordre public", cujos análogos no direito brasileiro são a regra dispositiva e a regra imperativa. Daí a escolha do termo princípio da disposição como tradução para o "principe de la supplétivité".

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Posteriormente, na França, constatou-se uma tendência de maiores derrogações nas negociações centralizadas. Em 20 de agosto de 2008, a Lei da Social Democracia (MIRANDA, 2012) concedeu a possibilidade de derrogação de vantagens da duração do trabalho por meio de acordo coletivo de âmbito empresarial, pouco importando o que foi negociado em nível de categoria.

Afere-se que na França há uma tendência de conceder maiores poderes aos demais atores sociais e aos próprios trabalhadores representados pelo seu comitê da empresa, assegurando-lhes o direito de expressão.

Inspirada em um dos ideais da Revolução Francesa é que a Constituição Federal brasileira de 1988 passou a prever a liberdade de expressão dentro do artigo direcionado as garantias fundamentais. Esse direito de expressão é amplo, não sofrendo restrições de acordo com o preconizado pelo art. 5º, IV, XIV e, igualmente, no art. 220 da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

O direito de expressão tutela todas as formas de pensamento e de expressar livremente, especialmente na defesa dos próprios trabalhadores de seus direitos trabalhistas perante uma empresa. Restringir essa atuação é restringir violação à garantia fundamental de livre expressão que é ampla, conforme lecionam ainda Mendes, Coelho e Branco (2008, p. 360-361):

A garantia da liberdade de expressão tutela, ao menos enquanto não houver colisão com outros direitos fundamentais e com outros valores constitucionalmente estabelecidos, toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou sobre qualquer pessoa, envolvendo tema de interesse público, ou não, de importância e de valor, ou não [...]

No direito de expressão cabe, segundo a visão generalizada, toda mensagem, tudo o que se pode comunicar - juízos, propaganda de ideias e notícias sobre fatos.

Qualquer forma de "diferenciar entre opiniões valiosas ou sem valor é uma contradição num Estado baseado na concepção de uma democracia livre e pluralista" (KARPEN15, 1988. p. 83 apud MENDES; COELHO; BRANCO, 2008. p. 361).

O direito de expressão repercute, inclusive, em lugares privados, de acordo com a posição do STF no julgamento do RE n. 197.911, Relator Ministro Octavio Gallotti, julgado em 24 de setembro de 1996, que determinou a obrigatoriedade de empresas não somente admitirem a fixação de comunicados de sindicatos de trabalhadores como ainda de criarem quadros para a afixação desses avisos. Quando o sindicato silencia, caberá, portanto, à representação de trabalhadores o direito de liberdade de expressão dentro da empresa sem qualquer diferenciação de opinião do sindicato que se recusou a negociar.

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Ocorre, porém, que esse direito fundamental de liberdade de expressão - que assiste em favor do Comitê de Representantes dos Trabalhadores da Empresa - pode colidir com o monopólio negocial sindical para a negociação que está prevista no art. 8º, VI, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

A doutrina debruça-se na tentativa de resolver aparentes conflitos de normas constitucionais, no caso em tela, entre a dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III, e , Constituição Federal) (BRASIL, 1988) e a representação sindical em que toda e qualquer negociação deverá ser promovida pela entidade sindical (art. 8º, Constituição Federal) (BRASIL, 1988).

Nesse aspecto, inova Joselita Nepomuceno Borba (2013, p. 206-207), afirmando que:

[...] na arquitetura do sistema, o aplicador do direito deve sempre operar regras e princípios constitucionais a partir de interpretação que leve, precipuamente, ao fim constitucional nela embutido ou decorrente do sistema. Da mesma forma, o princípio constitucional da razoabilidade - ou da proporcionalidade - traz consigo a permissão ao juiz para averiguar a mens legis ou para graduar o peso da norma ou do princípio no caso concreto, de modo a não permitir que ela produza resultado indesejado pelo sistema.

Assim, diante de dois princípios constitucionais: dignidade da pessoa humana, que tem na sua base o catálogo de direitos e garantias fundamentais (art. 1º, III, 5º e 7º), e representação sindical, modo de viabilizar a realização de direitos sociais (art. 8º, III), havendo choque entre eles, qual deve prevalecer? A dignidade do homem trabalhador ou o privilégio de representação?

Certamente, a carga de valores que encerra o princípio da dignidade humana, e que se irradia por todo o sistema, prevalece. Num juízo de ponderação, o acesso à justiça, o valor social do trabalho, a preservação de direitos e garantias fundamentais individuais e sociais, somente para ilustrar, sobrepõem-se ao poder sindical de representar, não havendo razão suficiente para aniquilar tão grande campo axiológico em prol de um monopólio.

Assim, para Joselita Nepomuceno Borba (2013), o princípio da dignidade da pessoa humana sobrepõe-se, inclusive, ao privilégio de representação sindical, a fim de viabilizar a realização de direitos sociais. E, com razão, tendo em vista que se faz necessário tutelar os...

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