A 'teoria do Brasil' dos positivistas ortodoxos brasileiros: composição étnica e independência nacional

AutorGustavo Biscaia de Lacerda
Cargoé Doutor em Sociologia Política e 'pós-doutor' em Teoria Política, ambos pela UFSC, e sociólogo da UFPR
Páginas271-298
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n35p271
271271 – 298
A “Teoria do Brasil” dos Positivistas
Ortodoxos Brasileiros: composição
étnica e independência nacional1
Gustavo Biscaia de Lacerda2
Resumo
Podemos def‌inir como “teoria do Brasil” o conjunto de concepções que um autor ou um grupo
político-intelectual possui a respeito da história e da estrutura da sociedade e do Estado brasilei-
ros, bem como de suas relações mútuas; essas concepções costumam ser incluídas no “pensa-
mento político e social brasileiro”. Nesse sentido, os positivistas ortodoxos brasileiros – ou seja,
aqueles ligados à Igreja Positivista do Brasil, especialmente Miguel Lemos e Raimundo Teixeira
Mendes – tinham a sua “teoria do Brasil”. Embora haja estudos sobre alguns aspectos do pensa-
mento e da prática dos positivistas (como a respeito da escravidão), há uma importante lacuna
na literatura a respeito da sua “teoria do Brasil”. Dessa forma, o presente artigo pretende abordar
precisamente essa questão, tratando de modo específ‌ico (1) da formação étnica brasileira e (2)
das condições sociais e políticas brasileiras que conduziram à Independência nacional, em 1822;
para isso, serão analisados alguns documentos escritos por Teixeira Mendes. Preliminarmente
serão expostos alguns elementos da doutrina positivista, conforme def‌inida por Augusto Comte;
já nas conclusões são expostas algumas considerações sobre a importância política e intelectual
dos positivistas no Brasil e na área acadêmica do “pensamento político brasileiro”.
Palavras-chave: Positivistas or todoxos. Teoria do Brasil. Evolução sócio-política. Formação étni-
ca. Independência do Brasil. Raimundo Teixeira Mendes.
Introdução
É mais ou menos senso comum nos meios acadêmicos e eruditos o fato de
que o Positivismo no Brasil exerceu grande inuência nos meios intelectuais
e políticos no período de cerca de meio século que vai de 1881 a 1930. Nesse
1 Uma versão inicial deste artigo foi apresentada no XI Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política
(ABCP), ocorrido em Brasília, de 4 a 7 de agosto de 2014. Agradeço o estímulo de Christian Lynch à sua
redação, bem como os sugestivos comentários dos pareceristas anônimos da revista Política & Sociedade.
2 Gustavo Biscaia de Lacerda (GBLacerda@ufpr.br) é Doutor em Sociologia Política e “pós-doutor” em Teoria
Política, ambos pela UFSC, e sociólogo da UFPR.
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Gustavo Biscaia de Lacerda
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sentido, a frase de Otto Maria Carpeux é famosa: “A signicação do positi-
vismo na história do Brasil ultrapassa os limites da história de um sistema
losóco” (CARPEAUX, 1943, apud BOSI, 2010, p. 273). Em virtude dis-
so, estudos de diferentes perspectivas e qualidades foram dedicados a analisar
essa inuência, seja desde meados do século XIX, seja nas últimas décadas,
abrangendo não apenas os positivistas ortodoxos – ligados à Igreja e Apos-
tolado Positivista do Brasil (IPB), em particular Miguel Lemos e Raimundo
Teixeira Mendes – como também os heterodoxos – ou seja, a plêiade que atuou
no jornalismo, na política, na vida acadêmica, no meio castrense e que não
se vinculava à IPB: Benjamin Constant Botelho de Magalhães, Luís Pereira
Barreto, Júlio de Castilhos, V. Licínio Cardoso, Ivan Lins, Paulo Carneiro e
muitos outros3.
A despeito disso, face à alegada importância dos positivistas, não deixa de
causar estranheza a sua ausência em discussões contemporâneas sobre os cha-
mados “pensamentos social e político brasileiros”. Um exemplo de ausências
desse gênero está na coletânea organizada por Botelho e Schwarcz (2009), que
aborda 29 autores dos séculos XIX e XX que se dedicaram a reetir a respeito
do “enigma chamado Brasil”, nenhum dos quais é positivista (ortodoxo ou he-
terodoxo). É certo que os organizadores dessa coletânea não tinham nenhuma
obrigação de incluir positivistas e que, da mesma forma que os positivistas
estão ausentes dessa coletânea, inúmeros outros pensadores nacionais também
não se encontram relacionados nela (o que é motivo para lamentar); ainda
assim, o que nos interessa aqui é destacar o aspecto exemplar dessa ausência
dos positivistas.
Comparando as várias pesquisas havidas sobre o Positivismo no Brasil
(em que se arma a sua importância histórica) com a ausência em coletâneas e
estudos sobre o pensamento social e político brasileiro, a impressão que se tem
é que o Positivismo merece somente alguns comentários o mais das vezes
intitulados de “críticos” –, mas não exposições mais ou menos sistemáticas de
suas intervenções. É como se o grande conjunto de pensadores e ativistas que
recebe a etiqueta geral de “positivistas brasileiros” não tivesse reetido sobre a
3 Entre esses estudos, podemos citar as recensões de Alonso (1996) e Trindade (2007); as exposições de João
C. O. Torres (1943), Cruz Costa (1956), Soares (1998) e Lins (2009), além das pesquisas de Carvalho (1990),
Graebin e Leal (1998), Maio (2004), Maestri (2010,2011), Ribeiro (2012) e Lacerda (2016a).

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