A teoria da asserção e sua utilização para explicar a teoria eclética da ação

AutorKühn, Vagner Felipe
Páginas77-102

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Vagner Felipe Kühn

Em um segundo momento, o autor assevera que a ação se baseia em uma garantia constitucional genérica de acesso à justiça, mas que, como poder de agir em juízo, nada teria de genérica, pois seria apreciada da seguinte forma:

[...] decorrente de uma alegada lesão a direito ou a interesse legítimo do seu titular e identificase [...] por três elementos bem precisos: os sujeitos (autor e réu), a causa de pedir (i. é., o direito ou relação jurídica indicada como fundamento do pedido) e finalmente o petitum (que é o concreto provimento judicial postulado para a tutela do direito lesado ou ameaçado [...]. (LIEBMAN, 1984, p. 151, grifo nosso).

Considerando que Liebman deixa claro que a ação, sob sua ótica, revela um direito ao processo e ao julgamento de mérito, não garantindo uma apreciação de procedência, a única maneira de considerar as condições da ação processual é que devem ser apreciadas conforme um juízo in status assertionis, imediatamente em abstrato, conforme as alegações formuladas pela parte, as quais constituem um verdadeiro direito, apenas segundo sua perspectiva em um dado momento do processo. (LIEBMAN, 1984).

Assim, é cabível recuperar os antecedentes da teoria da asserção, que, como se verá de modo mais detalhado, embasa essa perspectiva, tal qual são apresentados pela doutrina sobre o tema no Brasil, com o início da investigação pela obra de Elio Fazzalari.

5.1 A análise da plausibilidade subjetiva e objetiva

além das fronteiras da obra de Liebman

Fazzalari (1986, p. 702-703) observa, em artigo dedicado à mensuração da grande importância de Liebman na cultura processual italiana, a capacidade deste autor em se sujeitar ao

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debate nos mais variados temas do processo civil, inclusive na discussão da ação: “la Sua apertura verso i cambiamenti e la Sua capacità di assimilarli”. Entretanto, o questionamento sobre o interesse de agir ou a legitimidade para a causa é anterior ao autor. Isso já fica claro pela transcrição de fragmento da obra de Liebman, em que este demonstra extrair suas condições da ação de artigo da Constituição Italiana, sendo isso verificado pela recuperação das fontes romanas e medievais, além das razões filosóficas que conduzem a lógica ao ponto central das ciências modernas (em 1).

Dessa forma, mesmo nas teorias da ação como direito autônomo e concreto, como se pode observar da obra de Bülow (1964, p. 7), fazia-se referência à possibilidade de uma análise acerca da plausibilidade objetiva e subjetiva da demanda. A diferença é que, no caso de autores concretistas, não era a ação que ficava condicionada, mas o processo.

Quando a influência da teoria abstrata da ação ganhou destaque, os requisitos de plausibilidade subjetiva e objetiva foram transferidos a uma terceira categoria, como forma de, novamente, manter-se a unidade sistêmica da teoria: as condições da ação. Assim, a diferença entre pressupostos processuais e condições da ação, ambos os requisitos de desenvolvimento regular do processo, podem diferenciar-se por sua origem teórica: razão pela qual muitos ordenamentos, onde a influência de Liebman não penetrou (ou, pelo menos, não com tanta pugência), também fazem referência à tutela de interesses legítimos de uma determinada pessoa, como se pode perceber pelas transcrições a seguir, com caráter exemplificativo.

O Código de Processo Civil Português discorre, em seu artigo 26.º e artigo 26.º -A:

ARTIGO26.º
(CONCEITO DE LEGITIMIDADE)

1. O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.

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2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.

ARTIGO26.º-A
(ACÇÕES PARA A TUTELA DE INTERESSES DIFUSOS)

Têm legitimidade para propor e intervir nas acções e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural e do domínio público, bem como à protecção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, nos termos previstos na lei. (PORTUGAL, 1961).

Embora não se fale em condições da ação, fica patente o requisito de admissibilidade subjetivo e objetivo, pautada em uma abordagem imediatamente em abstrato, segundo os elementos apresentados na demanda.

Mesmo no Código de Processo Civil Italiano não há referência expressa às condições da ação, ao se apresentar o requisito do interesse de agir:

Art. 100

(Interesse ad agire)

Per proporre una domanda o per contraddire alla stessa è necessario avervi interesse. (ITÁLIA, 1940).

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Muito antes de Liebman, Betti (1939, p. 57-58) já referia que “l’interesse di parte funciona da molla e spinta per l’esercizio del potere”, de modo a explicar ser o interesse uma extensão do poder de acesso à justiça, fazendo supor que a análise não pode subverter aquilo que o impulsiona.

O Código de Processo Civil Francês também não faz menção à adoção da teoria de Liebman, embora apresente os requisitos de plausibilidade objetiva e objetiva da demanda proposta:

Article 30

L'action est le droit, pour l'auteur d'une prétention, d'être entendu sur le fond de celle-ci afin que le juge la dise bien ou mal fondée. Pour l'adversaire, l'action est le droit de discuter le bien-fondé de cette prétention. Article 31

L'action est ouverte à tous ceux qui ont un intérêt légitime au succès ou au rejet d'une prétention, sous réserve des cas dans lesquels la loi attribue le droit d'agir aux seules personnes qu'elle qualifie pour élever ou combattre une prétention, ou pour défendre un intérêt déterminé.

Article 32

Est irrecevable toute prétention émise par ou contre une personne dépourvue du droit d'agir. (FRANÇA).

Como se percebeu na abordagem do direito romano e do direito medieval, esse juízo de plausibilidade, de base lógica, encontrava-se mesmo antes da própria idéia de ação processual, no instituto que desempenhava o papel de elo entre o direito subjetivo lesionado e a ação em juízo: a litis contestatio. (SILVA, 1996, p.
78). Essa análise, na verdade, esteve presente desde que se conformou os limites do processo, com a delimitação dos termos da lide, que ficou materializado no brocardo res in iudicio deducta.

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Destarte, muito antes de Fazzalari, desde os romanos, juristas realizavam, nos mais diversos contextos teóricos, a análise dos elementos lógicos da demanda, de modo a confrontar a norma objetivamente traçada com os contornos das razões apresentadas em juízo.

A abordagem da obra de Fazzalari busca compreender os elementos do que, no Brasil, especialmente pela obra de Watanabe (2000, p. 80), foi denominado por teoria da asserção ou teoria da prospettazione, bem como as implicações da adoção de seu conceito de relação jurídica substancial.

5.2 O regime de utilização do status como padrão

de cognição no Processo Civil Italiano e a

posição jurídica subjetiva de Elio Fazzalari

Antes de discorrer sobre os temas do processo civil propriamente dito, Fazzalari (1996, p. 46-47) tem como ponto de partida a compreensão da norma:

Sul piano logico-formale la norma consiste nel canone di valutazione di uma condotta, il quale si articola: - nella descrizione del comportamento, o «atto» che dir si voglia (in essa sono indicati i vari «elementi», o «requisiti», dell’atto; - nel collegamento all’atto di uma delle qualifiche di «lecito» e di «doveroso». Così Il pagamento da parte del debitore è «doveroso»; la coltivazione del fondo da parte del proprietário è «lecita».

A compreensão da norma, em seu caráter abstrato, consiste no ponto inicial do estudo do processo civil. Nela estão presentes os elementos descritivos de condutas abstratas que permitem sua aplicação geral (ressalvando-se as normas com caráter específico,

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exceção no arcabouço jurídico, destinadas a uma determinada pessoa). Como compreensão lógico-formal, a norma articula-se de modo racional, como elemento de um sistema normativo, mas também compreende opções de valor, contingenciais a uma determinada sociedade: “Abbiamo rilevato la «natura» della norma, quale «valore»”. (FAZZALARI, 1996, p.46).

O conjunto de normas abstratas relacionam-se, com base em relações de aferição, dando origem à idéia de status, “lo stesso termine addicendosi tanto al pólo oggettivo (l’insieme in discorso) quanto a quello soggettivo (la specifica qualità del soggetto che Le norme investono)”. (FAZZALARI, 1996, p. 56-57).

Para recuperar o raciocínio aristotélico, as combinações de juízos racionais derivados de cada norma revelam pontos em comum, aptos a erigirem instituições jurídicas, como ocorre com o status de marido, a noção de empresa. Institutos esses que podem originar novas normas abstratas, as quais darão oportunidade a novas combinações. (FAZZALARI, 1996, p. 56-57).

Assim, esse juízo de abstração em nada difere do formulado pela norma; a única diferença é que ele não parte apenas da constatação valorativa das relações sociais, como o processo legislativo, mas da combinação valorativa de diversas regras que delineiam um instituto jurídico, pela natural aplicação lógica de idéias presentes na forma de acesso ao conhecimento, equacionada pelo...

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