Teoria da Reprodução Social: apontamentos desde uma perspectiva unitária das relações sociais capitalistas

AutorRhaysa Sampaio Ruas da Fonseca
CargoDoutoranda em Teoria e Filosofia do Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGD/UERJ)
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 01, 2020, p.379-415.
Rhaysa Ruas
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/46086| ISSN: 2179-8966
Teoria da Reprodução Social: apontamentos para uma
perspectiva unitária das relações sociais capitalistas
Social Reproduction Theory: notes for a Unitary Theory of capitalist social relations
Rhaysa Ruas¹
¹ Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
rhaysaruas@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1726-4363.
Artigo recebido em 22/10/2019 e aceito em 09/03/2020.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 01, 2020, p.379-415.
Rhaysa Ruas
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/46086| ISSN: 2179-8966
Resumo
O presente artigo visa discutir os traços distintivos da Teoria da Reprodução Social (TRS).
Argumento que, ao resgatar a noção marxiana de totalidade social, a TRS avança em
relação à formulações anteriores da perspectiva unitária no sentido de desenvolver uma
compreensão da dinâmica que envolve a produção capitalista e a reprodução da vida
cotidiana da classe trabalhadora, i.e., as relações de opressão, exploração, expropriação
e alienação nas sociedades contemporâneas. Trata-se de importante e distinta chave de
análise das interações entre classe, raça, gênero e sexualidade no capitalismo.
Palavras-chave: Teoria da Reprodução Social; Gênero; Raça; Totalidade Social.
Abstract
This paper aims to discuss the distinctive aspects of Social Reproduction Theory (SRT). I
argue that by recovering Marx’s notion of social totality, SRT moves forward from
previous formulations from the unitary perspective in order to develop a understanding
of the dynamics surrounding capitalist production and the reproduction of the daily life
of the working class, i.e., the relations of oppression, exploitation, expropriation and
alienation in contemporary societies. This could be an important interpretative key for
the comprehension of class, race, gender and sexuality interactions in capitalism.
Keywords: Social Reproduction Theory; Gender; Race; Social Totality.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 01, 2020, p.379-415.
Rhaysa Ruas
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/46086| ISSN: 2179-8966
Introdução
A Teoria da Reprodução Social (TRS) é fruto de um acúmulo histórico de debates que, tão
antigos quanto o próprio capitalismo, foram retomados no interior de movimentos
feministas-socialistas1 e antirracistas após as lutas por emancipação e reconhecimento
das décadas de 1950 e 1960 nos Estados Unidos da América (EUA) e na Europa ocidental.
Em um primeiro momento2, a nascente perspectiva da reprodução social buscou
desenvolver um problema antigo colocado diante da teoria marxista do valor-trabalho:
incluir uma compreensão sobre as formas não-remuneradas de trabalho e responder qual
seria a base material da opressão das mulheres no capitalismo (V OGEL, 2013 [1983]).
Entretanto, tal perspectiva se diferenciava de outras elaborações teóricas que,
contemporâneas a ela, bu scaram explicar a opressão de gênero no capitalismo. Isto
porque ao invés de partir de uma concepção dualista sobre a realidade social (i.e.,
considerar a persistência de um sistema patriarcal pré-capitalista independente e
transhistórico que em uma determinada fase de seu desenvolvimento se combinaria com
o sistema capitalista), suas raízes podem ser encontradas na busca por uma explicação
unitária e sistêmica para este fenômeno (YOUNG, 1981; VOGEL, 2013 [1983]).
1 Diante das dificuldades em desenhar uma linha divisória clara entre o feminismo -socialista e o feminismo-
marxista, neste trabalho, sigo a proposta de F erguson e McNally (2017 [2013], p. 27), e me refiro ao
feminismo-marxista para designar a tradição que se identifica, do ponto de vista teórico, explicitamente com
o materialismo histórico dialético e com a crítica da economia política. O feminismo-socialista designa,
portanto, um campo mais amplo e diverso. Neste sentido, ver também Vogel (2013 [1983], p. 183).
2 Este primeiro momento pode ser identificado ainda no final do século XIX, através do ativismo e teorização
de m ulheres socialistas. O debate central levantado por elas sobre o trabalho doméstico e o caráter da
opressão feminina foi retomado, décadas mais tarde no bojo do Debate sobre o Trabalho Doméstico,
iniciado em 1969 com a publicação do artigo The Political Economy of Women’s Liberation [A economia
política da libertação das mulheres] de Margaret Benston nos EUA. Este debate tomou a forma de uma série
de artigos divulgados e discut idos por intelectuais feministas-socialistas, em um esforço internacional que,
embora concentrado no Norte Global, pr ocurou levar as experiências das mulheres até então
epistemologicamente marginalizadas ao coração da teoria marxista sobre o capitalismo (MORTON, 1970;
DALLA COSTA; JAMES, 1971, SECCOMBE, 1974). Inconcluso, este debate se ocupou de duas questões centrais:
1. se o trabalho doméstico produzia valor ou mais-valia (e, por tanto, se era produtivo ou improdutivo); e 2.
se tr abalho doméstico constituía um modo de produção em si mesmo, distinto ou análogo ao modo de
produção capitalista. Vogel (2013 [1983]) considera a primeira questão já superada pelas feministas-marxistas
que a precederam, tais como Benston (1969) e Young (1981): o trabalho doméstico produz apenas valor de
uso, não valor de troca e, portanto, não prod uz diretamente mais-valia. Essa é a principal diferença entre a
perspectiva da reprodução social tal como defendida pela TRS e a de Silvia Feder ici. No que tange à segunda
questão, grande parte das autoras envolv idas no debate concluíram que “possivelmente”, o trabalho
doméstico seria um modo de pr odução próprio, que opera de acordo com uma lógica distinta, pré- ou não-
capitalista (VOGEL, 2013 [1983], p. 28-29). Para Vogel, entretanto, esta conclusão indica que nenhuma autora
do debate sobre o trabalho doméstico foi capaz de superar completamente a perspectiva dualista, deixando
o caráter dessa relação inexplicado (VOGEL, 2013 [1983], p. 134-135).

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