Teologia política em Baruch de Espinosa
Autor | Renan Victor Boy Bacelar, Lucas César Severino de Carvalho |
Páginas | 152-173 |
CAPÍTULO 6
Teologia política em Baruch de Espinosa
Renan Victor Boy Bacelar1
Lucas César Severino de Carvalho2
[…] maldito seja de dia e maldito seja de noite, maldito
seja seu levantar e maldito seja seu deitar, maldito ele em
seu sair e maldito ele em seu entrar. O Senhor não o per-
doará […]3
1. O homem e sua circunstância
Os ancestrais de Espinosa eram judeus espanhóis que, após a
conquista de Granada pelos reis católicos Fernando e Isabel, migraram
para Portugal a m de evitar a perseguição levada a efeito pela Coroa
espanhola. Forçada à conversão, a família de Espinosa permaneceu em
Portugal até o m do século XVI, quando a Coroa portuguesa – neces-
sitando de recursos para nanciar o império – passou a estorvar o povo
judeu através do consco de bens, prisões e até mesmo morte4. Ciente
desse conturbado contexto e atraído pelo decreto de tolerância promul-
gado pela União de Utrecht, o avô do lósofo, Isaac de Espinosa, dirigiu-
-se com a família para Amsterdã, onde Baruch de Espinosa nasceu aos
24 de novembro de 1632, lho de Miguel Spinoza e Ana Débora5.
O contexto social dos Países Baixos era permeado de conitos
políticos e religiosos. De um lado, a guerra com a monarquia católica da
Espanha perdurou até a assinatura do Tratado de Münster, em 1648. De
1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
2 Graduando do 3º período do Bacharelado em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
3 Trecho do herem de Espinosa, originalmente redigido numa mescla arcaica de português e espa-
nhol que daria origem ao ladino. In: CHAUÍ, Marilena. Espinosa; uma losoa da liberdade. São
Paulo: Moderna, 1995. p. 6.
4 Ibid., p. 14-15.
5 SCRUTON, Roger. Espinosa. Trad. Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Loyola, 2005. p. 12-16.
Renan Victor Boy Bacelar & Lucas César Severino de Carvalho • 153
outro lado, as Sete Províncias do Norte estavam divididas entre os par-
tidários da Casa de Orange-Nassau - que reconheciam a Guilherme de
Orange e seus sucessores o direito à monarquia – e os correligionários
do Partido dos Regentes, burgueses que defendiam um governo repu-
blicano6.
A tolerância religiosa pretendida desde a formação da União de
Utrecht7 propiciou a proliferação de inúmeras tendências religiosas que,
não raras vezes, tomaram parte nas disputas políticas, ora em favor do
Partido Orangista, ora em favor do Partido dos Regentes:
anabatistas e quakers libertários milenaristas, cristãos liberti-
nos (isto é, racionalistas), socianianos (contrários aos dogmas
da Santíssima Trindade, da divindade de Jesus e da sacralida-
de da Bíblia), arminianos (calvinistas tolerantes que armam a
liberdade de consciência religiosa e a separação entre o poder
civil e a autoridade religiosa), gomaristas (calvinistas intransi-
gentes e intolerantes, seguidores do dogma da predestinação e
defensores de um regime político de tipo teocrático em que o
poder civil ca submetido a autoridade teológica)8.
O século XVII cou conhecido como o Século de Ouro dos Países
Baixos, que experimentaram um enorme progresso econômico, cientí-
co e militar. Entretanto, também cou marcado por sucessivos golpes
de Estado.
Em 1619, após o Sínodo de Dort - que rejeitou os princípios ar-
minianos e tornou o calvinismo ortodoxo a religião ocial dos Países
Baixos – o clero gomarista destituiu o governo dos Regentes, levando
Maurício de Orange ao poder. Seguiu-se um período de intensa perse-
guição: Hugo Grotius e Dirk Camphuysen foram castigados com prisão
perpétua, o cartesianismo foi condenado, diversas obras foram censura-
das ou queimadas e intelectuais presos9.
Após a morte de Guilherme de Orange II, em 1650, os Regentes
tomam o poder da Casa de Orange, transferem o comando das forças ar-
madas para o Grande Pensionário e elegem, para Grandes Pensionários,
os irmãos Cornelius e Jan de Wi. O clero gomarista, porém, pressionou
6 CHAUÍ, Marilena. Espinosa, cit., p. 23-24.
7 Qualquer tolerância religiosa pretendida por Guilherme de Orange quando da formação da União
de Utrecht não se estenderia ao catolicismo, considerado uma ameaça às Províncias do Norte por
ser identicado com o regime monárquico espanhol. In: SCRUTON, Roger. Espinosa, cit., p. 13.
8 CHAUÍ, Marilena. Espinosa, cit., p. 26-27.
9 Ibid., p. 26-27.
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