Tensões e desafios na intervenção com homens autuados pela lei maria da penha: o caso dos grupos reflexivos no coletivo feminista sexualidade e saúde

AutorIsabela Venturoza de Oliveira - Leandro Feitosa Andrade - Paula Licursi Prates - Tales Mistura Furtado
CargoMestranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (PPGAS/USP) - Doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e docente na mesma instituição, assim como nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) - Doutora em Saúde Pública pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública...
Páginas219-240
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
Nº 01 - Ano 2015
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
219
DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p219-240
Seção: Direitos Humanos e Políticas Públicas de Gênero
TENSÕES E DESAFIOS NA INTERVENÇÃO COM HOMENS
AUTUADOS PELA LEI MARIA DA PENHA: O CASO DOS GRUPOS
REFLEXIVOS NO COLETIVO FEMINISTA SEXUALIDADE E SAÚDE
Isabela Venturoza de Oliveira
1
Leandro Feitosa Andrade
2
Paula Licursi Prates
3
Tales Furtado Mistura
4
Resumo: O artigo propõe uma discussão
sobre os grupos reflexivos com homens
denunciados por crimes previstos na Lei
11.340/2006 enquanto política pública
possível e necessária no contexto do
enfrentamento à violência contra as
mulheres. Partindo da experiência dos
grupos reflexivos e de responsabilização
para homens autores de violência contra
mulheres desenvolvidos na ONG Coletivo
Feminista Sexualidade e Saúde, em São
Paulo (SP), buscamos apresentar o contexto
no qual se constroem tais intervenções.
Entende-se que, corroborando para a
diminuição da violência contra as mulheres,
os grupos reflexivos também devem
funcionar como mecanismo para a reflexão
e construção de outras masculinidades.
Ademais, procuramos evidenciar as
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (PPGAS/USP).
Atua principalmente nos seguintes temas: gênero, violência, masculinidades, marcador es sociais da diferença.
Contato: isabela.venturoza@yahoo.com.br
2
Doutor e m Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e docente na mesma
instituição, assim como nas Fac uldades Metropolitanas Unidas (FMU). Coordenador de grupos reflexivos para
homens autores de violência contra mulheres, na ONG Coletivo Fe minista Sexualidad e e Saúde. Atua
principalmente nos seguintes temas: homens autores de violência contra mulheres, prostituição adulta, prostituição
infanto-juvenil, psicologia social. Contato: leandrofandrade@uol.com.br
3
Doutora em Saúde Pública pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde P ública da Universidade de São Paulo
(PPGSP/USP). Integrante do quadro da diretoria da ONG Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde. Atua
principalmente nos seguintes t emas: violência contra a mulher, questões de gênero, intervenções junto a homens
autores de violência. Contato: paulalicursiprates@gmail.com
4
Mestre p elo Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade de São Paulo (PPGSP/USP).
Coordenador de grupos reflexivos para homens autores de violência contra mulheres, na ONG Coletivo Feminista
Sexualidade e Saúde. Atua principalmente nos seguintes temas: gênero, masculinidades, violência, psicanálise.
Contato: talesfm@hotmail.com
relações de poder na qual o trabalho com
homens e uma abordagem relacional menos
pautada na dualidade vítima/algoz
encontram resistência para se concretizar.
Diante disso, o artigo pretende refletir sobre
as tensões em torno da implantação de
grupos reflexivos com homens,
observando: 1) o contexto histórico no qual
a Lei 11.340/2006 foi promulgada; 2) a
experiência do Coletivo Feminista
Sexualidade e de outras instituições
brasileiras no trabalho com homens autores
de violência contra as mulheres; e 3) os
desafios implicados na proposta deste tipo
de intervenção como parte das medidas no
enfrentamento a violência contra as
mulheres.
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
Nº 01 - Ano 2015
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
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DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p219-240
Palavras-chave: Grupos reflexivos com
homens; Lei Maria da Penha;
Masculinidades; Relações de gênero;
Relações violentas.
Abstract: The article proposes a discussion
about the reflective groups with men
reported for crimes listed in Law
11.340/2006 as a viable and necessary
public policy in the context of confrontation
of violence against women. Based on the
experience of the reflective and
accountability groups for men who
practiced violence against women,
developed at the NGO Coletivo Feminista
Sexualidade e Saúde, in São Paulo (SP), we
seek to present the context in which such
interventions are carried out. It’s
understood that, by supporting the
reduction of violence against women, the
reflective groups must also work as a
mechanism to think about and construct
other masculinities. Furthermore, we seek
also to highlight the power relations in
which the work with men and a relational
approach, less characterized by the
victim/aggressor duality, encounter
resistance to be realised. Faced with these
challenges, the article intends to reflect on
the tensions around the implantation of
reflective groups with men, observing: 1)
the historical context in which the Law
11.340/2006 was promulgated; 2) the
experience of the NGO Coletivo Feminista
Sexualidade e Saúde and other brazilian
institutions working with men who
practiced violence against women; and 3)
the challenges implied in the proposition of
this type of intervention as one of the
actions in the confrontation of violence
against women.
Keywords: Reflective groups with men;
Maria da Penha Law; Masculinities; Gender
relations; Violent relations.
5
Lei 11.3 40/2006, conhecida como Lei Maria da
Penha.
1. Situando o debate:
No Brasil, a criação de uma
legislação específica de combate à violência
doméstica e familiar contra as mulheres
5
constituiu um processo longo e antecedido
por anos de debates e mobilizações. Nos
anos setenta, os chamados crimes
passionais que ocorriam pelo país
adquiriram maior visibilidade, sendo
noticiados em jornais e outros meios de
comunicação. Sob o slogan “quem ama não
mata”, grupos de mulheres ganharam as
ruas, erguendo-se contra a violência e
tornando o assassinato de mulheres um dos
principais objetos de atenção da agenda
feminista (Calazans e Cortes, 2011). Pactos
entre Estados e nações, dos quais o país
participou, desempenharam papel
importante na transformação do Brasil no
18º país da América Latina e do Caribe a
contar com uma lei específica no
enfrentamento a violência doméstica e
familiar contra as mulheres (Lima, 2008).
Ainda na década de setenta, um dos mais
relevantes tratados internacionais no que se
refere à proteção de grupos específicos e ao
combate da desigualdade de gênero foi a
Convenção para Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Contra as

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