Tendências Modernas

AutorLuiz Henrique Sormani Barbugiani
Ocupação do AutorMestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)
Páginas197-213

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As constantes reformas implementadas no Código de Processo Civil ao longo dos anos preconizaram a redução dos trâmites processuais, objetivando uma tutela jurisdicional mais célere e efetiva. Nesse contexto, surgiram correntes doutrinárias apresentando propostas tendentes a extirpar do sistema processual vigente os embargos infringentes cabíveis de decisões de cunho não-unânime, sob diversos argumentos.

Essa tendência também assolou as discussões que geraram a edição do atual Código de Processo Civil, demonstrando que essas movimentações não são tão recentes quanto alguns imaginam.

Marcos Afonso BORGES narra que, na versão original do Anteprojeto de Código de Processo Civil, apresentada por Alfredo BUZAID, em 1964, não se previa os embargos infringentes, sendo que o fundamento para seu afastamento foi a fragilidade de se basear o recurso na existência de voto vencido quando essa situação não garante que, na nova decisão, não se terá unanimi-dade, gerando sob o pretexto de extirpar a insegurança jurídica um circulo vicioso sem fim, seja na nova apreciação por outros magistrados, seja pelos mesmos:

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O Anteprojeto de Código de Processo Civil, de autoria do prof. Alfredo Buzaid, apresentado ao senhor ministro da Justiça, em 8 de janeiro de 1964, disciplinou, unicamente, no art. 561, o recurso de embargos infringentes nas causas de alçada, não os arrolando entre os remédios interponíveis em segundo grau de jurisdição, e perante o Supremo Tribunal Federal. Como justificativa desta orientação, o mestre das Arcadas, na exposição de motivos, aduziu os seguintes argumentos:
O anteprojeto suprime também os embargos de nulidade e infringentes no segundo grau de jurisdição, bem como no Supremo Tribunal Federal. Na Justiça local, os embargos pressupõem um julgamento, proferido em grau de apelação, em que houve um voto vencido. Ora, a existência de um voto vencido não basta por si só para justificar a criação do recurso; porque pela mesma razão se deve admitir um segundo recurso de embargos sempre que no novo julgamento subsistir um voto vencido; por esse modo poderia arrastar-se a verificação do acerto da sentença por largo tempo, vindo o ideal de Justiça a ser sacrificado pelo desejo de aperfeiçoar a decisão.

Segundo as leis de organização judiciária, os embargos serão julgados, ou pelos mesmos desembargadores que compõem a câmara de apelação, ou por novos Juízes, que comporão um grupo de câmaras. No primeiro caso, o recurso de embargos é um bis in idem, um segundo tempo do recurso de apelação, e então é inútil, por representar simples reexame ou reiteração de julgamento. No segundo caso, entrando no julgamento Juízes novos, deveriam admitir-se novos embargos, enquanto houvesse um ou mais votos vencidos,

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se a existência de voto vencido é a razão que determinou a criação desse recurso.1(destaques no original)

Nelson Luiz PINTO, por sua vez, ressalta que a finalidade dos embargos infringentes não é alcançar um julgamento unânime, mas sim propiciar uma nova apreciação da matéria submetida ao Poder Judiciário, podendo ela mesma não ser unânime:

Busca-se com os embargos infringentes não obter a unanimidade no julgamento, que dificilmente ocorrerá (apesar de existir a possibilidade de que os juízes prolatores dos votos vencidos mudem seus votos por ocasião do julgamento dos infringentes), mas tão-somente uma nova oportunidade para que a turma julgadora, normalmente composta por mais dois membros (cinco juízes no caso dos tribunais de São Paulo, pois a questão da formação da turma julgadora dos infringentes é matéria pertinente aos regimentos inter-nos de cada tribunal), reaprecie a matéria objeto da diver-gência e profira nova decisão, desta vez favorável ao embargante, mas que ainda poderá continuar sendo não unânime.2Percebe-se que pelo fato dos embargos infringentes não gerarem a unanimidade e em determinadas situações ocasionarem, em seu próprio seio, decisões não unânimes, há fortes críticas a sua permanência no sistema processual.

Apesar disso tudo e da existência de renomados opositores à permanência dos embargos infringentes em nosso ordena-

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mento jurídico, nos debates realizados em Campos do Jordão, acerca do teor do anteprojeto, decidiu-se por mantê-los com a posterior modificação do documento, reinserindo-os no sistema processual, como nos informa Marcos Afonso BORGES:

Com o intuito de analisar e discutir o Anteprojeto, Alfredo Buzaid, em 1965, convocou à cidade paulista de Campos do Jordão as maiores autoridades brasileiras em Direito Processual, e depois de inúmeros dias de debates, e acolhendo o parecer majoritário dos congressistas, no sentido de que “os embargos infringentes não podiam ser suprimidos, mas antes mantidos em todos os processos”, retirou o texto apresentado, e incluiu, no Projeto, o mencionado recurso contra acórdãos, com a denominação apenas de infringentes, cortando, assim, a possibilidade da discussão havida quando da vigência do código de 1939, (...).3As modificações implementadas no decorrer dos anos nas normas processuais visaram obter com uma maior rapidez na prestação jurisdicional uma solução mais célere e, portanto, com maior eficácia, das demandas judiciais, promovendo uma pacificação social mais completa. Esse procedimento culminou com a inserção em nossa Constituição Federal do inciso LXXVIII, pela emenda constitucional nº 45/2004, como se depreende das percucientes palavras de Marcelo NEGRI:

Inúmeras inovações foram introduzidas no Código de Processo Civil, inspiradas na própria alteração da ordem constitu-

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cional no final dos anos 1980 e sucessivas emendas constitucionais, com foco na celeridade processual. Aliás, o ponto alto desse desejo coletivo traduz-se na recente redação do art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição Federal, que assegura a todos, dentre as garantias fundamentais individuais e coletivas, a razoabilidade na duração do processo, autorizando a utilização de meios que garantam a celeridade da tramitação.4Com a edição da Lei n. 10.352/2001, houve a restrição das hipóteses de cabimento do recurso que era admitido para qualquer julgado que apresentasse voto vencido em sede de apelação e ação rescisória para somente açambarcar a situação de reforma da sentença em apelação no mérito e a procedência da ação rescisória.

Sandro Marcelo KOZIKOSKI especifica que:

“(...), a Lei 10.352, de 26.12.2001, restringiu as hipóteses de cabimento dos embargos infringentes. Com efeito, o legislador ordinário assinalou a tendência de mitigar os recursos sucessivos à apelação, considerados desnecessários diante da identidade de soluções apontadas por dois diferentes órgãos jurisdicionais”.5Mais adiante, o mencionado autor complementa, ressaltando que:

Os filtros implementados coadunam-se com o propósito de afastar recursos de caráter procrastinatório, que poderiam ser evidenciados nas situações em que o acórdão exarado pelo tri-

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bunal (proferido no julgamento da apelação ou de ação rescisória) se alinha em maioria...

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