Tendências contemporâneas da participação popular: experiências dos conselhos municipais de saúde do Espírito Santo

AutorAna Targina Rodrigues Ferraz
CargoPesquisa registrada sob o número 7001/2016 na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFES e no comitê de ética em pesquisa da universidade sob o número 65094817.4.0000.5542, aprovada em junho de 2017 (parecer 2.104.465). - Assistente Social. Doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP. Professora Associada do Departamento de Serviço Social e...
Páginas721-736
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS DA PARTICIPAÇÃO POPULAR: experiências dos Conselhos
Municipais de Saúde do Espírito Santo1
Ana Targina Rodrigues Ferraz2
Resumo
Este artigo sintetiza os principais resultados de pesquisa desenvolvida acerca das tendências contemporâneas da
participação popular a partir da experiência de participação no âmbito dos conselhos municipais de saúde do estado do
Espírito Santo. O principal objetivo do estudo é demonstrar como as novas modalidades de organização, mobilização e
comunicação dos movimentos sociais (coletivos, redes e fóruns) afetaram os processos de participação popular no âmbito
da política de saúde, especialmente as estratégias de informação e comunicação, a estrutura e dinâmica de funcionamento
dos conselhos. É um estudo de caso cuja coleta de dados foi realizada por meio da análise de documentos públicos e sites,
acompanhamento das redes sociais de movimentos e conselhos, observação das reuniões de movimentos e conselhos e
entrevistas. O principal resultado da pesquisa é a constatação da existência de um hiato entre os mecanismos de
participação construídos como forma de viabilizar a democracia participativa e as demandas por participação direta de
coletivos, redes e fóruns.
Palavras chave: Participação popular. Movimentos sociais. Conselhos de saúde.
CONTEMPORARY TRENDS IN PUBLIC PARTICIPATION: the experiences of municipal health councils in Espírito
Santo
Abstract
This article synthesises the main results of research around contemporary trends in public participation drawn from the
experiences of Municipal Health Councils in Espírito Santo. The main objective of the study was to demonstrate how new
modes of organization, mobilization and communication of social movements (collectives, networks and forums) affect the
processes of public participation in the ambit of health policy. This is a case study whose data the collection of data was
carried out through the analysis of public documents and websites, following the social networks of social movements and
councils, observation on the meetings of social movements and councils, and interviews. The main result of the research is
the finding of a gap between the participation mechanisms built as a way to make participatory democracy viable and the
demands for direct participation of collectives, networks and forums.
Keywords: Public participation. Social movements. Health Councils
Artigo recebido em: 12/01/2020 Aprovado em: 13/10/2020
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v24n2p721-736.
1 Pesquisa registrada sob o número 7001/2016 na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFES e no comitê de
ética em pesquisa da universidade sob o número 65094817.4.0000.5542, aprovada em junho de 2017 (parecer 2.104.465).
2 Assistente Social. Doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP. Professora Associada do Departamento de Serviço
Social e do PPPGS da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES E-mail: anatargina@uol.com.
Ana Targina Rodrigues Ferraz
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1 INTRODUÇÃO
A democracia participativa e a consequente institucionalização de mecanismos de
participação popular nos anos 1990 e 2000, no Brasil, foram objeto de inúmeros estudos em diversas
áreas do conhecimento no interior das universidades brasileiras1 e no exterior. Um olhar entusiasmado
e pouco realista marcou os primeiros trabalhos sobre as experiências de Orçamento Participativo (OP)
e Conselhos Gestores de Políticas Públicas, fazendo com que as expectativas de democratização das
relações políticas entre Estado e Sociedade Civil, entre agentes públicos e o setor privado tivessem
forte influência sobre as primeiras análises, dando às mesmas um caráter quase prescritivo.
A construção da arquitetura institucional que possibilitaria a incorporação de organizações
da sociedade civil (associações, organizações não governamentais/ONGs, entidades de classe e
movimentos sociais) ao processo decisório no âmbito do Estado foi tratada como um importante
componente do processo de democratização. Tão importante que alguns autores afirmaram que o
sucesso dos experimentos de democracia participativa (OP, Conselhos Gestores de Políticas Públicas,
Conferências, mas especialmente do OP) dependeria, basicamente, da articulação de três variáveis: a)
a tradição associativa existente no município; b) a vontade política dos gestores para a efetiva partilha
de poder; c) o desenho institucional assumido pelas experiências de participação (AVRITZER, 2003,
2009). Desconsiderando, portanto, os limites das democracias liberais e seu caráter basicamente
procedimental e autorizativo, em que as escolhas populares são processos de autorização para
partidos e coalizões partidárias governarem o Estado (SHUMPETER, 1984); as relações assimétricas
entre os representantes dos interesses das diferentes classes sociais quanto aos recursos de poder
disponíveis para divulgação de suas demandas e para o exercício de pressões sobre os órgãos do
Estado (Executivo, legislativo, judiciário) e os limites orçamentários e institucionais.
A construção legal e a implementação dos mecanismos de participação popular após a
constituição de 1988, especialmente os mecanismos de controle da gestão de políticas públicas
(conselhos e conferências), exigiu enorme esforço político de organizações da sociedade civil.
Inúmeros encontros, reuniões e acordos foram necessários entre essas organizações e os legislativos
municipais, estaduais e o congresso nacional para a produção das leis orgânicas de cada política e do
modelo de funcionamento de seus mecanismos de elaboração e fiscalização.
A construção dessa democracia de novo tipo, com instâncias decisórias capazes de
incorporar os novos sujeitos sociais coletivos surgidos nos anos 1970 e 1980, estabeleceu-se em um
contexto de questionamento neoliberal dos Estados Sociais e de pouco avanço na participação de
trabalhadores, mulheres, negros e imigrantes no mundo inteiro. Ou seja, o caráter elitista das
democracias representativas que privilegia homens brancos, escolarizados e de alta renda, não se

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