Tempo da Constituição e Ponte para o Futuro: uma análise a partir da teoria crítica da aceleração social

AutorErnane Salles da Costa Junior, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
CargoPós-doutorado em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutor em Direito pela mesma instituição e Mestre em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) com a distinção magna cum laude/Pós-doutorado em Teoria do Direito pela Università degli studi di Roma TRE com bolsa CAPES
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 01, 2021, p. 197-236.
Ernani Salles da Costa Junior e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/45118| ISSN: 2179-8966
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Tempo da Constituição e Ponte para o Futuro: uma análise
a partir da teoria crítica da aceleração social
Constitution time and Bridge for the Future: an analysis from the critical theory of
social acceleration
Ernane Salles da Costa Junior1
¹ Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail:
profernanesalles@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0088-6556.
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira2
² Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas G erais, Brasil. E -mail:
mcattoni@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2409-5804.
Artigo recebido em 9/9/2019 e aceito em 9/03/2020.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 01, 2021, p. 197-236.
Ernani Salles da Costa Junior e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/45118| ISSN: 2179-8966
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Resumo
O problema que orienta essa investigação pode ser formulado da seguinte maneira: em
que medida a crise constitucional, evidenciada nas reformas recentes contra o núcleo
inclusivo da Constituição brasileira que compõem o programa “Uma Ponte para o
Futuro”, seria também uma c rise t emporal? A partir de um est udo t eórico-conceitual
embasado em pesquisa bibliográfica e análise documental, a hipótese defendida aqui é
a de que o pano de fundo dessa crise está relacionado com um discurso que
instrumentaliza o “tempo histórico” e o “futuro” em si para gerar adesão social a partir
da defesa aberta da aceleração, a defes a de um futuro que deve chegar mais rápido. Tal
categoria é analisada a partir de uma leitura espec ífica que esse artigo propõe da obra
de Hartmut Rosa, no quadro de uma crítica à aceleração que submete os
comprometimentos públicos de longa duração da Constit uição à tutela da acumulação
da riqueza privada e à velocidade do tempo do mercado e da competitividade.
Palavras-chave: Constituição; Tempo; Aceleração Social.
Abstract
The problem that guides the investigation can be formulated as follows: to what extent
is the constitutional crisis, evidenced in the recent reforms against the inc lusive nucleus
of the Brazilian Constitution that make up the program “A Bridge t o the Future”, would
be also a temporal crisis? Based on a theoretical-conceptual study based on
bibliographic research and documentary analysis, the hypothesis defended here is that
the background of this crisis is related to a discourse that i nstrumentalizes “hi storical
time” and “future” itself for to generate social adhes ion from the open defense of
acceleration, the defense of a future that must come f aster. This categ ory is analyzed
based on a specific reading that this article proposes from the work of Hartmut Rosa,
within the framework of a criticism to the acceleration that submits the long-term public
commitments of the Constitution to the tutelage of the accumulation of private wealth
and the speed of market and. Competitiveness time.
Keywords: Constitution; Time; Social acceleration.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 01, 2021, p. 197-236.
Ernani Salles da Costa Junior e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/45118| ISSN: 2179-8966
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1. Introdução: Crise e Constituição
Ao menos no Brasil, a palavra crise é uma daquelas utilizadas de forma corrente por
figuras públicas e pela impressa para traduzir um estado de turbulências e de
instabilidade, por vezes corriqueiros, no cenário vigente. Concebido dessa forma, o
termo perdeu muito de seu componente de excepcionalidade: a gradativa
normalização do conceito fala-se a todo o momento em crise política, crise econômica,
crise de valores, crise da civilização tem duas co nsequências: uma espécie de
banalização da ideia de crise e uma certa opacidade do conceito (PAIXÃO, 2018).
Considerando seu significado mais preciso ou pelo menos mais restrito, aquele
proveniente dos dicionários de língua portuguesa1, tem-se que crise indica “mudança
bita ou agravamento que sobrevém no curso de uma doen ça aguda” ou “conjuntura
ou momento perigo so” ou mesmo “desacordo que obriga instituição ou organismo a
recompor-se ou a demitir-se”. Remete, portanto, a uma anormalidade que conduz à
ideia de um momento de transição ou ruptura.
Significado semelhante foi atribuído por Koselleck (1999, p. 145) que,
remetendo a Rousseau, afirma que, no sentido político, crise consistiria num
desdobramento do sentido médico a partir da metáfora do Estado enquanto corpo
político. A partir daí, poderia se chegar a, pelo menos três sentidos, segundo ele, da
palavra crise: transformação no curso de uma d oença, ponto decisivo no tempo e
situação alarmante (KOSELLECK, 2006, p. p. 357-400). Ela representaria um processo
crítico que não acarreta apenas um período de insegurança cujo fim seria imprevisível,
mas um momento de transição que demanda decisão e escolhas. No mesmo sentido e
em leitura de suas reflexões, Ricoeur c onfirmaria esse significado do termo: en
pénétrant dans la sphère politique, la crise dramatise la critique; elle apporte avec elle sa
connotation médicale: son pouvoir révélateur à l'égard d'un mal profond et surtout son
effet de décision entre l'aggravation ou l'amélioration” (RICOEUR, 1988, p.4).
Partindo dessa noção tecnicamente mais afinada do termo, há razões para
enxergar, mesmo sob uma aparente no rmalidade institucional, traços de uma
verdadeira “crise constituciona l” na conjuntura político-jurídica brasileira de nossos
tempos, exposta pelo menos desde o “impeachment” da Ex Presidente Dilma Rousseff,
sem correr o risco de uma banalização ou instrumentalização ideológica do termo.
1 Disponível em

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