O teletrabalho na lei 13.467/17 (reforma trabalhista): uma regulamentação em desacordo com as evidências empíricas

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas385-400

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Introdução

Engels, num texto intitulado de “Sobre o Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem” escrito em 1876, afirma que, em certo ponto, o trabalho criou o ser humano tal como ele é (ENGELS, 2013, p. 13), já que o que o diferencia dos outros seres viventes é, inicialmente, o tipo de interação que promove com a natureza.

Seu processo de adaptação e seleção natural – à luz da teoria da evolução das espécies descrita por Darwin3 –, o conduziu ao desenvolvimento da inteligência capaz de produzir instrumentos e ferramentas que auxiliaram e viabilizaram a sua defesa contra predadores, e de toda sorte de contingências de ameaças naturais. Neste itinerário da evolução da espécie, o homem aprende a dominar e a produzir o fogo; encontra utili-dade na pele de animais para sua proteção contra o frio, o que vem a viabilizar a habitação de locais antes considerados inóspitos; constrói casas; apascenta e domestica animais e, assim, domina a natureza.

O trabalho é entendido como condição básica e fundamental à existência humana. É inerente a ela e, em sendo assim, é possível observá-lo até mesmo antes da formação das próprias civilizações, passando pelas sociedades escravocratas, feudais e pré-capitalistas. Ocorre que, o advento da modernidade, inaugurada com a Revolução Industrial, impõe uma nova configuração social, inédita, própria do novo modelo de produção (capitalista), que fora capaz de separar o homem da sua própria força de trabalho, valorando-a e pondo à venda no mercado como um produto4.

Como não há precedentes históricos da mercantilização da força de trabalho, este estudo adere à análise da modernidade do ponto de vista do trabalho, como pretende Postone (2014). Sem, contudo, desconsiderar sua condição fundamental à existência humana. Esclarecedora é a posição de Kurz sobre a questão:

Pois o trabalho como tal, considerado dessa forma seca e abstrata, não é nada supra-histórico. Em sua forma especificamente histórica o trabalho nada mais é do que a exploração econômica abstrata, em empresas, da força de trabalho humano e das matérias-primas. Nesse sentido, só faz parte da modernidade, e como tal foi aceito como pressuposto não questionado por ambos os sistemas conflitantes do pós-guerra, sem distinção (KURZ, 1996, p. 21).

A lógica aristotélica centrada no princípio da não contradição, afirma que uma coisa não pode ser e deixar de ser, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Apesar da premissa não ter sido superada, a ética moderna precisou negá-la para viabilizar a produção por meio da exploração do trabalho humano5.

O modelo capitalista desafia o axioma filosófico ao creditar ao trabalho duas características ontologicamente antagônicas: autonomia e sujeição. Faculta-se ao empregado se sujeitar ao empregador, economicamente, socialmente, tecnicamente e até mesmo psicologicamente. Não faz sentido e não é verossímil6.

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Na prática, os trabalhadores não têm experimentado a liberdade apregoada pelo modelo produtivo capitalista. A mão de obra utilizada incialmente pelo capital consistia, em sua maioria, de camponeses que haviam sido privados das terras sobre as quais extraiam os recursos de subsistência, em razão do movimento de cercas, responsável pela aplicação do mode-lo de produção industrial na agricultura7.

Incapazes de produzir em seus pequenos lotes, se viram obrigados a abandoná-los para buscar melhores condições de vida nas cidades. Sem opção, portanto, não se pode dizer que eles optaram livremente por um novo estilo de vida. Apesar dessa constatação fática, a abstração jurídica estava elaborada. O sistema obrigou – e continua obrigando até os dias de hoje –, os indivíduos a exercerem a sua liberdade por meio de uma única alternativa de sobrevivência: a venda da sua força de trabalho ao capital, o que se estabelece nas condições determinadas pelas leis de mercado. Assim é que o trabalho assalariado se introjeta na ética moderna, como se o trabalhador, “para ser livre, devesse se transformar em escravo, ou seja, a pessoa não tem a escolha de não ser livre, o capital obriga o trabalhador a ser livre, isto é, o capital disciplina o trabalhador para que ele reconheça a sua própria liberdade (NAVES, 2014, p. 48).

A teoria da informação e da comunicação no direito individual do trabalho

A telemática8 é um bom exemplo de como o avanço tecnológico pode impactar as relações de trabalho. Ela alterou completamente a intensidade e o ritmo da divisão do trabalho nos diversos setores da economia9. Está presente em toda cadeia produtiva, inclusive em atividades laborais presenciais, onde as informações são trocadas através de computadores e smartphones, até mesmo entre trabalhadores que compartilham o mesmo espaço físico. Podem também se comunicar com outras equipes de trabalho em andares, bairros, cidades, países e até continentes diferentes. Tudo à distância de um clique.

A exploração do trabalho à distância alcança um novo patamar em razão da economia que ele representa para o capital. Basta disponibilizar ao trabalhador um computador com acesso à internet para tornar a sua presença física dispensável à grande parte das atividades produtivas. Assim, transfere-se à força de trabalho os custos que sempre foram próprios do empregador, tais como: água, luz, alimentação, transporte, manutenção das ferramentas de trabalho, etc.

Isso quando ainda o consideram empregado. Na maioria das vezes ele será considerado um trabalhador autônomo ou parasubordinado10, como no caso Italiano. E assim, os direitos dos trabalhadores vão sendo restringidos, flexibilizados e desregulados.

A telemática faz parte do dia a dia da força de trabalho contemporânea em praticamente todas as zonas urbanas do mundo. Do ocidente ao oriente, desde países desenvolvidos até os em desenvolvimento. Já se demonstrou neste estudo os dados de pesquisas realizadas em 2009 pela Organização Não Governamental (ONG) Market Analysis, com 345 trabalhadores em nove capitais.

O serviço virtual era adotado por 23% dos funcionários do setor privado. E as microempresas eram as maiores utilizadoras do teletrabalho. Já havia 10,6 milhões de teletrabalhadores naquele ano no Brasil – em 2001 eram apenas 500 mil. (NASCIMENTO, 2011, p. 1013).

Por outro lado, a telessubordinação tem gerado dano às relações de trabalho quando é utilizada de forma inadequada, como o controle exacerbado dos empregados, obrigados a permanecerem constantemente conectados aos seus empregadores. Esta prática, obviamente, induz o desrespeito ao limite diário de horas de trabalho permitido por lei.

Os métodos de gerenciamento e vigilância do trabalho foram aperfeiçoados pelo capital por meio desta mesma tecnologia. É o avanço informacional a serviço do maior aproveitamento possível da força de trabalho. O fetiche da mais-valia é alimentado por uma infinidade de instrumentos que geram informações sobre o processo produtivo em tempo real. A cobrança aumenta até o limite máximo de aproveitamento do trabalho, gerando doenças físicas e psicológicas.

Novos recursos, velhas práticas: um museu de grandes novidades da exploração do trabalho pelo capital. Consequência:

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Os números do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) evidenciam com clareza o aumento de Lesões por Esforços Repetitivos (LER) e Doenças Osteoarticulares Relacionadas ao Trabalho (DORT) em razão do trabalho desenvolvido através da utilização dos computadores, por exemplo. Também revelam que jamais se viu antes uma prevalência tão grande de doenças mentais relacionadas ao trabalho.

Evidências empíricas que demonstram a urgência do tema em estudo. A doutrina clássica ignora, a lei não regula, o judiciário não reconhece as doenças ocupacionais contemporâneas11.

A percepção dos impactos das novas tecnologias pela doutrina jurídico-trabalhista brasileira

O legislador brasileiro alterou o art. 6º da CLT12, no sentido de adaptar a norma jurídica trabalhista à realidade da universalização da telemática nas relações sociais. Por meio da Lei n. 12.551, de 15 de dezembro de 2011 foram reconhecidos os efeitos jurídicos do poder diretivo do empregador exercido por meios telemáticos e informatizados, equiparando aquele exercido por meios pessoais e diretos. A norma passou a ter a seguinte redação:

Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. (BRASIL, 2011)

Reconheceu-se a existência da telessubordinação, ou seja, a possibilidade de o empregador exercer o principal elemento fático-jurídico da relação de emprego (a subordinação jurídica), mesmo não presencialmente, por meio de instrumentos de telecomunicação tais como telefones celulares, smartphones, GPS, etc. A regra se aplica para o trabalho exercido à distancia pelo empregado, como o home office, mas não só a ele.

Pode-se dizer que a referida norma acordou a doutrina juslaboral brasileira para o estudo da teoria da informação e da comunicação nas relações de...

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