O Fenômeno do Teletrabalho: Uma Abordagem Jurídico-trabalhista

AutorJouberto de Quadros Pessoa Cavalcante - Francisco Ferreira Jorge Neto
CargoProfessor da Faculdade de Direito Mackenzie - Desembargador Federal do Trabalho (TRT-2a. Região)
Páginas24-31

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1. O fenómeno do teletrabalho

Em relatório sobre a situação do teletrabalho na União Europeia no ano de 1998, a Comissão Europeia traz a informação de que as melhores estimativas indicariam o total de 4 milhões de trabalhadores exercendo alguma espécie de teletrabalho, o que corresponderia a 2,5% da força de trabalho europeia. Este número representaria o dobro da quantidade verificada no ano de 1996.

Segundo a Fundação Europeia para Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (Eurofound), o teletrabalho é um fenômeno que está a crescer em todos os estados-membros da União Europeia. A percentagem média de trabalhadores envolvidos no teletrabalho nos 27 estados-membros da UE aumentou de cerca de 5% em 2000 para 7% em 2005. Alguns países apresentam taxas de crescimento consideravelmente superiores, sendo mais na República Checa e na Dinamarca, países onde cerca de um em sete trabalhadores está regularmente envolvido em teletrabalho.

No Io foro sobre teletrabalho realizado pelo Centro Intera-mericano para el Desarrollo del Conocimiento en la Formación Profesional, da Organização Internacional do Trabalho (Cinter-for), em 2008, em Buenos Aires, destacou-se, entre outros pontos, a necessidade de se buscar novas e eficazes respostas: a) liberalização do comércio e dos mercados de capitais; b) programas de ajuste estrutural e a integração econômica, as novas tecnologias e as importantes trocas que têm tido lugar na organização do trabalho; c) o trabalho a domicílio e o teletrabalho.

A partir de dados gerais sobre o acesso dos brasileiros a computadores e à internet levantados por diferentes pesquisas de diferentes instituições (PNAD/IBGE, TIC Domicílios, TIC Empresas, Painel IBOPE/NetRatings), a Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt) tem realizado alguns cruzamentos que permitem fazer uma estimativa também genérica de que o Brasil contava com aproximadamente 10 milhões e seiscentos mil teletrabalhadores em 2008.

Em maio de 2011, realizou-se o I Seminário de Teletrabalho na Cidade de São Paulo, no qual órgãos da prefeitura e da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) discutiram o teletrabalho e a empregabilidade de pessoas com deficiência física ou mental.

Também tramitam no Congresso Nacional projetos de lei sobre o tema, sendo que, além de disciplinarem a matéria, um deles prevê uma reserva de 20% dos postos de trabalho na modalidade em domicílio ou teletrabalho aos portadores de deficiência1.

Atualmente, a presença do trabalhador não é mais tão necessária nos locais físicos onde se te-

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nha o estabelecimento da empresa, com a presença do empregador ou de seus prepostos a dirigir a prestação pessoal dos serviços.

Este fenômeno é decorrência das inovações tecnológicas e da expansão econômica mundial, "que provocaram a descentralização do trabalho, a propagação e modernização do trabalho a distância, que deixou de ser apenas o trabalho em domicílio tradicional, a fiscalização do serviço sem a presença física do fiscal, a flexibilização das jornadas, a preponderância da ativida-de intelectual sobre a manual, a ponto de considerar-se que as sociedades atuais não são mais terciárias (comércio) e sim quaternárias (informações/ telecomunicações). O trabalho a distância é o gênero que compreende várias espécies, uma delas o teletrabalho. Outras modalidades de trabalho a distância podem ser mencionadas, como o trabalho em domicílio tradicional e aquele desenvolvido fora do centro de produção mediante o uso de instrumentos também tradicionais como o telefone, o bip, o rádio etc."2

Na visão de Domenico de Masi3, o teletrabalho é "um trabalho realizado longe dos escritórios empresariais e dos colegas de trabalho, com comunicação independente com a sede central do trabalho e com outras sedes, através de um uso intensivo das tecnologias da comunicação e da informação, mas que não são necessariamente sempre de natureza informática".

O teletrabalho, para a OIT, é o "trabajo a distancia (incluido el trabajo a domicilio) efectuado con auxilio de medios de teleco-municación y/o de una computadora".

É o "trabajo efectuado en un lugar donde, apartado de Ias oficinas centrales o de los talleres de pro-ducción, el traba-jador no mantiene contacto personal alguno con sus colegas, pero está en condiciones de comunicar con ellos por medio de las nuevas tecnologí-as"4

Para Luiz de Pinho Pedreira Silva5, teletrabalho é "a atividade do trabalhador desenvolvida total ou parcialmente em locais distantes da rede principal da empresa, de forma telemática. Total ou parcialmente, porque há teletrabalho exercido em parte na sede da empresa e em parte em locais dela distantes".

O termo "telemática" compreende: "Direito de informática. 1. Tecnologia que abrange o fax, que transmite imagens por via telefônica; o modem, que requer modulação, ao converter a informação digital que sai de um computador em sinais que viajam pela linha telefônica, e demodulação, ao realizar processo inverso quando esses sinais chegarem ao outro computador. Pelo modem (mo-dulation e demodulation) podem conectar computadores distantes por uma linha telefônica; o videotexto, que possibilita consultar dados (como, por exemplo, horário e preço de passagens; acesso à conta bancária; encomenda de produtos etc.) por linha telefô-nica, televisor equipado com um decodificador apropriado ou por placa de microcircuitos instalada no computador. 2. Procedimento da elaboração das informações a distância e movimento de circulação automática dos dados informativos, que ocorrem no diálogo com os calculadores ele-trônicos, utilizando os terminais inteligentes, capazes de receber e transmitir (Frosini)."6

Assim, os elementos característicos do teletrabalho7 são: a) atividade realizada a distância, ou seja, fora dos limites de onde os seus resultados são almejados; b) as ordens são dadas por quem não tem condições de controlá-las fisicamente. O controle é ocasionado pelos resultados das tarefas executadas; c) as tarefas são executadas por intermédio de computadores ou de outros equipamentos de informática e telecomunicações.

2. O teletrabalho: vantagens e desvantagens económicas e jurídicas

Do ponto de vista do empregador, o fenômeno do teletrabalho tem as seguintes vantagens: economia de espaço nas fábricas e escritórios, de energia, de intervalos de jornada, aumento da produtividade, surgimento de novos produtos, internacionalização e descentralização da produção.

Em suma, é uma forma de redução dos custos e aumento da produtividade.

Por outro lado, o teletrabalho pode representar um perigo considerável quanto à segurança de dados. Não é possível ao empregador resguardar quem terá acesso ao monitor que esteja no local onde está situado o trabalhador. Isto poderá representar um acesso não autorizado aos segredos

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técnicos, comerciais e industriais do empregador.

Quanto aos teletrabalhadores, o fato de laborar em sua residência poderá representar uma maior disponibilidade de tempo para os seus familiares, racionalização das suas atividades profissionais, como também uma forma de redução de gastos com transporte, alimentação e perda de tempo nos seus deslocamentos, notadamen-te nos grandes centros urbanos, com a inclusão de trabalhadores portadores de deficiências físicas ou mentais.

Em contrapartida, o teletra-balho pode implicar redução de direitos trabalhistas, com a existência de relações autônomas ou de relações precárias de trabalho e sua informalização, com a ampliação dos obstáculos para aplicação e fiscalização da legislação trabalhista e de acordos e convenções coletivas de trabalho e ainda uma confusão das despesas do lar com as despesas para a realização do trabalho, além dos problemas de meio ambiente inadequado para o trabalho, com prejuízos à saúde do trabalhador.

Do ponto de vista profissional, poderá reduzir a troca de informações e experiências entre colegas de trabalho, com prejuízo de novas oportunidades profissionais.

Até mesmo para a prestação jurisdicional adequada poderá haver obstáculos, por problemas de competência territorial, principalmente no teletrabalho trans-nacional, e produção de provas.

3. Modalidades

As modalidades de teletrabalho (classificação) são agrupadas por vários critérios.

Em relação ao critério loca-tivo, tem-se o teletrabalho em domicílio, teletrabalho em tele-centros, teletrabalho nômade e teletrabalho transnacional.

O trabalho em domicílio corresponde ao trabalho tradicional realizado em domicílio do empregado ou em qualquer outro local por ele escolhido.

Já o teletrabalho realizado em telecentros (centro satélite ou centro local de teleserviço) é uma forma de organização das atividades em um espaço devidamente preparado para o desempenho do teletrabalho, que pode ou não pertencer à empresa.

No trabalho nômade (também conhecido como móvel), o tele-trabalhador não tem local fixo para a prestação dos serviços, o que pode se verificar, e.g., com o trabalhador externo.

Tem-se ainda o teletrabalho transnacional, o qual é realizado em partes, por trabalhadores situados em países distintos, com trocas de informações e elaboração de projetos em conjunto.

Em relação ao critério temporal, pode ser permanente, quando o tempo de trabalho fora de empresa exceda a 90% do tempo trabalhado. Por sua vez, o alternado é aquele em que se consome 90% da carga horária no mesmo local. E ainda o suplementar ocorre quando o teletrabalho é frequente, mas não diário, sendo pelo menos uma vez por semana...

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