A tecnologia como instrumento de eliminação dos empregos

AutorJouberto de Quadros Pessoa Cavalcante
Páginas40-65

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O desemprego estrutural e o desemprego tecnológico

A conceituação econômica e jurídica do fenômeno do “desemprego” não é uma tarefa fácil, tanto é assim que não existe uma definição conceitual prevalente.159

Etimologicamente, o termo “emprego” significa “ocupação em serviço público ou privado”160, enquanto o vocábulo “desemprego” é a ausência de emprego, a ociosidade involuntária de quem busca e tem interesse em trabalhar e não encontra quem o empregue.161

Diversos fatores podem ensejar a extinção do contrato de trabalho, os quais podem estar relacionados à pessoa do empregado, ao empregador ou ainda às condições objetivas de trabalho e de produção. Entre as principais causas, Nelson Mannrich162 aponta: a) dificuldades econômicas; b) crise econômica do setor; c) mau gerenciamento; d) inovações e mudanças tecnológicas; e) perda de interesse do empresário pelo empregado em razão de sua não adaptação às mudanças; f) excesso de ausência; g) enfermidades; h) tensões pessoais entre empregado e empresário etc.

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O desemprego, além de ser um problema econômico, é um problema social, político e pessoal.

Do ponto de vista econômico, o custo econômico do desemprego é a perda de produção e renda, isto é: “Os bens e serviços que os desempregos poderiam produzir (e a renda que poderiam ganhar) se estivessem trabalhando, mas que não produzem porque não conseguem encontrar emprego. Essa perda de produto e de renda não poderá jamais ser recuperada em períodos futuros. Outro custo econômico relevante diz respeito à diminuição da capacidade produtiva da economia em razão da perda de capital humano. Isso ocorre porque as habilidades da mão de obra se deterioram quando ela se encontra desempregada”.163

Assim, o desemprego representa um prejuízo para toda a sociedade164, afetando diretamente o custo da produção (encarecimento), a perda da qualidade técnica dos trabalhadores e o aumento dos gastos com o financiamento dos programas de assistência social, além dos problemas sociais que gera.

Os custos sociais decorrentes da mudança nos padrões tecnológicos são imensos e inevitáveis, segundo Gilberto Dupas.165 Para ele, “a divisão social do trabalho subverte-se pela contínua evolução dos sistemas técnicos, motivada pelo embate estratégico da concorrência”. Além disso, “a técnica em expansão, embora abra novos domínios ao poder criador e à atividade dos homens, está a serviço do capital e de sua acumulação. É uma devoradora de trabalho e ajuda a suprimir empregos, em vez de criá-los”.

Para os economistas, considerando as diversas causas, é possível classificar o desemprego em espécies.

O desemprego friccional (ou desemprego natural) ocorre quando se têm indivíduos desempregados temporariamente e é vivenciado por pessoas ou que estão no processo de mudança voluntária de emprego ou que foram despedidas e estão procurando um novo trabalho ou ainda que estão no mercado de trabalho buscando emprego pela primeira vez.166

Em outras palavras, é “[...] originado pela saída de seus empregos de alguns trabalhadores que procuram outros melhores, porque algumas empresas estão atravessando uma crise, ou porque os novos membros da força de trabalho levam um certo tempo procurando emprego”.167

O desemprego sazonal decorre das alterações de ritmos de determinados tipos de atividades econômicas, como a agricultura e o turismo, o que acaba por afetar o número de empregados envolvidos nessas atividades.

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Ocorrerá o desemprego involuntário (desemprego cíclico), quando as pessoas que desejam trabalhar não encontrarem emprego, como decorrência de uma fase de recessão do ciclo econômico168 e de insuficiência de emprego para todos.

Por fim, o desemprego estrutural é aquele que tem como causa: “[...] não apenas por fatores transitórios de crise nas economias nacionais, mas, diversamente, um fenômeno produzido por fatores que residem no próprio modelo de estruturação da economia: vale dizer: em seus ingredientes constitutivos. Desse modo é possível falar em desemprego produzido pelo próprio crescimento e pela modernização da economia, onde quer que se caracterizem pela crescente incorporação de tecnologias redutoras da necessidade de trabalho humano direto, bem como da progressiva globalização das relações de produção e dos mercados, com suas importantes projeções, seja no terreno da dispersão internacional das etapas de produção, seja no da própria transnacionalização dos agentes econômicos”.169

Em outras palavras, o desemprego estrutural é desencadeado por diversos “fatores de mercado”, “[...] tais como mudanças na tecnologia de produção (aumento da mecanização e automação) ou nos padrões de demanda dos consumidores (tornando obsoletas certas indústrias ou profissões)”.170

O Memorando The Triple Revolution171, elaborado pelo Comitê The Santa Barbara Center of the Study of Democratic Institutions nos anos 1960, já apontava para uma “revolução cibernética” (automação), a qual permitiria um sistema de capacidade produtiva quase ilimitado, com a redução dos trabalhadores manuais e, consequentemente, o aumento dos níveis de desemprego.

Com o objetivo de esclarecer a questão do desemprego estrutural, ao procurar identificar suas causas e a hierarquia entre elas, Jacob Gorender172 afirma que, entre outras de natureza de política e econômica: “Não há razão para duvidar que a tecnologia informacional e a organização do trabalho conforme a produção enxuta são causas do desemprego estrutural. Difícil é estabelecer o quanto cabe a cada qual desses fatores. A introdução de dispositivos informatizados (robôs, MFCMC, microprocessadores etc.) elimina postos de trabalho, porém é duvidoso que o faça em maior proporção do que a reengenharia, o enxugamento, a reestruturação organizacional. O fato é que seja por via da automação eletrônica, seja por via da remodelação do layout organizativo da empresa, os empregos somem aos milhares e aos milhões, enquanto aumenta a carga de trabalho sobre aqueles que continuam empregados”.

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Nesse contexto, são inegáveis os vários aspectos positivos da tecnologia, quando as inovações tecnológicas são aplicadas no ambiente de trabalho para evitar acidentes e doenças decorrentes do trabalho, ou seja, para substituir o trabalhador em tarefas extenuantes, “[...] quando beneficia sobremaneira a sociedade através da redução de valores a serem pagos por serviços essenciais ou quando agiliza a prestação destes, para inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, entre outras benesses”.173

Contudo, também podem ser identificados aspectos negativos.174 “[...] Entretanto, também pode resultar em consequência drástica para a sociedade na medida em que gera dispensas individuais e/ou coletivas, cria o desemprego estrutural; enseja, em muitos casos, a alienação do trabalhador; descontextualiza trabalhadores não jovens, que não cresceram neste mundo informatizado, e por vezes sofrem para se amoldar à nova realidade, os chamados informaginalizados, entre diversos malefícios [...]”.175

Ao discorrer sobre a evolução das máquinas e dos robôs e seus aspectos na produção de bens e na economia, John Lanchester176 assinala que os trabalhos mecanicamente precisos e repetitivos já foram automatizados e que estamos acostumados apenas com automatização da linha de montagem das fábricas. Por outro lado, “estamos menos habituados com a ideia de que os tipos de trabalhos feitos por funcionários, ou advogados, por analistas financeiros, ou jornalistas, ou bibliotecários, podem ser automatizados. O fato é que ele pode ser, e será, e em muitos casos já é”.

Para Hubert Schmitz177 “apenas uma coisa parece clara”, as inovações tecnológicas “economizam” mão de obra e, assim, reduzem o número de trabalhadores envolvidos no processo de produção do ramo onde são aplicadas.

Depois de afirmar que a implementação das novas tecnologias na produção, além de ensejar a redução do número de trabalhadores no setor industrial, afeta diretamente os níveis de sindicalização, Leôncio Martins Rodrigues178 apresenta vários dados econômicos que demonstram claramente a substituição da mão de obra pela automação, com a manutenção ou até aumento expressivo da produção (technological unemployment).

Na década de 1980, na Itália, a Fiat possuía 150 mil trabalhadores e produzia 1,5 milhão de carros. Em 1996, com 75 mil empregados, produziu 1,6 milhão de carros.

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Nos Estados Unidos da América, a empresa United State Steel possuía 120 mil trabalhadores (1980). Uma década depois, com 20 mil empregados, manteve a mesma produção.

Na década de 1950, 33% dos trabalhadores estavam alocados no setor industrial nos Estados Unidos e, na década de 1990, esse número era apenas de 17%.

Na Europa, no período de 1975 a 1995, o setor siderúrgico apresentou uma queda do número de trabalhadores de 991 mil para 326 mil, e na França e no Reino Unido a redução foi mais acentuada, de 75% e 80%, respectivamente.

A Alfa (setor automobilístico), na década de 1980, realizou uma modernização de suas linhas de montagem que empregava 15% a 20% menos em comparação à linha convencional, o que evidentemente trazia grande preocupação aos trabalhadores.179

Depois de diversos estudos sobre a economia do Japão, Helena Hirata180 destacou um forte aumento da produtividade na indústria eletrônica daquele país nos anos 1970 e 1980 e, do total de 3 ou 4 milhões de empregados, houve uma redução para 300 mil trabalhadores (segunda metade da década de 1980). Da mesma forma, ocorreu no setor de indústria siderúrgica japonesa, em que, apesar de...

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