Tecnologia e direito contratual

AutorDouglas de Castro
CargoPós-doutor em direito internacional econômico pela FGV
Páginas10-11
TRIBUNA LIVRE
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1716 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
entrega pelo Brasil, uma vez
que tal instituto não se con-
funde com a extradição, esta
sim com impedimento cons-
titucional aplicável a brasi-
leiros natos. Frise-se o caráter
transnacional das vítimas
dos delitos praticados que
possuem como denominador
comum a violação dos bens
jurídicos de natureza coletiva
“dignidade e liberdade sexual”
e, portanto, sua natureza de
direito humano fundamental
de todos os indivíduos, espe-
cialmente das mulheres1.
1 SANTOS, Celeste Leite dos. A
dignidade e liberdade sexual como
mínimo vital a dignidade da pessoa
humana. In: SANTOS. Maria Celes-
te Cordeiro Leite dos; ARAÚJO, Ma-
Em síntese, os delitos de
natureza sexual tutelam não
apenas a liberdade e a digni-
dade sexuais de determinada
vítima, mas da coletividade de
mulheres que frequentavam o
local em que o médium exer-
cia suas atividades. Houve,
portanto, violação aos direitos
humanos fundamentais de
todas as mulheres vítimas da
violação sexual, sem prejuízo e
eventual caracterização de de-
litos mais graves. Desse modo,
deve ser reconhecida a impres-
critibilidade do jus puniendi
nacional e internacional, uma
rilene (orgs.). Declaração Universal
dos Direitos Humanos: 70 anos de-
pois. Curitiba: Juruá, 2018.
vez que encontra previsão ex-
pressa no Estatuto de Roma.
Espera-se que estas breves
reflexões possam auxiliar as
autoridades locais e inter-
nacionais no cabal esclare-
cimento dos fatos que atin-
giram centenas de vítimas
mulheres no cenário mun-
dial conforme noticiado pela
grande imprensa.n
Celeste Leite dos Santos é associada
do Movimento do Ministério Público
Democrático. Promotora de Justiça.
Doutora em Direito pela Universi-
dade de São Paulo. Especialista em
Direito Penal Econômico pela Uni-
versidade de Coimbra/, e
coordenadora geral dos grupos de
estudos do Ministério Público do Es-
tado de São Paulo.
Douglas de CastroPÓS-DOUTOR EM DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO PELA FGV
TECNOLOGIA E DIREITO CONTRATUAL
Zygmunt Bauman, em
seu livro Modernidade
Líquida, aponta para a
fluidez das relações so-
ciais na modernidade. Embo-
ra alguns possam arguir que
nos encontramos não mais
na modernidade e sim na pós-
-modernidade, o argumento
de Bauman ainda se sustenta:
a sociedade deve estar pre-
parada cada vez mais para
mudanças constantes e cada
vez mais rápidas, exigindo,
portanto, uma resposta adap-
tativa na mesma intensidade.
A fluidez e alta complexi-
dade na pós-modernidade
causam grande ansiedade nos
profissionais do direito, cuja
marca distintiva é a tradição
(a que algumas universidades
ainda se apegam fortemen-
te). Para nós, a solução está
no que Roberto Mangabeira
Unger, ao analisar a forma de
superar o colonialismo men-
tal, chama de economia do co-
nhecimento. Segundo o autor,
a economia do conhecimento
possui três características:
(1) há o potencial de retornos
marginais crescentes, e não a
estagnação que é própria do
exaurimento dos fatores de
produção; (2) a aproximação
endógena entre o esforço de
produção e o avanço da ciên-
cia; e (3) a construção de uma
cultura moral de produção
que ultrapasse o mecanicis-
mo fordista, abrindo espa-
ço para maior autonomia e
emancipação dos participan-
tes do processo produtivo. Es-
tes pressupostos se aplicam
ao direito, como veremos.
Ao relacionar o direito com
a tecnologia, uma das mais
frequentes perguntas feitas
é: como conciliar uma dis-
ciplina tão tradicional com
a linguagem e essência do
avanço tecnológico? A res-
posta não é simples, o que se
dirá se incluirmos a dimensão
da economia, ou seja, a incor-
poração da necessidade de
obtenção de resultados que
possam levar ao crescimento
sustentável.
Já existe um debate de
como incorporar os avan-
ços tecnológicos a algumas
áreas do direito, restritas a
pequenos círculos científi-
cos e a controles de políticas
públicas com a tecnologia de
blockchain. No entanto, na
esfera do direito privado, a
conciliação se torna mais di-
cil em razão da grande dis-
persão das relações privadas.
Nosso objetivo neste ensaio
é apontar os pressupostos
teóricos e empíricos na utili-
zação da tecnologia no direito
contratual, sem a necessida-
de de grandes investimentos
para obtenção de licenças de
sowares.
A análise do contrato é feita
em duas etapas: na primeira,
uma avaliação exploratória
da minuta é realizada visan-
do medir o grau de “sentimen-
to” nas palavras utilizadas;
em segundo, dependendo do
grau de “sentimento” encon-
trado, a análise do conteúdo
contempla parâmetros: texto
(literalidade dos termos utili-
zados no contrato); subtexto
(os aspectos morais do con-
trato); e contexto (a conexão
do contrato com a realidade)1.
Este ensaio se concentrará na
primeira parte em razão des-
ta reunir a maior parte da tec-
nologia embarcada na análise
contratual, assim, traz mais
para perto um do outro: o di-
reito e a tecnologia.
LINGUAGEM
CONTRATUAL
Ao celebrar um contrato,
as partes esperam que ele
produza os efeitos desejados
e que a boa-fé esteja presente
na relação entre elas. Um dos
preceitos básicos no direito
contratual é o de que ele deve
refletir um equilíbrio de obri-
gações que possa beneficiar
as partes. Com isso, não es-
tou excluindo a possibilidade
de condições posteriores que
tornariam um contrato muito
desequilibrado em desfavor
de uma das partes, mas que,
no momento de sua celebra-
ção, negociação e o consenti-
mento conduziram à materia-
lização de suas expectativas
e necessidades mútuas (claro
que se excluem aqui também
os contratos celebrados em
que algum vício do consenti-
mento esteja presente).
Ultrapassar os moldes tra-
dicionais do direito contratu-
al exige mudanças e inovação.
Conforme colocado por Kevin
E. Davis no artigo “Contracts
as Technology”, “assim como
uma nova tecnologia mecâni-
ca colocada em um projeto, a
inovação contratual será in-
corporada em um documen-
to. O contrato serve como um
‘projeto’ para a colaboração”2.
Desse modo, partindo para
uma parte mais prática do
debate e utilizando nossa ex-
periência como pesquisador
da Escola de Direito de São
Paulo –  e advogado do es-
critório Cerqueira Leite Advo-
gados (), uma das primei-
ras providências ao se avaliar
um texto (contrato, tratado
internacional, conjunto de
e-mails, matérias de jornal
sobre um determinado tema,
dentre outros) é a identifica-
ção do grau de positividade,
negatividade ou neutralidade
dos termos utilizados. Como
fazer isso se não tenho acesso
ao Watson, da  (para ci-
tar somente um dos diversos
sistemas de inteligência arti-
ficial)? De toda forma, o que
está por detrás do Watson é o
chamado “processamento de
linguagem natural” (), que,
de acordo com o Wikipédia,
é uma subárea da ciência da
computação, inteligência artificial
e da linguística que estuda os pro-
blemas da geração e compreensão
automática de línguas humanas
naturais. Sistemas de geração de
linguagem natural convertem
informação de bancos de dados
de computadores em linguagem
compreensível ao ser humano e
sistemas de compreensão de lin-
guagem natural convertem ocor-
rências de linguagem humana em
representações mais formais, mais
facilmente manipuláveis por pro-
gramas de computador. Alguns de-
safios do PLN são compreensão de
linguagem natural, fazer com que
computadores extraiam sentido
de linguagem humana ou natural
e geração de linguagem natural.3
Dentro do  temos a cha-
mada análise de sentimento4,
que na sua essência promove
a verificação do texto vis-à-
-vis uma compilação de léxi-
cos que indiquem graus de
negatividade, positividade ou
neutralidade dos termos. Esta

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