Tambores Negros que Saíram do Campo e Subiram o Morro

AutorFelipe Galery Batista
Páginas208-213
CaPítulo
21
TAMBORES NEGROS QUE SAÍRAM
DO CAMPO E SUBIRAM O MORRO
Felipe Galery Batista(1)
(1) Bacharel em música/composição pela Universidade Federal de Minas Gerais.
1. INTRODUÇÃO
Este breve texto busca relacionar a música com mo-
vimentos sociais, tomando como referência fatos histó-
ricos e a realidade atual brasileira, com ênfase em suas
raízes africanas.
Naturalmente, não nos propomos a esgotar o tema.
Nosso propósito é apenas o de chamar a atenção para
esse aspecto pouco percebido na música.
Conta-se, por exemplo, que nas velhas fazendas
norte-americanas, o senhor de escravos costumava cha-
mar alguns deles, à noite, para que cantassem em suas
varandas; e os escravos – impedidos, virtualmente, de
se comunicar durante o dia – usavam aqueles momen-
tos para cantar planos de fuga.
O que esse texto propõe, como dizíamos, é mostrar
como a música – por mais harmônica que seja – pode
ajudar a construir desarmonias positivas, servindo aos
oprimidos, em suas lutas contra os opressores.
A área científica que busca estudar e conhecer a
música é chamada “Musicologia”. Dentre os inúmeros
subgrupos desta grande região do conhecimento, estu-
daremos algo da Etnomusicologia, ou seja, de aspectos
político-sociais de grupos étnicos, sob o ponto de vista
musical.
2. PANORAMA GERAL
As culturas africanas – dito isso propositalmente no
plural, para lembrar que a África é um grande aglome-
rado de centenas de culturas – foram trazidas ao Brasil
juntamente com os negros sequestrados no período es-
cravocrata.
Apesar da grande variedade de culturas, as duas
principais raízes africanas que mais tarde dariam ori-
gem ao brasileiro foram os povos bantos, localizados
em países hoje conhecidos como Angola, Congo e Mo-
çambique e os povos sudaneses, localizados em países
hoje conhecidos como Nigéria e Senegal. Esses grupos
trouxeram ao Brasil suas línguas, culinárias, religiões,
tecnologias e, claro, múltiplas formas de arte, inclusive
a música; elementos que foram de extrema importância
na construção do país e do povo que conhecemos hoje.
Uma das principais características da música africa-
na, de um modo geral, é o uso constante da percussão e
da voz, assim como ritmos interpretados – erroneamen-
te – como “sincopados” (um ritmo que “foge à regra”).
Dizemos “erroneamente”, porque o conceito de “sínco-
pe”, ou regularidade, só faz sentido sob uma visão eu-
rocêntrica, uma vez que a música africana apenas foge
à regra da música europeia, mas é bastante fiel a suas
próprias regras e formas de pensar.
3. RELIGIÃO E MÚSICA
Ao desembarcar nas costas brasileiras, os africanos
chegavam a uma terra estranha, depois de uma longa e
sofrida viagem. Assustados e desorientados, eram visto-
riados, pesados, medidos e vendidos, e depois aprisio-
nados entre as fronteiras das grandes fazendas.
Era comum a separação de pessoas que se conheciam
e a mistura de escravos de origens e línguas diferentes,
para dificultar a comunicação entre eles. Criava-se, en-
tão, na senzala, uma grande miscelânea de culturas,
crenças e línguas, ainda que muitas vezes semelhantes,
por conterem uma mesma origem – em geral, o Banto.

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