A sustentacao de um discurso critico criminologico na Revista de Direito Penal e Criminologia (1971-1983)/The support of a critical criminological discourse in the Journal of Criminal Law and Criminology - Revista de Direito Penal e Criminologia (1971-1983).

AutorMartins, Fernanda
  1. Introducao

    A esfera do poder punitivo representado pelo disciplinamento e pelo enfoque na pena de prisao, consubstancia o poder que se reconhece como repressivo. O presente trabalho visa construir, diante da analise das Revistas de Direito Penal e Criminologia, no que tange a deslegitimacao do controle penal, um aparato dos discursos que se fizeram presentes ao longo do periodico com o intuito de evidenciar qual era o argumento dos juristas que reivindicavam alguma modificacao no sistema penal.

    Os movimentos desenvolvidos na decada de 1960 e 1970, que surgiram como um processo de elaboracao da critica a ordem instituida, relacionaram a sociedade a criminalizacao, colocaram em analise os discursos penais de controle social atraves do vies materialista-dialetico, fundamentaram na critica a economia de exploracao do sujeito marginalizado e das nocoes de verificacao macro e microssociologicas de analise do objeto bem constituido atraves do seu espaco e tempo. Este processo no vies da criminologia pode ser reconhecido como a construcao da criminologia critica, a qual teve como fases do seu desenvolvimento as chamadas "nova criminologia" e a "criminologia radical" (ANIYAR DE CASTRO, 1983).

    Os conceitos de criminologia critica que vao definir o que ora se entende pelo saber, serao aos poucos complementados pelas falas dos autores que publicaram ao longo da Revista de Direito Penal e Criminologia. A primeira conceituacao que se pode aplicar a criminologia critica e a de que esta se refere a um conhecimento que se desenvolveu a partir "da 'Criminologia Radical' e 'da nova Criminologia', por dentro do paradigma da reacao social e, para alem dele, partindo tanto do reconhecimento da irreversibilidade dos seus resultados sobre a operacionalidade do sistema penal quanto de suas limitacoes analiticas macrossociologicas e mesmo causais." (ANDRADE, 2012, p. 52)

    E imprescindivel para se compreender do que se trata a criminologia critica estabelecer que a "criminologia critica e um estado avancado do conhecimento criminologico que conclui pela critica materialista dos processos de criminalizacao nos paises de capitalismo avancado," (ANDRADE, 2012, p. 52) e que o interesse do criminologo se formula nos processos de criminalizacao, o que permite perceber que a saida teorica para tal objeto consiste na realizacao do "estudo das razoes estruturais que sustentam, numa sociedade de classes, o processo de definicao e de enquadramento." (ANDRADE, 2012, p. 52)

    A primeira indicacao de criminologia critica na Revista de Direito Penal, que posteriormente passou a se chamar Revista de Direito Penal e Criminologia, ja se destaca na sua primeira edicao, em 1971, com a publicacao do texto intitulado "Criminologia Critica", de W.H. Nagel, advogado e criminologo holandes que se destacou por seus estudos criminologicos ao longo e apos a Segunda Guerra Mundial, tendo sido esse trabalho fruto de exposicao efetuada pelo autor ao VI Congresso Internacional de Criminologia, realizado em Madri, em setembro de 1970. Apesar de seu texto nao categorizar sobre definicao sobre criminologia critica e nao se enquadrar efetivamente nos criterios estabelecidos ao conceito de criminologia critica apresentados pelos criminologos radicais estadunidenses e pelos criminologos ingleses da nova criminologia de Walton, Young e Taylor, Nagel deixa claro que a critica a ser efetuada deve partir de uma nova perspectiva; ou seja, aquele pensamento criminologico anteriormente posto deve questionar essencialmente os motivos que sustentam a continua discussao em ambito academico da criminologia tradicional sobre o mesmo tipo de criminalidade, a chamada criminalidade convencional que ampara os crimes comuns, definidos principalmente pelos crimes contra a propriedade tais como furto, roubo, estelionato, etc.

    Nagel desenvolve um discurso referindo-se a necessidade da critica na area da criminologia, evidenciando o rompimento ha um longo tempo com a criminologia etiologica, contudo, afirma que os congressos dos quais havia participado recentemente (1970) ainda continuavam discutindo a personalidade do criminoso e "outras frivolidades", tais como crimes de furtos de grandes lojas e do trabalho na prisao (NAGEL, 1971, p.75). Essa denuncia vem como resultado de um questionamento de como e possivel apos a humanidade ter passado pelos horrores da Segunda Guerra Mundial e pela pratica notoria do genocidio continuar a discutir pequenos e pontuais problemas que envolvam a criminalidade.

    O texto citado entra em destaque para inaugurar no presente trabalho a criminologia critica na Revista como um marco de critica a continuidade de pensamento tradicionalmente marcado pelo paradigma etiologico e pela reproducao do pensamento criminologico sem analise social e desvinculado da realidade, nesse caso, europeia. Ainda, e relevante o diagnostico elaborado pelo autor, no sentido de que ha um processo de reproducao de pensamento estagnado no meio do pensamento criminologico e que a criminologia critica vem com a proposta de superacao dessa ideia.

    O fomento a reflexao sobre a criminalidade nao tradicional se desenvolve no ambito do paradigma da reacao social como um novo olhar desmistificador sobre a selecao dos processos de criminalizacao, tornando evidente a problematica de que o crime e praticado por todos, independentemente de classe social, e que a questao esta nas condutas e nos sujeitos que sao filtrados ate serem criminalizados pelo sistema.

    A criminologia critica sobre a qual Nagel se refere se desenvolve a partir da nocao de que a propria critica deve ser efetuada atraves de reflexoes elaboradas sempre nos mesmos termos, sobre os mesmos assuntos e sobre a necessidade de se pensar o terrorismo, o genocidio, a corrupcao, os crimes economicos, ou seja, a condutas que afetam de forma mais contundente e mais ampla a sociedade.

    Sobre o acervo do periodico utilizado como fonte e necessario expor que o total de publicacoes analisadas foi de 176 (cento e setenta e seis) artigos, dos quais 132 (cento e trinta e dois) contemplavam autores brasileiros. O numero total de autores brasileiros publicados foi 56 (cinquenta e seis), sendo que de Sao Paulo foram 07 (sete) juristas e do Rio de Janeiro foram 24 (vinte e quatro). Ainda vale destacar que as publicacoes de vinculadas ao Instituto de Ciencias Penais e a Faculdade Candidos Mendes alcancaram o total de 20 (vinte) autores. (3)

    De acordo com o quadro que ora se destaca, revela-se a separacao do conteudo das secoes analisadas em 08 (oito) grandes categorias, as quais sao: 1. Direito Penal, 2. Criminologia, 3. Politica Criminal e critica a prisao, 4. Processo Penal, 5. Assuntos diversos, 6. Biografias, 7. Publicacoes de Roberto Lyra Filho e 8. Pesquisas.

    A historia da Revista trata-se da historia recente do direito penal que substancialmente denuncia a pena de prisao, da criminologia critica e da reivindicacao de novos olhares sobre a politica criminal no Brasil. Portanto, no presente trabalho propoe-se demonstrar fragmentos dessa historia, apresentando de que forma os autores brasileiros trouxeram as teorias latino-americanas e dos paises centrais a realidade e a necessidade do Brasil diante da perspectiva macrossociologica.

    Assim, visa-se atraves de breves exposicoes que serao apresentadas a partir dos escritos publicados na Revista, demonstrar o conteudo daquilo que e dito e daqueles que participaram dessa historia de critica ao controle penal.

    De acordo com as tabelas que se apresentam abaixo e possivel demonstrar que dentro de todo o campo da criminologia, ocorreu uma superacao de publicacoes na sua vertente critica sobre as demais tematicas. Ainda, e verificavel a influencia de Alessandro Baratta nas publicacoes, haja vista os autores que ora sao apresentados como criticos utilizarem a perspectiva de Baratta como indicacao conceitual de suas escritas.

    Tal acervo fundamenta a selecao dos autores que aqui se escolhem para representar parte das publicacoes realizadas ao longo da Revista.

    2.1 Alessandro Baratta e a criminologia critic

    Tem-se como primordial para compreender o processo de construcao do pensamento da criminologia critica no Brasil a partir do que se produziu na Revista de Direito Penal e Criminologia, a verificacao de um referencial teorico devidamente delimitado, conceituando-se a criminologia critica a partir do seu grande definidor, Alessandro Baratta. Todavia, para que o proposito da presente pesquisa se concretize aos olhos do leitor, no sentindo de experienciar tambem o desenvolvimento teorico que ocorre no interior da Revista, decidiu-se utilizar majoritariamente aquilo que se publicou nas Revistas e, assim, a partir daqueles e daquilo que a Revista enuncia, constituir o que se pode entender por criminologia critica. As poucas inclusoes que foram feitas que extravasam as publicacoes nas Revistas sao conteudos dos proprios autores que complementam as exposicoes teoricas apresentadas nos textos abordados nas proprias Revistas e, ainda, algumas colocacoes nossas de carater elucidativo.

    A escolha por Alessandro Baratta como principal marco teorico ocorreu devido as suas publicacoes terem sido as mais significativas nas Revistas no que tange a criminologia critica e seus fundamentos conceituais.

    Alem de o autor construir em momentos diversos o percurso da criminologia e definir de forma pontual as caracteristicas de cada momento passado pelo pensamento criminologico (4), Baratta desenvolve em todas as suas analises e discursos as premissas da criminologia critica.

    Da mesma forma, com a mesma atuacao, mas em relacao ao pensamento latinoamericano, optou-se por referencial das "terras de ca", Lola Aniyar de Castro. A opcao que se fez pela autora se deve tambem as suas publicacoes (ANIYAR DE CASTRO, Lola. A evolucao da teoria criminologica e a avaliacao de seu estado atual. Revista de Direito Penal. Rio de Janeiro, Editora Forense, n. 34, jul.- dez. 1982.; ANIYAR DE CASTRO, Lola. Sistema penal e sistema social: a...

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