Sustentabilidade económica e ambiental: um ideal da sociedade internacional

AutorAna Claudia Duarte Pinheiro/Marlene Kempfer Bassoli
CargoDoutora em Direito do Estado-Direito Tributario, pela PUC-SP. Professora dos programas de Mestrado em Direito da Universidade Estadual de Londrina-UEL/PR e da Universidade de Marília-UNIMAR/SP.
Páginas110-129

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1 Introduçáo

Ao longo das últimas décadas, significativas transformacóes vém ocorrendo em ámbito de políticas públicas internas, voltadas a protecáo do meio ambiente, tanto no que se refere a preservacáo, quanto em relacáo a sua recuperacáo.

Tal preocupacáo está presente em Organismos internacionais e blocos regionais, demonstrando, mediante propostas e projetos, a importancia da implementacáo de acoes direcionadas ao meio ambiente e que se expandem mundo afora.

A viabilizacáo do processo desenvolvimentista determinada ao longo do século XX e que se consolidou como um novo modo de producáo denominado capitalismo influenciou culturas e sociedades. Os últimos cinqüenta anos foram determinantes para urna nova rede de relacoes que provocaram significativas mudancas ñas estruturas políticas dos Estados em conseqüéncia de um novo modelo económico de efeito globalizante.

Evidenciou-se a aproximacáo entre os Estados com a formacáo de blocos regionais e adesáo a organismos multilaterais. A integracáo tem se revelado essencial tanto para os países de frágil economía, quanto para os países desenvolvidos. A globalizacáo económica expressa a confirmacáo das transformacoes alcanzadas pelo mundo contemporáneo e que, se proporcionou avancos tecnológicos, o mesmo nao aconteceu no plano social, ambiental e político.Page 111

A questáo ambiental emerge nesta rede de relacoes. Trata-se de um dos valores mais importantes para toda a humanidade e que se evidencia a cada vez em que sao colocados em confronto os interesses da sociedade internacional, tanto aos mais desenvolvidos, quanto aos que se encontram em fase de desenvolvimento.

A existencia humana implica em respeito as condicoes que lhe permitem urna sobrevivencia digna. Certamente que tais condicoes nao se resumem únicamente a questáo económica. Importa ao processo de globalizacáo, valores que exprimem os interesses da sociedade como um todo. O meio ambiente é um dos que mais expressam a convergencia de tais interesses, ainda que, por diversas oportunidades, se evidenciem antagonismos, no que diz respeito a exploracáo dos recursos ambientáis.

Apresenta-se nesta pesquisa um relato da importancia dada ao tema ambiental, em nivel internacional. Primeiramente demonstra-se a abordagem oferecida pela Organizacáo Mundial do Comercio. Na seqüéncia, sao apresentadas as acoes propostas pela Uniáo Européia e o MERCOSUL, no intuito de demonstrar que as questoes relacionadas ao meio ambiente sao reveladas como preocupacoes constantes, embora poucos avancos se consolidaram..

Ao final urna abordagem sobre a questáo da harmonizacáo legislativa na formacáo e consolidacáo de blocos regionais em temas fundamentáis, entre eles, o do meio ambiente e desta forma caminhar para o desenvolvimento sustentável.

2 Organizaçáo mundial do comercio - OMC

O conceito de desenvolvimento sustentável, reconhecido a partir da realizacáo da ECO-92 e incorporado no GATT-94 e posteriormente pela OMC, considerou a importancia do tema para a Sociedade Internacional. Sidney Amaral Cardoso (2003, p. 275), ao explanar sobre o documento de constituicáo da OMC, expoe:

Segundo o documento, as relacoes entre os membros no campo do comercio e de esforcos económicos deveriam ser conduzidos com vistas a aumentar os padróes de vida, assegurar o pleno emprego, permitindo o uso ótimo dos recursos mundiais em consonancia com os objetivos do desenvolvimento sustentável, buscando tanto proteger e preservar o meioPage 112 ambiente quanto intensificar os meios para fazé-lo de urna maneira consistente com as respectivas necessidades e preocupacóes em diferentes níveis de desenvolvimento económico.

Com o objetivo essencialmente económico - nesta era de abertura comercial e liberalizacáo dos mercados - o alerta da OMC nao discrepa em sua constituicáo, da condicáo de manter sua influencia sobre o comercio mundial, estabelecendo suas regras específicas, sem descuidar de temas relevantes para toda a humanidade, como é o caso do meio ambiente, que angariou expressivo valor a partir da Conferencia de Estocolmo, consolidando-se definitivamente com a realizacáo da ECO-92.

Evidenciou-se em 1995 a importancia - ainda que tímidamente demonstrada - cada vez maior dada as questoes relativas a natureza e ecología, quando o Conselho Geral da OMC criou o Comité sobre Comercio e Meio Ambiente - CTE, com o objetivo de "estabelecer urna relacáo construtiva entre o comercio e preocupacóes ambientais"(CARDOSO, 2003, p. 275).

Mesmo assim sua atuacáo é limitada por diversos motivos, dentre os quais se destacam questoes de natureza ideológica - o entendimento de que a liberalizacáo comercial resultará em beneficios ao meio ambiente, ao comercio e ao desenvolvimento - o que reflete o antagonismo entre os interesses comerciáis e ambientáis. Suas atribuicóes sao apresentadas por Sidney Amaral Cardoso (2003, p. 275-276):

Em primeiro lugar foi atribuida ao CTE a tarefa de identificar relacóes entre medidas comerciáis e ambientáis com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável e, em segundo lugar, fazer recomendacóes apropriadas para que modificacóes fossem implementadas ñas regras do sistema multilateral de comercio. Assim, com o intuito de fazer que o comercio internacional e políticas ambientáis se tornassem mutuamente sustentáveis, ao CTE foi determinada a abordagem de alguns temas específicos, dentre os quais ressaltam-se:

- A relacáo entre provisóes do sistema multilateral de comercio e medidas comerciáis com propósitos ambientáis, incluindo-se aquelas pertinentes a tratados multilaterais ambientáis (TMAs);

- A relacáo entre políticas ambientáis relevantes para o comercio e medidas ambientáis com efeitos comerciáis significantes e as provisóes do sistema multilateral do comercio;

- A relacáo entre as provisóes do sistema multilateral de comercio e:

c) cobrancas ou taxas com propósitos ambientáis;

d) exigencias com propósitos ambientáis relacionadas a produtos, incluindo padróes e regulamentacóes técnicas, embalagem, rotulagem e reciclagem.Page 113

- A relacáo entre mecanismos de solucáo de controversias do sistema multilateral de comercio e aqueles de TMAs.

- Os efeitos de medidas ambientáis para o acesso a mercados, especialmente em relacáo aos países em desenvolvimento, em particular em relacáo aos menos desenvolvidos, e os beneficios ambientáis de remocáo de restricoes e distorcoes ao comercio.

- A questáo da exportacáo de bens domésticamente proibidos.

A relevancia dos temas propostos, contudo, nao modifica os fundamentos da criacáo da OMC, qual seja - a liberalizacáo do comercio mundial - nem é esta a intencáo. O que se pretendeu com a criacáo do CTE foi a análise de "políticas ambientáis que interfiram ñas relacoes comerciáis entre os membros" (CARDOSO, 2003, p. 277), o que já representa um avanco, porém distanciado dos ideáis marcados pela proposta do desenvolvimento sustentável e que implica no "reconhecimento de que preocupacoes com o meio ambiente devem nortear todas as fases da atividade económica, ou seja, producáo, transporte, comercio e consumo" (CARDOSO, 2003, p. 277).

Apesar do respeito a política ambiental adotada pelos Estados, em consideracáo ao exercício da soberanía dos países-membros, a OMC nao deixa de expressar sua preocupacáo com a atuacáo estatal de seus membros em relacáo a questáo. Tanto é verdade e expressiva a valorizacáo dada ao tema ambiental pela OMC, que foi prevista a possibilidade de imposicáo de medidas constitutivas de barreiras ao livre comercio, no GATT 1994 a título de excecáo a obrigacáo de nao discriminacáo e "destinadas a proteger a vida ou a saúde de seres humanos, dos animáis ou vegetáis (Artigo XX (b)), bem como aquelas relativas a conservacáo de recursos naturais náo-renováveis (Artigo XX (g)" (CRETELLA NETO, 2003, p. 421).

A multilateralidade da OMC, porém, padece de algumas limitacoes, dentre as quais se destaca o seu objetivo principal: liberalizacáo comercial mediante a protecáo ao livre comercio e a condicáo secundaria da questáo ambiental. Assim, mesmo reconhecida a sua importancia, nao se destaca a intencáo de impor medidas de caráter supranacional em protecáo ao meio ambiente. O fundamento é o respeito a soberanía dos Estados-membros e as diferentes condicoes que se apresentam entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, pois podem resultar em evidente desvantagem competitiva destes em comparacáo com aqueles.Page 114

Ana Maria de Oliveira Nusdeo confirma, ao destacar o artigo XX do GATT, a importancia dada ao tema ambiental, contudo alerta para "o problema do conflito entre protecáo ambiental e liberdade de comercio" (NUSDEO apud PIMENTEL, 2003, p. 18)1, por conta das diferencas económicas existentes entre os países de maior desenvolvimento em relacáo aos chamados países subdesenvolvidos.

A influencia da Sociedade Internacional - formada hoje pelos Estados soberanos e por organismos internacionais das mais diversas naturezas, objetivos e vocacóes - é cada vez mais evidente no conjunto de normas internas. A humanidade assimilou, ao longo de sua existencia, os valores por ela considerados importantes para a realizacáo de suas necessidades e anseios, tanto em termos individuáis, quanto coletivamente. O jogo de interesses, as possibilidades diferentes de cada um dos atores globais e os antagonismos evidenciados demonstram o grau da evolucáo humana, que nao deve ser medida como avanco ou retrocesso, mas como etapas importantes do seu percurso.

3 Uniáo européia

O alto custo humano e económico, decorrentes das duas guerras realizadas na primeira metade do século XX, foi arrasador para o chamado velho mundo, que entrou em urna era de declínio económico e político. Reerguer-se das cinzas era o desejo comum dos povos que há pouco tempo haviam sido rivais.

A formacáo do bloco regional, inicialmente...

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