Apontamentos sobre a suspensão do livramento condicional (art. 145 Da LEP), a partir do arranjo constitucional em que se comunicam direito, processo e execução penal

AutorDomingos Barroso da Costa/Eugênio Pedro Gomes de Oliveira Júnior
CargoDefensor Público (RS) Especialista em Criminologia e Direito Público Mestre em Psicologia (PUC-Minas)/Defensor Público (RS)
Páginas13-16

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Passados quase trinta anos desde a publicação da Lei
7.210/84, não é sem espanto que se constata que a execução penal, no Brasil, se mantém um campo de incertezas, bem refletindo o caos que caracteriza nosso sistema prisional. A divergência predomina e, para além das históricas omissões do Poder Executivo em concretizar as disposições de nossa Lei de Execução Penal (LEP), fato é que nem mesmo no âmbito estritamente jurídico se atingiu um grau considerável de estabilidade e segurança no que concerne a sua interpretação e aplicação.

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A exemplificar as inseguranças e incertezas que assombram a execução penal, merece destaque a insuperável resistência em se es-tender a seu âmbito a aplicação dos princípios de direito e processo penal. A nosso ver, uma recusa injustificável, haja vista que é justamente no curso da execução que o sujeito vê-se mais vulnerável face ao poder estatal, que por ela se expressa em sua forma mais crua e violenta. Ou seja, é precisamente na fase de cumprimento da sanção penal que mais eficazes devem ser as garantias que tutelam o sujeito em face do Estado – o que ganha especial relevo quando se trata da pena privativa de liberdade –, de modo que a resistência à aplicação dos princípios de direito e processo penal nessa fase revela, no mínimo, uma grave incoerência, para não dizer de uma surpreendente leniência frente à reiterada violação de normas (princípios) constitucionais.

O enunciado da Súmula Vinculante 5 inclusive vai além da tolerância que se critica, ele próprio violando explicitamente a Constituição em uma de suas principais garantias. Afinal, ao definir que “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”, o referido enunciado expressa afronta direta aos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV), na medida em que se aplicam aos processos administrativos e, com muito mais razão, aos que se desenvolvem em sede de execução penal, nos quais há riscos diretos à liberdade do acusado. Diga-se, inclusive, que o próprio STF cuidou de minorar os efeitos do desastrado texto, afirmando-o inaplicável em sede de execução penal1.

Contudo, as tentativas de correção do desastre não foram eficazes em impedir a aplicação da referida súmula em sede de execução penal, mesmo sendo tão explícita a violação constitucional que se expressa por seu texto2. Recusar a aplicação de princípios como os do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência em execução penal beira o cinismo. Isso porque a execução penal nada mais é do que a efetivação de uma sanção definida no preceito secundário de um deter-minado tipo penal que se impõe a alguém ao fim de um processo penal, no bojo do qual foi reconhecido como autor de uma conduta descrita no preceito primário daquele determinado tipo penal. Assim sendo, imperativa a conclusão de que a execução penal tem o mesmo fundamento do direito e do processo penal, qual seja, o poder de punir do Estado, em face do qual o sujeito deve estar sempre protegido segundo as garantias constitucionais, às quais se deve assegurar máxima eficácia, de modo que, quanto mais vulnerável estiver o sujeito diante do Estado, mais efetiva haverá de ser sua incidência.

Vê-se, pois, que não há o que justifique qualquer resistência à aplicação das garantias constitucionais penais e processuais penais em sede de execução.

Essas considerações introdutórias têm grande importância para o desenvolvimento deste estudo, uma vez que preparam as reflexões que se pretende expor especificamente no que tange à aplicação do princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF) no curso da execução.

A esse respeito, e por todo o exposto, cumpre de início esclarecer que dúvidas não há quanto à sua incidência também nessa fase. Afinal, o cidadão que cumpre pena privativa de liberdade também está sujeito a acusações pela prática de outras – e novas – infrações penais, de modo que faz jus à proteção das garantias constitucionais que incidem na hi-pótese, especialmente porque nossos juízes e tribunais têm frequentemente admitido e atribuído efeitos imediatos a tais acusações, em pronta e plena limitação à relativa liberdade que o apenado possa estar desfrutando no curso da execução, independentemente de sua prévia oitiva e outras providências que esteiam o sistema acusatório, fundado em princípios como da presunção de inocência, contraditório e ampla...

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