O surgimento do PSD e o sistema partidário brasileiro

AutorSergio Simoni Jr - Ricardo Mendes Ribeiro
CargoProfessor do Programa de Políticas Públicas e do Programa de Ciência Política da UFRGS. E-mail: sergiojr_ssj@yahoo.com.br - Doutor em Ciência Política pelo DCP-USP. Analista político MCM Consultores. E-mail: ricardomribeiro@uol. com.br
Páginas54-85
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2019v18n42p54
5454 – 85
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O surgimento do PSD e o
sistema partidário brasileiro1
Sergio Simoni Jr2
Ricardo Mendes Ribeiro3
Resumo
O que explica a volta do fenômeno de formação de novos partidos relevantes no Brasil? Como
isto se relaciona com a institucionalização do sistema partidário ou a estrutura da competição?
Avançamos nessa discussão a partir da análise do Partido Social Democrata (PSD). Reconstituímos
seu processo de formação, sublinhando atores, estratégias e conjunturas; analisamos o compor-
tamento legislativo na Câmara dos Deputados dos parlamentares que migraram para o partido e
exploramos seu desempenho eleitoral em 2012 e 2014, ressaltando lançamento de candidaturas e
o perl local de votação no partido. Chamamos atenção para o fato de que a estrutura da compe-
tição partidária federal e local conferem lógica aos fenômenos analisados. Além disso, defendemos
que são centrais para entender a formação e força do PSD, e dos demais novos partidos, as deci-
sões e interpretações do Poder Judiciário sobre as leis partidário-eleitorais, elemento não previsto
nas teorias comparadas de formação de novos partidos.
Palavras-chave: Partidos políticos. Institucionalização do sistema partidário. Novos partidos. Sis-
tema de partido multinível.
Introdução
Em texto de balanço após a eleição de 2014, Avelino (2015) senten-
ciou: “Brasil, o maior NEP [Número efetivo de partidos] do mundo!”.
1 Agradecemos os comentários de Bruno Bolognesi e demais participantes do III Fórum Brasileiro de Pós-Gradu-
ação em Ciência Política a uma versão anterior do trabalho, e a Joyce Luz pelo acesso aos dados legislativos.
Sergio Simoni Junior agradece ainda a bolsa de pós-doutorado conferida pelo INCT “Instituto da Democracia e
da Democratização da comunicação”, no âmbito do CESOP/UNICAMP.
2 Professor do Programa de Políticas Públicas e do Programa de Ciência Política da UFRGS. E-mail: sergiojr_ssj@
yahoo.com.br
3 Doutor em Ciência Política pelo DCP-USP. Analista político MCM Consultores. E-mail: ricardomribeiro@uol.
com.br
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 18 - Nº 42 - Mai./Ago. de 2019
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Essa percepção não é recente. Há cerca de 25 anos, o famoso brasilianista
omas Skidmore declarou, em uma entrevista, que “o sistema partidá-
rio [brasileiro é] o mais fragmentado de qualquer democracia no mundo”
(NICOLAU; SCHIMITT, 1995, p. 129).
Esse diagnóstico, muitas vezes inserido em uma discussão mai-
or sobre institucionalização do sistema partidário, é um dos principais
temas de pesquisa da Ciência Política brasileira (NICOLAU, 2010).
Diversos trabalhos defendem que os partidos nacionais são pouco
institucionalizados, têm ideologia uida e não possuem sólidas raízes so-
cietárias (MAINWARING, 1999; MAINWARING; TORCAL, 2005;
KINZO, 2004). Alguns mecanismos institucionais são apontados como
causas desse cenário, notadamente: o sistema eleitoral de lista aberta com
magnitude elevada, a possibilidade de coligações eleitorais, e, pontos que
nos interessam sobremaneira neste texto, a migração partidária (de mag-
nitude elevada até 2007, antes de sofrer regulamentações do Poder Judi-
ciário), e o federalismo robusto, que fortalece a arena local.
Um conjunto de trabalhos, ainda que com assertividades diferen-
tes, tem defendido uma visão alternativa (LIMONGI; CORTEZ, 2010;
MELO, 2010; MELO; CÂMARA, 2012; BRAGA, 2010; CORTEZ, 2009;
LIMONGI; VASSELAI, 2018). Para esses autores, o sistema partidário
teria uma lógica de funcionamento “simples e inteligível” (LIMONGI;
CORTEZ, 2010, p. 22). Ressaltam que, embora a fragmentação impere nas
eleições legislativas proporcionais, nas disputas majoritárias – as mais impor-
tantes para os políticos e para os eleitores –, observa-se uma concentração em
poucas legendas. Nos pleitos presidenciais, a proeminência do Partido dos
Trabalhadores (PT) e do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) é
clara de 1994 a 2014. Alguns desses autores argumentam que esses partidos
replicariam sua hegemonia também nas disputas estaduais.
Dentro dessa linha de argumentação, Melo e Câmara (2012) ressaltam
que a saída de várias legendas do jogo presidencial e mesmo nos pleitos
para governador não implicaria sua irrelevância no sistema político, pois,
no presidencialismo de coalizão multipartidário, bancadas legislativas re-
presentam um importante ativo de poder. Assim, algumas legendas traça-
riam estratégias de modo a maximizar sua força nesta arena.
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O quadro de estabilidade proposto por esses autores não cou imune
a críticas. Carreirão (2014), por exemplo, apresenta uma posição contrária.
Dentre outros argumentos, o autor destaca que “[...] a criação do PSD [...]
parece mostrar que aquela tendência à estabilidade talvez não tenha sido
tão duradoura” (CARREIRÃO, 2014, p. 265). É a partir desse ponto que
este trabalho se desenvolve.
De fato, após 2011, assiste-se ao retorno da formação da formação de
novos partidos relevantes. Dentre estes, destaca-se o Partido Social Demo-
crático (PSD)4, que, no momento da formação, atraiu cerca de 10% da
Câmara dos Deputados (tornando-se o terceiro maior partido na Câmara
dos Deputados, abaixo de PT e PMDB), dois governadores, dois senadores
e seis vice-governadores (em São Paulo, Bahia, Mato Grosso, Rio Grande
do Norte, Paraíba, Tocantins).
Como explicar esse fenômeno? Novas clivagens surgiram na política
brasileira; choques externos abalaram o sistema; uma reforma política foi
aprovada? Anal, o sistema partidário brasileiro não teria uma estrutura
organizadora?
Apresentamos dois principais argumentos neste texto. O primeiro é
que, antes de demonstrar sua inadequação, o processo de formação do
PSD pode ser explicado precisamente pela tese da estrutura da competi-
ção, embora demandando renamentos analíticos. O cerne do processo
político de formação do partido diz respeito a movimentações da elite po-
lítica em busca de maximizar sua força congressual e local. Generalizando,
defendemos que o retorno da relevância do processo de criação de novos
partidos é compreensível no bojo da interdição à migração partidária. E,
como demonstraram os estudos sobre a lógica deste fenômeno, deve ser
analisada dentro de uma perspectiva multinível, ou seja, de uma deter-
minação recíproca entre os níveis nacionais e locais do sistema partidário.
O nosso segundo argumento busca contribuir para as teorias de for-
mação de novos partidos. Argumentamos que uma das principais variáveis
que inuenciaram a formação e a força do PSD foram decisões do Poder
4 O Partido Republicano da Ordem Social (PROS) e o Solidariedade (SD) são outros partidos novos relevantes
que, acreditamos, também podem ser explicados segundo a lógica exposta neste artigo.

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