Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Sétima Secção)

AutorGranja Fonseca
Páginas298-319

Page 298

1246/10.9TJLSB.L1.S1

  1. SECÇÃO

    GRANJA DA FONSECA EMPREENDIMENTO TURÍSTICO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA

    ACÇÃO INIBITÓRIA

    CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL DEVER DE COMUNICAÇÃO DEVER DE INFORMAÇÃO DEVER DE ESCLARECIMENTO

    PRÉVIO

    EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES

    BOA -FÉ

    04-2014

    UNANIMIDADE

    S

    1

    REVISTA

    NEGADA A REVISTA

    DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS

    / DIREITOS REAIS DE GOZO / DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA.

    DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.

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    Doutrina:

    - António Pinto Monteiro, "O novo regime jurídico dos contratos de adesão/ cláusulas contratuais gerais", Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62, Volume I, janeiro de 2002, Artigos Doutrinais, p.5.

    Legislação Nacional

    DL Nº 446/85, DE 25-10 (RCCG), COM AS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS INTRODUZIDAS PELO DL Nº 249/99, DE 7-7, E PELO DL Nº 322/2001, DE 17-12: - ARTIGOS 1º, Nº1, 2º, 12º, 15º, 16º, 18º, 19º, 21º, 22º, 25º.

    LEI DO CONSUMIDOR - LEI Nº 24/96, DE 31-7: - ARTIGOS 3º, ALÍNEA C), 8º.

    REGIME JURÍDICO DA HABITAÇÃO PERIÓDICA - DL Nos 275/93, DE 5-8, COM AS ALTERAÇÕES ENTRETANTO INTRODUZIDAS PELO DL Nº 180/99, DE 22-5, E PELO DL Nº 37/2011, DE 10-3: - ARTIGOS 5º, Nº 2, ALS. C), D), G) E P) A T), 45º, Nos 3 E 5, 48º, Nº 5, AL. A), 60º, Nos 6 E 7.

    DIRECTIVA COMUNITÁRIA 93/13/ CEE, DO CONSELHO DE 5/04/1993: - ARTIGO 5º.

    ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

    -DE 19-10-2010, IN WWW.DGSI.PT .

    I - O regime jurídico da habitação periódica, resultante do regime jurídico constante dos DL nos 275/93 de 5-08; 180/99, de 22-05 e 37/2011, de 10-03, inclui não só os direitos reais de habitação periódica como também os direitos obrigacionais de habitação turística.

    II - Enquadra-se no seu âmbito de aplicação a actividade da ré, cujo objecto social é "a emissão e gestão de descontos em estabelecimentos comerciais, hoteleiros e similares, bem como a gestão e exploração de estabelecimentos dessa natureza e organização de férias organizadas".

    III - A finalidade da acção inibitória é a de garantir, preventivamente, uma tutela complementar do aderente, proibindo, para o futuro e independentemente da sua inclusão em contratos singulares, o uso de cláusulas contratuais gerais violadoras do princípio da boa-fé ou que ponham em causa o equilíbrio das prestações.

    IV - Nos contractos INTERPASS CLUB para venda de alojamento em unidades hoteleiras - em que as cláusulas, na sua quase totalidade, estão consignadas por escrito - são nulas, por afrontamento do princípio da boa-fé e violação do dever de informação, causador de desequilíbrio desproporcionado, aquelas em que "a informação sobre as unidades hoteleiras, seu custo e datas para efectivação de reservas é comunicado anualmente, por email ou outro meio que aquela considere adequado", sem conter um mínimo de concretização das unidades hoteleiras que serão objecto da oferta do proponente, ou da sua localização.

    Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

    1. O Ministério Público intentou acção declarativa constitutiva, sob a forma de processo sumário, contra AA, S.A., pedindo:

    1 - Sejam declaradas nulas a cláusula 3ª nos nos 3.1, 3.2, 3.3 e 3.4 dos formulários dos contratos: "CONTRATO BB", "CONTRATO CC", "CONTRATO DD" e "CONTRATO EE", condenando-se a Ré a abster-se de se prevalecer delas em contratos já celebrados e de as utilizar em

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    contratos que de futuro venha a celebrar, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (artigos 12º e 30º, nº 1 do DL 446/85 de 25 de Outubro).

    2 - Condenar-se a Ré a dar publicidade a tal proibição e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (artigo 30º, nº 2 do DL 446/85 de 25 de Outubro), de tamanho não inferior a 1/4 de página.

    3 - Dar-se cumprimento ao disposto no artigo 34º do aludido diploma, remetendose ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria nº 1093/95 de 6 de Setembro.

    Fundamentando a sua pretensão, alegou o autor que a ré inclui nos referidos contratos que celebra com os seus clientes as identificadas cláusulas gerais e que as mesmas são nulas por violarem disposições da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

    A ré contestou, defendendo que o regime consagrado no DL nº 275/93 não é directamente aplicável ao tipo de actividade por si exercida, além de que nenhuma das cláusulas questionadas é ofensiva do princípio da boa - fé.

    Prosseguiram os autos, vindo a ser proferido saneador - sentença que, julgando a acção procedente por provada, decidiu:

    1 - Declarar nula a cláusula 3ª nos seus nos 3.1, 3.2, 3.3 e 3.4 dos formulários dos contratos: "CONTRATO BB", "CONTRATO CC", "CONTRATO DD" e "CONTRATO EE";

    2 - Condenar a Ré a abster-se do uso, em qualquer contrato, das cláusulas acima mencionadas;

    3 - Condenar a Ré a, no prazo de 30 (trinta) dias, dar publicidade à parte decisória da presente sentença, através de anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem, que sejam editados em Lisboa e Porto, em três dias consecutivos, de tamanho não inferior a 1/4 de página, comprovando o acto nos presentes autos, até 10 (dez) dias após o termo do prazo supra referido».

    Inconformada, recorreu a ré, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 29/10/2013, sem qualquer voto de vencido, confirmado a sentença proferida.

    De novo inconformada, a ré veio lançar mão do recurso de revista excepcional, invocando os pressupostos das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do CPC, formulando as seguintes conclusões:

  2. - Entendeu o do Ministério Público, na acção inibitória por si apresentada, ser a actividade da Recorrente regulada pela disciplina constante do Decreto-Lei 275/93, de 5 de Agosto, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos Decretos-Lei 180/99, de 22 de Maio, 22/2002, de 31 de Janeiro, 76-A/2006, de 29 de Março e 116/2008, de 4 de Julho, contendo o Regime Jurídico da Habitação Periódica, e assim designado de ora em diante.

  3. - Sustentou ainda o Ministério Público o seu pedido no facto de, no exercício da sua actividade, a Recorrente proceder à celebração de contratos que designa de «CONTRATO BB», «CONTRATO CC», «CONTRATO DD» e «CONTRATO EE», dos quais constam cláusulas contratuais gerais, nomeadamente aquelas cuja nulidade vem requerer seja reconhecida e determinada.

  4. - E considerou serem as citadas cláusulas apostas nos contratos identificados

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    nulas em virtude de ofenderem o princípio da boa-fé, verificando-se um desequilíbrio em desfavor do aderente, pondo em causa a confiança suscitada nas partes pelo sentido global das cláusulas contratuais gerais.

  5. - Entendeu o Ministério Público que a redacção das citadas cláusulas não proporciona ao cliente informação pormenorizada e atempada, não defendendo adequadamente o consumidor.

  6. - Desconsiderando os argumentos apresentados pela Recorrente que defendeu, em sede de Contestação, por um lado, não lhe ser aplicável a disciplina constante do Regime Jurídico da Habitação Periódica, e, por outro lado, não estar a cláusula invocada ferida de nulidade que a invalide, o tribunal de 1 ª instância entendeu dever o pedido formulado proceder, declarando nula a cláusula 3ª dos contratos mencionados, nos seus números 3.1., 3.2., 3.3. e 3.4., assim como condenando a Recorrente a abster-se de usar, em qualquer contrato, a dita cláusula, e ainda determinando que a Recorrente proceda à publicação em dois jornais de maior tiragem, em 3 dias consecutivos, da decisão então proferida.

  7. - Por não se poder a Recorrente conformar com a decisão então proferida, apresentou recurso de apelação junto do Tribunal da Relação de Lisboa.

  8. - Através deste recurso, a Recorrente novamente defendeu a inaplicabilidade à sua actividade da disciplina constante do Regime Jurídico da Habitação Periódica, bem como a inexistência de qualquer desproporção ou fragilidade na posição das partes intervenientes nos contrato em causa, por si elaborados, que pudesse levar a decidir pela nulidade das respectivas cláusulas contratuais gerais. Mais pugnou a Recorrente pela revogação da sentença proferida na parte respeitante à publicação em dois jornais de maior tiragem do respectivo conteúdo decisório, por entender ser tal decisão desprovida de utilidade prática e desproporcionada nas respectivas consequências, em face dos benefícios dela decorrentes.

  9. - Mais veio a Recorrente invocar a nulidade da sentença proferida, com base na falta ou insuficiência da fundamentação respectiva, assim como com base na falta de pronúncia sobre questões que deveria conhecer e apreciar.

  10. - Depois de apresentadas contraalegações pelo recorrido Ministério Público, veio o Tribunal da Relação de Lisboa proferir Acórdão, de que foi a Recorrente notificada.

  11. - Neste Acórdão, o Tribunal da Relação mantém integralmente a decisão proferida em 1ª instância, aderindo aos seus argumentos e fundamentos, e decidindo assim pela improcedência da apelação apresentada.

  12. - Considerando a factualidade assente, e que não foi posta em crise, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que a actividade da Recorrente deve ser enquadrada no âmbito de aplicação do Regime Jurídico da Habitação Periódica, assim como entendeu que as cláusulas insertas nos contratos utilizados pela Recorrente, com a redacção assinalada, para firmar acordos com os seus clientes violam o princípio geral da boa-fé e o dever de informação, e, como cláusulas contratuais gerais que são, devem, por consequência, ser declaradas nulas, por força do disposto no Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro.

  13. - Não tendo a decisão da 1ª instância sido revogada pelo Tribunal da

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    Relação de Lisboa, nem tendo sido mantida, desta vez, com base em fundamentação essencial e substancialmente diferente, dirse-ia estar afastada a possibilidade de ser apresentado novo recurso, atento o princípio vigente da «dupla conforme», contido e descrito no artigo 671º, nº...

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