O Supremo Tribunal Federal entre o direito e a tecnocracia científica: o caso do amianto

AutorMaristela Medina Faria, Roberta Camineiro Baggio
CargoUniversidade de Uberaba, Minas Gerais, MG, Brasil/Centro Universitário de Goiatuba, Goiatuba, GO, Brasil/Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
Páginas193-219
Recebido em: 16/02/2019
Revisado em: 18/11/2019
Aprovado em: 10/12/2019
http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2019v41n83p193
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O Supremo Tribunal Federal entre o Direito e a
Tecnocracia Científica: o caso do amianto
The Supreme Court Between Law and Scientific Technocracy:
the asbestos case
Maristela Medina Faria1, 2
Roberta Camineiro Baggio3
1Universidade de Uberaba, Minas Gerais, MG, Brasil
2Centro Universitário de Goiatuba, Goiatuba, GO, Brasil
3Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
Resumo: O artigo discute o problema do aumen-
to da utilização de fundamentos científicos em
detrimento dos jurídicos nas decisões do Supre-
mo Tribunal Federal (STF) como uma prática
própria dos modelos tecnocráticos. Para tanto,
analisa-se um complexo conflito de competência
constitucional, sobre a regulamentação da utili-
zação do amianto dentro da estrutura federativa
brasileira, que permite a identificação dos limites
e riscos dessa nova postura cada vez mais co-
mum nos tribunais brasileiros. Trata-se do caso
do amianto, um conflito que envolve a Lei fe-
deral n. 9.095/95, que regulamenta a questão do
uso do amianto no Brasil, e as Leis estaduais que
passaram a proibir o uso do mineral. A análise
será feita a partir da ADI n. 3.937/SP que demo-
rou dez anos para ser decidida pelo STF.
Palavras-chave: Tecnocracia Científica. Con-
flito Federativo. Caso do Amianto.
Abstract: The article discusses the problem of
increasing the use of scientific grounds to the
detriment of the legal ones in the decisions of
the Federal Supreme Court (STF) as a practice
of the technocratic models. In order to do so,
it analyzes a complex conflict of constitutional
jurisdiction over the regulation of the use of
asbestos within the Brazilian federal structure
that allows the identification of the limits and
risks of this new posture increasingly common
in Brazilian courts. This is the case of asbestos,
a conflict involving Federal Law n. 9.095/95,
which regulates the issue of the use of asbestos
in Brazil and state laws that have prohibited the
use of the mineral. The analysis will be made
from ADI n. 3937/SP, which took ten years to
be decided by the STF.
Keywords: Scientific Technocracy. Federal
Conflict. Asbestos Case.
194 Seqüência (Florianópolis), n. 83, p. 193-219, dez. 2019
O Supremo Tribunal Federal entre o Direito e a Tecnocracia Científica: o caso do amianto
1 Introdução
Diante do complexo quadro de decadência da política e ascensão
das instâncias jurisdicionais como um espaço cada vez mais protagonis-
ta para a resolução dos conflitos, o presente artigo propõe uma reflexão
acerca das consequências da adoção de decisões jurídicas com embasa-
mento técnico-científico que colocam o campo do direito e sua própria
normatividade em segundo plano. O processo de tecnocratização dos mo-
dos de governabilidade regionais e globais contribuiu para esvaziar os de-
bates acerca da legitimidade em se projetar decisões finais como indu-
bitavelmente corretas e não necessariamente legítimas pela assunção de
dispositivos técnicos indisponíveis aos processos de deliberação.
Como lidar com a situação cada vez mais corriqueira de normas
técnicas não submetidas a qualquer processo de decidibilidade ou, ainda,
dados científicos que concorrem com a aplicação das normas jurídicas?
Como não pensar na legitimidade que envolve decisões que abarcam –
em suas questões de fundo – mais debates científicos do que debates jurí-
dicos, ignorando questões normativas básicas?
Essas são algumas das questões a serem refletidas nesse artigo
a partir da apreciação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da ADI n.
3.937/SP, que chamamos nesse artigo de “caso do amianto”.
O cenário do caso analisado é o complexo modelo federativo consa-
grado na Constituição Federal de 1988, que manteve uma estrutura de re-
partição de competências exclusivas, privativas e residuais ao lado de um
modelo cooperativo de federação com a adoção de competências compar-
tilhadas. A funcionalidade e a articulação dessa nova estrutura federati-
va nunca foram enfrentadas pelo STF. Os modelos adotados não são ex-
cludentes, mas como harmonizá-los nas situações em que o debate sobre
a quem pertence uma competência possui mais de uma resposta? Casos
complexos, como o do amianto, que perpassam os dois modos de distri-
buição das competências constitucionais seriam ótimas oportunidades de
avançar na definição das estratégias e critérios a serem priorizados em
situações em que a União aparece ao mesmo tempo como protagonista
de competências exclusivas e privativas e também compartilhando outras

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