O Supremo Tribunal Federal e o argumento de direito constitucional comparado: uma leitura empírica a partir dos casos de liberdade de expressão no Brasil

AutorCecilia CaballeroLois - Gabriel Lima Marques
CargoDoutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC - Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ
Páginas32-63
O Supremo Tribunal Federal e o Argumento
de Direito Constitucional Comparado:
Uma Leitura Empírica a partir dos Casos de
Liberdade de Expressão no Brasil
The Supreme Court and the Comparative Constitutional Law’s
Argument: An Empirical Reading from the Cases of Freedom
of Expression in Brazil *
Cecilia Caballero Lois**
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
Gabriel Lima Marques***
Universidade Federal do Amapá – UNIFAP, Macapá-AP, Brasil
1. Introdução
Se no passado, conforme a lição de Weinrib1, o uso do direito constitu-
cional comparado esteve praticamente restrito aos processos de edição
de novas cartas políticas2, nos dias correntes é bem certo que a prática de
se referir a experiências estrangeiras passou a também ser encontrada de
* A pesquisa que deu origem a este artigo teve f‌inanciamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior no âmbito do Projeto Conjunto de Cooperação em Pesquisa: Limites e Possibilidades da
Ef‌icácia da Prestação Jurisdicional no Brasil (Edital 020/2010/CAPES/CNJ).
** Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Professora dos cursos de
graduação e pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Pesquisadora de Produtividade
do CNPQ. Pesquisadora do Projeto CNJ/CAPES, equipe UFRJ. E-mail: cecilialois@gmail.com.
*** Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Especialista em Direito e Saúde pela
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – ENSP da Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ. Bacharel em
Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Professor (40H/DE) de Direito Constitucional
da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. Advogado. E-mail: gabriel-marques@hotmail.com.
1 2002, pp. 3-4.
2 Isso não quer dizer que tal prática tenha encontrado seu f‌im, em verdade, ela continua ainda hoje sendo
muito importante, bem como extremamente corriqueira. Só que somada a esta agora, chama a atenção também
a rica atividade do uso do constitucionalismo comparado pelas supremas cortes (CHOUDHRY, 2006, p. 13).
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modo regular nos domínios da jurisdição constitucional, seja vinculada
a tradição jurídica do common law3, seja pertencente à família romano-
-germânica4.
Tais tribunais, através de um processo de justif‌icação discursiva5, vêm
se apropriando do material comparado assim como se faz com os conse-
lhos de alguém mais experiente, para tomar decisões6 sobretudo em casos
que envolvam questões de natureza complexa7. Quer dizer, quando uma
corte se encontra diante de dissensos nos quais os materiais jurídico-positi-
vos não conseguem dar conta8, o elemento forasteiro, durante o progresso
da tarefa interpretativa, acaba funcionando, por consequência, como um
importante argumento de persuasão9.
Considerando aí a importância da opção que é feita caso a caso pelos
magistrados no sentido de se valer deste recurso, este artigo tem por ob-
jetivo justamente compreender como tal fenômeno se delineia no âmbito
do Supremo Tribunal Federal. Antes, porém, de darmos prosseguimento à
análise dos elementos recolhidos pela pesquisa que se procurará expor na
3 Este grupo, aliás, como salienta Andrea Lollini (2012, p. 56), está até mesmo mais habituado com este
tipo de atividade, já que desde o século XIX, até boa parte ainda do século XX, países hoje como Nova
Zelândia, Austrália, África do Sul, Índia, Hong Kong, Canadá, e outros da região do Caribe, antigas colônias
e domínios do então Império Britânico, estiveram submetidos à jurisdição do Judicial Committee of the Privy
Council of the United Kingdom, corte f‌inal de apelação para casos da órbita do Direito privado, e que tinha
como prática o uso do referencial comparado.
4 Cf. PEGORARO, 2008, pp. 406-407.
5 Por este tipo de processo, leia-se, o ato de juízes se utilizarem argumentativamente das experiências
estrangeiras, discutindo-as, analisando-as, distinguindo-as, ou ainda as tomando emprestado, de modo a
justif‌icarem uma posição por eles adotada (HARDING, 2003, p. 425).
6 Cf. BRUDNER, 2004, p. VIII.
7 Também conhecidos como hard cases, o que segundo David Fontana (2001, p. 558) signif‌ica “[...] os
casos nos quais um novo problema é apresentado a corte, e onde ainda que as fontes apontem em uma
determinada direção, não houve ainda nenhuma experiência prática de como uma decisão em uma direção
ou em outra vai funcionar [...]”.
8 Cf. TUSHNET, 1999, pp. 1230-1231; CHOUDHRY, 2006, p. 4.
9 Aqui é importante destacar, à luz do que pontua Christopher McCrudden (2000, p. 502), a diferença que
existe entre argumento de autoridade e argumento persuasivo. Enquanto em relação ao primeiro, o juiz deve
aplicar e seguir, sendo por ele, até mesmo, limitado, o argumento persuasivo por outro lado, não o vincula.
É o que, aliás, também aponta Frederick Schauer (2008, pp. 1931-1936), com a diferença, porém, de que
o argumento persuasivo para o autor seria chamado de “razão substantiva”, enquanto que o argumento
de autoridade, nomeado de “razão independente de conteúdo”. No que toca a “razão substantiva”, esta
seria como o fato das pessoas olharem para os dois lados, antes de atravessarem as ruas, em razão de
não quererem ser atropeladas. A segurança é uma razão substantiva. Já, quanto a “razão independente de
conteúdo”, esta em contraste, seria semelhante a uma criança que obedece seu pai ou sua mãe que lhe diz,
“por que eu disse” não por que compreende as razões substantivas de tal determinação, mas sim por que
seus pais assim lhe ordenaram.
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sequência, revela-se apropriado em uma primeira oportunidade apresentar
sucintamente o porquê de serem utilizados aqui os casos de liberdade de
expressão, enquanto pano de fundo para se perceber de que forma o Su-
premo Tribunal Federal, através de seus ministros, se porta quando estes se
utilizam do constitucionalismo comparado para a resolução das questões
que lhes são colocadas.
Assim, embora se mostre possível a abertura de diversas e numerosas
frentes de investigação, sendo a liberdade de expressão, na linha pontuada
por Waldron,10 um direito que se encontra incorporado ao rol do grupo de
questões a que ele nomeia como sendo de controvérsias políticas substan-
tivas11, a mesma por consequência vem se desvelando enquanto um espaço
propício e fértil para a presença de desacordos12.
Em tais situações, onde no geral o texto constitucional, as teorias exis-
tentes, e os precedentes jurisprudenciais, não conseguem dar conta do
litígio posto, a utilização de referências estrangeiras de natureza constitu-
cional tem f‌igurado enquanto uma ferramenta de uso recorrente adotada
pelos mais variados tribunais ao redor do mundo13, razão pela qual se
entendeu aqui ser oportuna a realização de um recorte temático em seus
contornos14.
Acontece que, posicionada esta consideração de caráter propedêutico,
na sequência, o questionamento que se imputa a ser perseguido passa por
outro lado, pela necessidade de se revelar como fora conduzida a pesquisa
10 1999, pp. 227-228.
11 Leia-se, problemas de natureza complexa nos quais normalmente há uma divergência razoável entre os
cidadãos. Tais questões envolvem, dúvidas, por exemplo, a respeito dos limites da liberdade de expressão,
tais como a natureza das restrições, o escopo e a extensão das mesmas, bem como, sobre a sua duração.
12 Cf. CHOUDHRY, 1999, p. 941.
13 Apenas para que se tenha uma visão panorâmica desta af‌irmação, em três importantes textos que se
esmeram por ref‌letir à respeito do uso do material estrangeiro no âmbito da interpretação do Texto Magno,
quais sejam, o “The Use of Foreign Law in Constitutional Interpretation” (2012), do jurista Gabor Halmai, o
Ref‌ined Comparativism in Constitutional Law” (2001), da autoria de David Fontana, além do “Globalization
in Search of Justif‌ication” (1999), escrito por Sujit Choudhry, em todos, inúmeros foram os casos citados da
jurisprudência norte-americana, canadense, israelense, e alemã, onde a matéria em discussão era justamente
a liberdade de expressão.
14 Ora, além de todas as democracias constitucionais terem virtualmente como objetivo a proteção da
liberdade de expressão, as mesmas acabam enfrentando semelhantes conf‌litos quando a liberdade de
expressão se choca com outros valores constitucionais, incluindo aqui, por exemplo, a igualdade, a dignidade
da pessoa humana, e a intimidade. Desta forma, considerações sobre como outras nações reconciliaram
esses concorrentes – e conf‌litantes – valores, acabam nestes domínios sendo vistos pelos juízes enquanto
capazes de fornecer importantes insights para o regime constitucional doméstico da liberdade de expressão,
no qual os mesmos se encontram insertos (KROTOSZYNSKI, 2006, p. XIV).
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