Supremacia do Modelo Negociado sobre o Modelo Legislado na Reforma Trabalhista sob o Enfoque dos Direitos Humanos Fundamentais dos Trabalhadores

AutorCarlos Henrique Bezerra Leite
Páginas27-34
SUPREMACIA DO MODELO NEGOCIADO SOBRE O MODELO
LEGISLADO NA REFORMA TRABALHISTA SOB O ENFOQUE DOS
DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS DOS TRABALHADORES
Carlos Henrique Bezerra Leite(1)
(1) Doutor e Mestre em Direito (PUC/SP). Professor de Direito Processual do Trabalho e Direitos Humanos Sociais Metaindividuais (FDV).
Advogado e Consultor Jurídico. Desembargador do TRT da 17ª Região/ES (aposentado). Titular da Cadeira 44 da Academia Brasileira de
Direito do Trabalho. Foi Professor Associado de Direitos Humanos, Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho da UFES, Procurador
Regional do Ministério Público do Trabalho e Procurador do Município de Vitória.
1. Introdução
A chamada Reforma Trabalhista foi iniciada em
22.12.2016 com o envio do Projeto de Lei encaminhado
pelo Presidente da República Michel Temer à Câmara dos
Deputados, recebendo o número PL 6.787/2016, o qual
alterava apenas as redações ou inseria disposições concer-
nentes aos seguintes artigos da CLT: 47, 47-A, 58-A, 523-
-A, 611-A, 634 e 775. Ou seja, o referido PL 6.787 tratava
exclusivamente de 7 (sete) artigos que alterariam a CLT,
com ênfase para a introdução do art. 611-A, que instituiu
a supremacia das normas oriundas de negociação coletiva
sobre as leis editadas pelo Estado.
O Presidente da República discursou no dia 22.12.2016,
alegando que estava encaminhando um projeto de lei,
oriundo de ampla discussão do Ministro do Trabalho com
os representantes dos empregadores e dos trabalhadores.
Estranhamente, porém, o referido PL foi, substancial
e antidemocraticamente, ampliado pelo Substitutivo apre-
sentado pelo relator na Câmara dos Deputados, Deputado
Rogério Marinho (PSDB), que acrescentou e/ou modificou
97 (noventa e sete) artigos da CLT, 3 (três) artigos da Lei
n. 6.019/74, 1 (um) artigo da Lei n. 8.036/90, 1 (um) arti-
go da Lei n. 8.213/91 e 1 (um) artigo da MP n. 2.226/01.
Essa proposta legislativa de reforma trabalhista não se
limitou apenas a alterar o texto da CLT. Na verdade, ela,
sob o argumento da necessidade da “modernização” das
relações trabalhistas, instituiu três princípios de proteção
ao Capital (liberdade, segurança jurídica e simplificação),
invertendo valores e princípios de proteção aos direitos
humanos e fundamentais dos trabalhadores previstos na
lei, na Constituição Federal e em tratados internacionais
de direitos humanos sociais.
O presente artigo, portanto, tem por objetivo analisar
o sentido e o alcance dos arts. 611-A e 611-B da CLT, acres-
centados pela Lei n. 13.467/2017, sendo o primeiro alte-
rado posteriormente pela Medida Provisória n. 808/2017,
à luz dos referidos valores e princípios de proteção aos
direitos humanos e fundamentais dos trabalhadores.
2. Princípio da Aplicação da Norma mais
Favorável
Cuida-se de princípio que informa a aplicação da nor-
ma trabalhista. Vale dizer, existindo mais de uma norma
no ordenamento jurídico versando sobre direitos trabalhis-
tas, prevalecerá a que mais favoreça o empregado. Vê-se,
portanto, que o direito do trabalho adota a teoria dinâ-
mica da hierarquia entre as normas trabalhistas, pois no
topo da pirâmide normativa não estará necessariamente a
Constituição, e sim a norma mais favorável ao trabalhador.
O art. 7º, caput, da CF recepcionou literalmente o
princípio em causa, ao proclamar: “São direitos dos tra-
balhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria da sua condição social...” (grifos nossos).
De tal arte, se uma norma estabelecer um direito mí-
nimo e outra maximizar tal direito ao trabalhador, esta
última será a aplicável. Exemplificando: se a Constituição
diz que o adicional de hora é de, no mínimo, cinquenta
por cento (art. 7º, XVI) e a Convenção Coletiva de Traba-
lho fixa tal adicional em cem por cento, será esta a nor-
ma trabalhista aplicável ao caso concreto. Entretanto, se
a Convenção Coletiva estabelecer adicional de horas ex-
tras inferior a cinquenta por cento, prevalecerá a norma
Constitucional, que não permite a redução do patamar
mínimo fixado. Vale dizer, ainda que seja possível (excep-
cionalmente) a redução salarial por meio de convenção ou
acordo coletivo (CF, art. 7º, VI), estes instrumentos coletivos
não podem reduzir o mínimo existencial fixado na Consti-
tuição Federal, como no caso do adicional de horas extras.
De outra parte, o princípio em tela não será aplicá-
vel diante de norma proibitiva, de ordem pública, imposta
pelo Estado, como na hipótese da vedação da vinculação
do salário mínimo para qualquer fim (CF, art. 7º, IV, in
Livro Paulo Renato.indb 27 10/10/2018 11:02:49

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