O superpoder exercido pelo STF pode ser considerado uma tirania do judiciário?

AutorAna Cristina Melo de Pontes Botelho
CargoDoutora em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), na área de concentração Direito, Estado e Constituição (Linha de Pesquisa: Constituição e Democracia). Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público/IDP. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Graduada em Engenharia Elétrica pela ...
Páginas183-202
Revista Direito.UnB | Setembro – Dezembro, 2020, V. 04, N. 03 | ISSN 2357-8009 | pp. 183-202
182 183182
ARTIGOS
O SUPERPODER EXERCIDO PELO STF PODE SER
CONSIDERADO UMA TIRANIA DO JUDICIÁRIO?
CAN THE SUPERPOWER EXERCISED BY THE SUPREME COURT BE
CONSIDERED A TYRANNY OF THE JUDICIARY?
Ana Cristina Melo de Pontes Botelho
Doutora em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), na área de concentração
Direito, Estado e Constituição (Linha de Pesquisa: Constituição e Democracia).
Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público/IDP.
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco.
Graduada em Engenharia Elétrica pela Universidade Estadual de Pernambuco.
Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União desde 1996.
Assessora de Ministro do Tribunal de Contas da União.
E-mail: acristinampb@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0002-4143-605X
RESUMO
A transição do período autoritário para o democrático no Brasil foi consolidada com o
advento da Constituição de 1988, que proporcionou o fortalecimento dos mecanismos de
justiça constitucional. Desde então, a judicialização da política tem ensejado discussões
acaloradas sobre temas como “ativismo judicial” e “limites ao exercício das competências
da jurisdição constitucional. Na realidade, tudo exige a intervenção do STF, o que o torna
um “superpoder” e vem suscitando questionamentos quanto à instalação de uma tirania
do Judiciário, bem como reações adversas do Parlamento. É nesse cenário que invocamos
duas peças famosas de Shakespeare (Júlio César e Medida por Medida) para analisar,
de uma forma mais lúdica, como a postura ativista do STF e a inércia do Parlamento na
produção legislativa podem interferir na concretização da democracia deliberativa.
Palavras-chave: STF. Ativismo judicial. Tirania do judiciário. Shakespeare. Democracia
deliberativa.
ABSTRACT
The transition from the authoritarian to the democratic period in Brazil was consolidated
with the advent of the 1988 constitutional charter, which has provided for the strengthening
of constitutional justice mechanisms. Since then, the judicialization of politics has given
rise to heated discussions on topics such as “judicial activism” and “limits to the exercise
of the powers of constitutional jurisdiction. In reality, everything requires the intervention
of the Supreme Court, which makes it a “superpower” and has been raising questions
about the establishment of a tyranny of the judiciary, as well as adverse reactions from
Parliament. It is in this scenario that we invoke two famous plays by Shakespeare (Julius
Artigo | Article | Artículo | Article
Recebido: 30/08/2020
Aceito: 01/12/2020
Este é um artigo de acesso aberto licenciado sob a Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações Internacional
4.0 que permite o compartilhamento em qualquer formato desde que o trabalho original seja adequadamente reconhecido.
This is an Open Access article licensed under the Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License
that allows sharing in any format as long as the original work is properly acknowledged.
Revista Direito.UnB | Setembro – Dezembro, 2020, V. 04, N. 03 | ISSN 2357-8009 | pp. 183-202
184
Caesar and Measure by Measure) to analyze, in a more playful way, how the STF’s activist
stance and Parliament’s inertia in legislative production can interfere with the realization
of deliberative democracy.
Keywords: Parliament. Judicial Activism. Tyranny of the Judiciary. Shakespeare.
Deliberative Democracy.
I. Considerações iniciais
Após as atrocidades da Segunda Guerra Mundial, muitas delas cometidas em
nome da defesa das maiorias, a tendência das novas constituições foi positivar direitos
fundamentais, o que, naturalmente, incrementou as competências constitucionais do
Judiciário e fortaleceu o papel dos tribunais constitucionais na necessária e imprescindível
defesa das minorias.
A importância do judicial review é perceptível em um nível global, pois se de um lado
as constituições são instrumentos extremamente importantes para efetivar a democracia,
do outro a revisão judicial vem dar concretude aos compromissos democráticos.
Pesquisa efetuada por David S. Law e Mila Versteeg1, denominada “Evolução e ideologia
do constitucionalismo global”, mostra que nas últimas seis décadas, várias tendências
constitucionais podem ser percebidas mundialmente, mas uma delas é quase unânime,
qual seja: a revisão judicial.
Os resultados da pesquisa empírica realizada pelos autores acima nominados
podem ser visualizados a partir da figura abaixo. Percebe-se que a partir de 1950 a
tendência foi só de crescimento, o que nos revela que, a despeito das críticas cotidianas
acerca das falhas da revisão judicial, esse tipo de controle tem se mostrado confiável e
por isso tem se multiplicado nas Cartas Constitucionais mundo afora.
1 Destacaram: “In 1946, only 25% of countries had some form of judicial review explicitly entrenched
in their respective constitutions; by 2006, that proportion has increased to 82%. This measure excludes
countries such as the United States that have adopted judicial review in the absence of an explicit
constitutional mandate. Accordingly, we constructed a second variable that captures the existence of
judicial review via either explicit constitutional mandate or actual practice. This measure is the uppermost
dotted line in Figure 6. Not surprisingly, this combined measure of de jure and de facto judicial review
shows sharp growth that roughly parallels that of the exclusively de jure measure. In 1946, only 35% of
countries had either de jure or de facto judicial review; by 2006, about 87% did. The difference between
the two indicators is both small and diminishing slightly over time, which means that judicial review is
generally, and increasingly, established by explicit constitutional provision.” (LAW, D. S.; VERSTEEG, M. The
evolution and ideology of global constitutionalism. California Law Review, v. 99, 2011, p. 1163-1157).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT