Os sujeitos do processo e o princípio da colaboração

AutorLuiza Otoni
Páginas36-48

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1. Aspectos introdutórios

A morosidade processual e o abarrotamento do Poder Judiciário brasileiro levaram à necessidade imperiosa de reformas processuais para a busca de maior aderência da ordem processual às realidades e aos anseios da sociedade moderna.

O principal gerador dessas reformas é a exigência de acelerar a tutela jurisdicional diante dos vários diagnósticos, nos quais ficava evidenciado que o grande impasse da ordem processual jurídica consistia na morosidade do sistema.

Tomava-se a consciência de que o sistema processual deveria ter capacidade de oferecer uma tutela jurisdicional não só efetiva em seus resultados, como também adequada, fazendo justiça, de forma tempestiva, chegando a tempo para realmente solucionar os conflitos, com utilidade e eficiência.

Diante desse novo cenário, já que o Código de Processo Civil de 1973, a despeito de inúmeras adaptações, havia fechado o seu ciclo, não conseguindo atender aos anseios do dinamismo social da comunidade e, por consequência, os conflitos advindos das relações inter-pessoais, surge o Código de Processo Civil (CPC – Lei n. 13.105, de 16.03.2015), em vigor desde 18.03.2016. O Código de Processo Civil veio com a finalidade de possibilitar prestação jurisdicional mais rápida, simples e efetiva, atribuindo novos rumos ao processo, de modo a satisfazer as diretrizes da Constituição Federal de 1988, com a introdução de amplos direitos e garantias fundamentais de índole constitucional às partes, esculpindo o fenômeno de “Constitucionalização do Direito Processual Civil”, traduzindo-se num importante mecanismo a serviço do Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil (art. 1º da Constituição Federal de 1988).

Desde a origem, a CLT admite a adoção subsidiária de normas do processo civil, conquanto sejam atendidos os dois requisitos fundamentais expressos no art. 769: a) omissão do texto legal consolidado; e b) compatibilidade da norma do direito processual comum com o processo do trabalho.

O Código de Processo Civil, em seu art. 15, determinou que, além de ser fonte de aplicação subsidiária (ausência ou lacuna total de normas), torna-se, também, fonte supletiva (complementar, indo além da omissão ou incompletude, visando ao aperfeiçoamento das normas precárias ou insuficientes) dos processos especiais, dentre os quais se enquadram os processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos.

Optou-se, assim, pela coexistência entre o art. 769 e art. 15 do CPC. A Instrução Normativa n. 39 de 2016, elaborada pelo TST em março de 2016, que dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, tratou de enunciar, em seu art. 1º1, essa regra que nos parece basilar de que se aplica o NCPC subsidiária ou supletivamente ao processo do trabalho, desde que haja compatibilidade entre as normas.

Conclui-se que não existe aplicação automática diante de simples omissão, vigorando a regra de que se aplica o Sistema Processual Civil nos casos de omissão e compatibilidade com as normas laborais, havendo assim, necessidade de harmonização entre as duas normas do ordenamento jurídico – o que é chamado pela doutrina de diálogo das fontes.2

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2. O código de processo civil e seus princípios

O art. 1º3 do Código de Processo Civil ressalta o binômio Constituição-Processo, colocando em destaque a necessidade do processo judicial ser ordenado, disciplinado e – especialmente – interpretado em consonância com as normas fundamentais da Constituição da República4.

A constitucionalização do processo deixou de ser um simples anseio dos doutrinadores para converter-se em uma realidade normativa incontestável. A propósito, sob a perspectiva do Estado Democrático de Direito, a finalidade de um Código de Processo Civil não é outra que não a de tornar concretas e exequíveis as normas constitucionais alusivas ao direito de ação.5

Humberto Theodoro Junior comenta referida atuação do Poder Público com a finalidade de constitucionalizar o Processo Civil:

Toda uma grande reforma se fez, nos últimos anos, nos textos do Código de Processo Civil, com o confessado propósito de desburocratizar o procedimento e acelerar o resultado da prestação jurisdicional. Legislação extravagante também cuidou de criar ações novas e remédios acauteladores visando a ampliar o espectro da tutela jurisdicional, de modo a melhor concretizar a garantia de amplo e irrestrito acesso à justiça, tornado direito fundamental pelas Constituições democráticas, tanto em nosso país como no direito comparado. Até a própria Constituição foi emendada para acrescer no rol dos direitos fundamentais a garantia de uma duração razoável para o processo e o emprego de técnicas de aceleração da prestação jurisdicional (CF, art. 5º, inciso LXXVIII, com o texto da EC n. 45, de 08.12.2004).6

Embora o texto do art. 1º do CPC se refira à ordenação, disciplina e interpretação de suas disposições de acordo com as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República, na verdade, para esse efeito, deverão ser considerados também os princípios consagrados no texto constitucional. A Constituição, aliás, declara que os direitos e garantias, nela expressos, não excluem outros derivantes do regime e dos princípios por ela adotados (art. 5º, § 2º).7

Os princípios são a coluna vertebral do Direito, a base de todo o ordenamento jurídico e, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello8, “(…) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.

Júlio Ricardo de Paula Amaral complementa (2000,
p. 1), que “Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”.

Atualmente o pós-positivismo conferiu aos princípios o status de norma jurídica, conferindo-lhes força normativa, como se dá com as regras jurídicas. Essa eficácia normativa implica também em eficácia obrigacional irradiando-se por todo o ordenamento jurídico brasileiro, inclusive no âmbito do direito processual.

O reconhecimento dessa normatividade jurídica como qualidade contemporânea do constitucionalismo, é o que também se extraí da doutrina da Ministra Carmem Lúcia Antunes da Rocha:

A normatividade jurídica dos princípios constitucionais é uma qualidade contemporânea do Direito Constitucional. Se é certo que o constitucionalismo moderno – como todo e qualquer sistema normativo-jurídico – sempre teve princípios magnos fundamentais, é identicamente correto afirmar que a princípiologia constitucional nem sempre foi considerada dotada de vigor jurídico definitivamente impositivo, mas muito mais sugestivo ou meramente informativo para efeito de hermenêutica da Constituição. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais foi sendo construída a partir da idéia de ser a Constituição uma lei e, como tal, carregada da coercitividade que domina todas as formas legais. Daí que os princípios fundamentais foram crescendo em importância e eficiência nos últimos séculos, até adquirir foros de ordem definitiva e definidora de todas as regulações jurídicas. 9

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Assim, reconhecida sua força e importância no ordenamento jurídico brasileiro, nos arts. 1º ao 1210 do

Código de Processo Civil estão contemplados expressamente princípios constitucionais de natureza processual, inovação trazida pelo novo regramento e que, a nosso ver, é salutar para a nova estruturação do direito processual brasileiro. Buscou, ao longo de suas disposições, dar concreção a determinados princípios constitucionais.

Nos termos do art. 8º do CPC são fundamentais os seguintes princípios: dignidade da pessoa humana, razoabilidade, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Vale dizer que as normas (princípios e regras) contidas no CPC devem ser analisadas, interpretadas e aplicadas conforme os princípios e objetivos fundamentais previstos nos arts. , e da Constituição Federal e dos princípios de acesso à justiça.

Dentre os princípios consagrados pelo Código de Processo Civil, encontram-se os princípios da demanda (art. 2º), do acesso à justiça (art. 3º), da tempestividade da tutela jurisdicional (art. 4º) e da cooperação (art. 6º).

3. Os três modelos de direção processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo

A análise de todo e qualquer modelo processual perpassa pela necessidade de se examinar como se estrutura a divisão de tarefas – e de poderes – entre os sujeitos processuais principais: partes e juiz. A doutrina costumava identificar dois modelos de estruturação do processo, o modelo adversarial e o modelo inquisitorial.

Em suma, fala-se que no modelo adversarial prepondera o princípio dispositivo e, no...

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