O sujeito passivo no mandado de segurança

AutorThiago Batista Hernandes
CargoAdvogado Especialista em Direito do Estado (Faculdades Integradas de Ourinhos-SP) e em Políticas e Gestão de Segurança Pública (Universidade Estácio de Sá)
Páginas29-39

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1. Introdução

O mandado de segurança é uma ação constitucional, mandamental e de rito sumário especial à disposição de toda pessoa, física ou jurídica, para a proteção de um direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato comissivo ou omissão de autoridade pública ou a ela equiparada, o qual não seja amparado por habeas data ou habeas corpus.

Consagrada pela Constituição de 1934, a expressão ‘mandado de segurança’ foi empregada pela primeira vez na comissão encarregada do anteprojeto da Constituição em 1933. Anteriormente à Constituição de 1934, o instituto do habeas corpus presente no ordenamento jurídico desde a Constituição de 1891, era amplamente utilizado como se fosse o mandado de segurança.

Nas constituições que a sucederam, o mandado de segurança foi da mesma forma contemplado, com exceção da Constituição de 1937, a qual – apesar de não ter feito menção expressa –, permitia sua utilização com fundamento na lei ordinária, na doutrina e jurisprudência.

Por seu turno, a ‘Constituição Cidadã’ de 1988 manteve este importante instrumento de proteção aos direitos em seu artigo 5º, inciso
LXIX.

Ademais, apesar do mandado de segurança ser uma norma de efi-

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cácia imediata, fez-se necessário a edição de uma norma infraconstitucional para sua regulamentação, em especial as questões relacionadas aos aspectos processuais.

A Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009 (que revogou a Lei 1.533/51), conferiu instrumentalidade e celeridade processual ao regulamentar o mandado de segurança individual e coletivo; no entanto, pecou ao perder a oportunidade de pacificar a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da pessoa que deve ocupar o polo passivo da relação jurídica deduzida em juízo, mediante a impetração de mandado de segurança, ou seja, a autoridade coatora ou a pessoa jurídica que a autoridade coatora integra.

A fim de iluminar a obscuridade remanescente em torno do sujeito passivo no mandando de segurança, o presente trabalho visa analisar os posicionamentos conflitantes e proporcionar de forma clara, porém sem esgotar o assunto, o melhor posicionamento existente mediante questionamento crítico e construtivo.

2. Noções básicas sobre o mandado de segurança

O mandado de segurança é o remédio constitucional responsável pela proteção dos direitos e controle dos atos administrativos de maior destaque no ordenamento jurídico pátrio.

Integrante do conhecido sistema do filósofo francês Charles-Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu, checks and balances, ou seja, sistema de freios e contrapesos, o mandado de segurança é o remédio constitucional de maior abrangência e efetividade (Montesquieu, 2011,
p. 169).

Sua principal função é garantir a estabilidade do Estado democrático e social de direito através do controle exercido pelos administrados, na medida em que protege a socie-dade dos atos ilegais e abusivos das autoridades públicas, seja de que categoria forem e as funções que exerçam, coibindo, dessa forma, quaisquer insurgências de futuros soberanos e o regresso ao Estado absolutista.

Conceitua-se o mandado de segurança como um instrumento constitucional de procedimento célere, destinado à proteção do direito líquido e certo da pessoa física ou jurídica, quando violados por auto-ridade pública ou particular no exercício de atribuição do poder público, podendo ser individual, quando tem como finalidade a proteção de um direito próprio e individual de uma pessoa física ou jurídica, ou, ainda, coletivo, quando tem por finalidade a defesa de direitos coletivos e individuais homogêneos.

Para que o mandado de segurança seja conhecido e julgado, faz-se necessário o preenchimento de determinados pressupostos de exigibilidade, a saber: a) ato de autoridade;
b) ilegalidade ou abuso de poder; c) lesão ou ameaça de lesão e; d) direito líquido e certo não amparado por habeas corpus e habeas data.

O ato de autoridade, que será visto a seguir, poderá ser comissivo ou omissivo, desde que dotado de ilegalidade ou abuso de poder.

Cabe mencionar, entretanto, que a simples ilegalidade ou abuso de poder não é motivo suficiente para a impetração do mandado se segurança; é necessário que essa ilegalidade ou abuso de poder viole um direito líquido e certo, ou seja,“não se enquadra na expressão ‘ilegalidade ou abuso de poder’ a mera injustiça, o sentimento pessoal, meramente emocional, de não ter satisfeitas suas pretensões, a mera violação a normas morais ou éticas não positivadas”, pois o mandado de segurança tem a finalidade de proteger o direito líquido e certo do indivíduo e, não meras expectativas de direito e anseios pessoais, pois o “mandado de segurança não é ação especial no sentido de tutelar interesses não jurídicos” (Tavares, 2009, p. 37-38).

Assim, temos que: “o abuso de poder se verifica, exata e precisamente, na edição do ato discricionário e não na expedição do ato vinculado. No ato vinculado a ilegalidade é direta e imediata. Na edição do ato discricionário a ilegalidade é indireta e mediata. Conclui-se que o mandado de segurança pode dirigir-se tanto contra o ato vinculado quanto a ato discricionário. Este em face do abuso de poder (...), portanto os atos vinculados quanto os atos discricionários são atacáveis por mandado de segurança, porque a Constituição Federal e a lei ordinária, ao aludirem a ilegalidade, estão se reportando ao ato vinculado, e ao se referirem a abuso de poder estão se reportando ao ato discricionário” (Temer, 2010, p. 187).

O direito líquido e certo será aquele que se pode provar de plano, no momento da impetração do mandado de segurança, sem a necessidade de dilação probatória.

A simples existência de direito não é suficiente para sua invocação através do mandado de segurança; ele deve ter, obrigatoriamente, liquidez e certeza, porém, essa “liquidez e certeza do direito subjetivo do impetrante dependem, única e exclusivamente, de liquidez e certeza dos fatos sobre os quais deve ocorrer, sempre, a incidência do direito positivo” (Ferraz, 1996,
p. 29), logo o direito líquido e certo independe da complexidade da causa analisada, pois a certeza e liquidez referem-se aos fatos alegados.

Assim sendo, o direito líquido e certo se refere aos fatos alegados, que, por sua vez, devem ser provados de início, no momento da impetração, não se admitindo dilação probatória. O direito será comprovado através de prova pré-constituída1 documental ou documentada, sendo certo que a complexidade do fato não gerará qualquer motivo

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impeditivo de sua apreciação, porque controvérsia sobre a matéria de direito não impede a concessão de segurança2.

Nas hipóteses em que for indispensável a produção de prova, a priori, não será concedida segurança ao impetrante, entretanto, a matéria discutida não fará coisa julgada, podendo o impetrante utilizar-se de outros meios judiciais para socorrer seu direito.

3. Os sujeitos da relação jurídica processual

Em toda demanda judicial há a afirmação de uma relação jurídica deduzida em juízo (res in iudicium deducta) e toda relação jurídica possui três elementos essenciais, a saber: os sujeitos, o objeto e o fato jurídico.

O objeto e o fato jurídico não serão objeto de análise no presente artigo, pois são variáveis conforme o caso concreto, motivo pelo qual não haverá comentários acerca dos dois elementos.

Já os sujeitos, de modo geral, serão o Estado, o impetrante e o impetrado. O Estado, como se sabe, exercerá o poder de jurisdição (Estado-juiz) e terá a função de solucionar o litígio existente entre o impetrante e o impetrado.

3.1. O sujeito ativo

O impetrante ou sujeito ativo do mandado de segurança será qualquer pessoa física ou jurídica, brasileira ou estrangeira, pública ou privada, que tiveram ou têm receio de lesão ao seu direito, conforme dispõe o artigo 1º da Lei 12.016/09.

Observa-se, que diferentemente do mandando de segurança individual, no mandado de segurança coletivo o sujeito ativo da relação jurídico processual serão os elencados no artigo 21 da Lei 12.016/09, quais sejam: os partidos políticos, as associações, os sindicatos, as entidades de classe e o Ministério Público.

Além dos sujeitos previstos expressamente em lei, a doutrina e jurisprudência têm admitido que os entes públicos despersonalizados e as universidades reconhecidas em lei figurem no polo ativo na relação processual.

Assim, não apenas as pessoas físicas e jurídicas podem utilizar o mandado de segurança:

“como também os órgãos públicos despersonalizados, mas dotados de capacidade processual, como as Chefias dos Executivos, as Presidências das Mesas dos Legislativos, os Fundos Financeiros, as Comissões Autônomas, as Superintendências de Serviços e demais órgãos da Administração centralizada ou descentraliza que tenham prerrogativas ou direitos próprios a defender” (Meirelles, 2008, p. 26).

As universalidades reconhecidas por lei, embora não possuam personalidade jurídica, detêm capacidade processual para defesa de seus direitos, “ainda que não haja previsão expressa nesse sentido, pessoas formais são também legitimadas ativas, tais como o espólio, o condomínio, a massa falida, bem como entes despersonalizados, que, apesar de não terem personalidade jurídica, tem personalidade judiciária” (Neves, 2011, p. 131).

Nesse sentido, Hel Lopes Meirelles, disciplina:

“na ordem privada podem impetrar segurança, além das pessoas e entes personificados, as universalidades reconhecidas por lei, como o espólio, a massa falida, o condomínio de apartamentos. Isto porque a personalidade jurídica é independente da personalidade judiciária, ou seja, da capacidade para ser parte em juízo; esta é um minus em relação aquela. Toda pessoa física ou jurídica tem, necessariamente, capaci-dade processual, mas para...

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