O Sufrágio, o Voto e o Escrutínio

AutorAri Ferreira de Queiroz
Ocupação do AutorDoutor em Direito Constitucional
Páginas97-123

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1 Noções

Dispondo sobre os direitos políticos dos brasileiros, a Constituição emprega os termos sufrágio, voto e escrutínio, aparentemente expressões de mesmo significado, mas que, como se verá, são diferentes. Em sentido amplo, sufrágio é o meio de expressão da vontade de um povo para escolha de seus dirigentes por meio do voto. Por outros termos, o sufrágio é direito do povo decidir os rumos de seu Estado, direito que é exercido por meio do voto.

Que é, então, o sufrágio? Do latim suffragari, é um processo de seleção daqueles que terão o direito de votar. Pelo sufrágio, fica estabelecido quem terá o direito ao voto. O sufrágio é, portanto, um processo de escolha de eleitores. Atendidos aos requisitos constitucionais, o nacional passa a ser cidadão, mediante o sufrágio. Pelo sufrágio, o nacional torna-se cidadão e começa a exercer o direito de votar.64Sufrágio é o processo por meio do qual os indivíduos de um País adquirem o direito de participar da vida política, escolhendo os seus dirigentes por meio de eleições periódicas.

Quanto ao voto, nada mais é que do que o instrumento para exercer o direito de deliberação ou de escolher candidatos a cargos políticos, mediante eleições. O sufrágio é um processo de escolha, mas o voto é um ato de escolha.65Por sua vez, o escrutínio é a concretização do voto, depositando-o na urna ou registrando-o por meio de processo eletrônico.

ESCRUTÍNIO, s.m. Diz-se do processo utilizado para tomar votos, referentes à escolha de uma pessoa para ocupação de cargo ou à aprovação de um ato submetido à deliberação de uma coletividade. Diz-se, também, da votação, fazendo recolher em uma urna ou vaso, o papel ou esfera em que se consigna o voto. Por extensão, diz-se do próprio recipiente em que se recolhem os votos.66Formulando um esboço de classificação, dispõe o art. 82 do Código Eleitoral: “O sufrágio é universal e direto; o voto, obrigatório e secreto”. Anteriormente, foi dito que o povo pode expressar sua vontade mediante a escolha de seus dirigentes ou aprovando os seus atos. Acrescente-se que também pode iniciar processo legislativo para a elaboração de leis. É o que diz a Constituição Federal de 1988:

Art. 14 A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

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I - plebiscito;

II - referendo;

III - iniciativa popular.

O plebiscito é a forma de manifestação popular que se dá quando o povo é consultado previamente sobre a viabilidade da prática de um ato, como, por exemplo, a criação de municípios ou Estados; o referendo pressupõe um ato anterior cuja eficácia ou validade depende de aprovação popular. Em síntese, o plebiscito é forma prévia de autorização popular para a prática de atos por agentes políticos, enquanto o referendo é forma posterior, quando o povo aprova ou desaprova ato já realizado67. É o que dispõe a Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998:

Art. 2º Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa. § 1º O plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido.
§ 2º O referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.

Dessas formas de exercício da soberania popular, interessa a este livro o sufrágio, que será visto no item a seguir.

2 Do sufrágio
2. 1 Noções

Várias são as formas de sufrágio conhecidas em Direito Eleitoral ou constitucional, das quais nossa Constituição adota a do sufrágio universal. Em geral, fala-se de sufrágio capacitário, censitário, limitado, proporcional e universal, pois outras denominações, como direto ou indireto, dizem respeito ao voto ou ao escrutínio.

Sufrágio capacitário. Diz-se de forma de sufrágio na qual só votam pessoas que têm um certo nível de instrução.

Sufrágio censitário. Diz-se da forma de sufrágio na qual somente votam os que pagam um censo eleitoral, ou que pagam imposto, ou ainda os que são proprietários.

Sufrágio limitado. Diz-se quando a lei delimita este direito a reduzido número de indivíduos, por suas condições de fortuna ou possibilidades econ6micas, ou quando contribuintes de impostos para o Estado.68Enfim, diz-se sufrágio o exercício do direito de voto no pleito eleitoral em favor de um ou mais candidatos a cargos de representação popular.

2. 2 Sufrágio restrito

Diz-se restrito o sufrágio que limita quem pode participar, discriminando o eleitor em razão de sexo, cor, fortuna, grau de instrução ou qualquer outra forma elitista. Logo, as

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formas retroapontadas são de sufrágio restrito, pois de um ou outro modo acabam limitando as pessoas que podem votar. Nas primeiras leis eleitorais brasileiras o sufrágio era restrito por se negar direito de voto à mulher, barreira que começou a ser quebrada com o Código Eleitoral de 1932. Depois, a Constituição de 1934 passou a admitir o voto feminino para quem ocupasse função pública. A Constituição de 1946 adotou o voto obrigatório para homens e mulheres indistintamente (art. 133).

2. 3 Sufrágio universal

Ao contrário do restrito, diz-se universal o sufrágio que admite a participação da maioria das pessoas, sem discriminação que não encontre amparo nos princípios da proporcionalidade ou razoabilidade, pois a universalidade se refere ao direito, não ao seu exercício. Admite-se à legislação eleitoral estabelecer requisitos para o exercício de direitos políticos sem que se possa atribuir-lhe a pecha de violadora do direito ao sufrágio universal, pois são inibidores, mas não obstam que o interessado os superem e exerça o direito. É o caso da fixação de idade mínima ou da exigência da nacionalidade brasileira para se inscrever no cadastro de eleitores. O sufrágio universal foi introduzido no Brasil com a Constituição de 1946, porquanto até então a mulher só podia votar se exercesse função pública – o que era raro para a época. Atualmente, somente não podem votar os estrangeiros, os menores de 16 anos, os incapazes por outras causas e os conscritos, assim considerados os recrutas em serviço militar obrigatório69, o que não significa violação ao princípio do sufrágio universal, pois são impedimentos temporários, dos quais poderão se livrar e ter o direito amplo de votar.

3 Sistema do voto
3. 1 Voto direto

Diz-se direto o voto, quando o eleitor vota diretamente no candidato ao cargo a ser preenchido, que é a regra atual no Brasil, para todas as eleições, em todos os níveis dos Poderes Legislativo e Executivo. Critica-se o voto direto em face do desconhecimento, por parte do eleitor, quanto a quem sejam os candidatos; por outro lado pode-se aplaudi-lo por evitar a escolha de representantes por meio de outros representantes.

3. 2 Voto indireto

Nesse sistema, há duas fases. Na primeira, forma-se um colégio eleitoral por meio de delegados, o qual na segunda fase vota nos candidatos ao cargo em disputa. O sistema varia de Estado a Estado. Nos Estados Unidos, por exemplo, na primeira fase os eleitores de cada Estado escolhem pelo voto direto tantos delegados (grandes eleitores) quantos sejam os seus senadores e representantes para formar o colégio eleitoral. Na segunda fase, esse colégio votará nos candidatos a presidente da República de sua preferência. O candidato que, na soma geral, alcançar mais da metade dos votos, que corresponde à maioria absoluta, será considerado eleito presidente. Se nenhum candidato alcançar a maioria absoluta, cabe aos deputados escolher o presidente entre os três mais votados.

No Brasil, o sistema adotado até a eleição do presidente Tancredo Neves, em 15 de janeiro de 1985, era o do voto indireto, mas diferente do sistema norte-americano,

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cabendo a um colégio eleitoral formado em parte pelos membros do Congresso Nacional e por três representantes de cada Estado, indicados pelas assembleias legislativas, votar nos candidatos a presidente da República. A partir da Constituição Federal de 1988, a eleição presidencial voltou a ser direta, elegendo-se, em 15 de novembro de 1989, Fernando Collor de Mello como primeiro presidente no período pós-redemocratização do País, e, depois, Fernando Henrique Cardoso, que acabou reeleito em 1998.

Durante o regime militar, o Brasil também conviveu com uma parte do Senado Federal composta por senadores “eleitos” pelo mesmo colégio eleitoral que...

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