Uma sucinta análise da teoria dos sistemas no contexto da propriedade intelectual

AutorPedro Marcos Nunes Barbosa
CargoMestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Especialista em Propriedade Intelectual pela PUC-Rio, Professor e Coordenador do Curso de Especialização em Propriedade Intelectual da PUC-Rio, Professor de Direito Civil e Propriedade Intelectual da PUC-Rio, sócio do escritório Denis Borges Barbosa
Páginas181-197

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Uma sucinta análise da teoria dos sistemas no contexto da propriedade intelectual

Pedro Marcos Nunes Barbosa *

1) Introdução

No presente trabalho será enfocada a relação entre o Direito da Propriedade Intelectual, suas relexões, e contrastes derivados das respostas sociais aos seus efeitos.

Para tanto, foi escolhida a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann1

como um referencial para a abordagem das vicissitudes, tangenciando a tutela dos bens imateriais vinculada à propriedade intelectual.

Nesse contexto, outras obras acerca da Teoria do Direito, Direito Civil, e Propriedade Intelectual foram utilizadas como parâmetro para o desenvolvimento deste estudo, no intuito de realizar uma abordagem multi-disciplinar.

2) Teoria dos Sistemas e o Direito

Como não se desconhece, a Teoria dos Sistemas toma como elemento fundamental a separação das circunscrições, das searas, mas estas icam sujeitas às fricções dos sistemas entorno.

* Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Especialista em Propriedade Intelectual pela PUC-Rio, Professor e Coordenador do Curso de Especialização em Propriedade Intelectual da PUC-Rio, Professor de Direito Civil e Propriedade Intelectual da PUC-Rio, sócio do escritório Denis Borges Barbosa. E-mail: pedromarcos@nbb.com.br
1 Para uma análise interessante sobre Luhmann, remete-se ao seu verbete consolidado na obra BARRETO (2006, p. 550).

Direito, Estado e Sociedade  n.38 p. 181 a 197 jan/jun 2011

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Nas adequadas palavras de Pietro Navarro:

La relevancia causal del entorno es, rectamente entendida, tan sólo un vector de referencia que se apunta hacia el exterior desde el interior del sistema, con ayuda de una distinción internamente creada, entre refe rencia externa y autorreferencia. Y lo que podemos recibir del entorno, como inluencia suya, es tan sólo una irritación, un ruido de fondo, cap tado a través de los canales que acoplan la sensibilidad de los recepto res sistémicos a determinadas variaciones o modulaciones provenien tes del exterior, por vía de acoplamiento esa irritación pone en marcha el procesamiento de comunicaciones dentro del sistema, de acuerdo a las distinciones y categorías que le son inherentes, y provoca eventual mente una respuesta que tampoco alcanza una determinación directa del entorno, sino tan sólo la creación de una irritación similar y de sentido contrario. Esto no es sino un resultado de la clausura operativa que muestra los sistemas en su estabilización y reproducción2.

Portanto, as alterações de um determinado sistema, como o Direito, se dariam num movimento interno, de autopoiesis, de forma endógena. As transformações poderiam, ou não, ter inluência externa, mas estas perpassariam pelas previsões intra-sistêmicas.

Algumas correntes do Direito detinham premissa ainda mais radical. O positivismo legalista, e.g, tomava como axioma a limitação ao texto escrito independentemente das esferas sistêmicas em seu entorno, tal qual consignado pela doutrina:

à medida que o sistema se mostra completo e coerente, a codiicação prescinde de preocupações sociais, bastando-se a si mesma. A sua cientiicidade, a sua assepsia valorativa e a pretendida suiciência da lei vão permitir o excessivo formalismo da ciência jurídica, desembocando em várias escolas jusilosóicas, como a da exegese, até o extremismo da crítica kelseniana aos elementos éticos e políticos do direito3.

2 NAVARRO (2001, p. 332).

3 CORTIANO (2002, p. 74).

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Em tal orientação, as transformações acabariam por se calciicar4, se tornarem lentas ou simplesmente não ocorrerem, numa verdadeira operação de mumiicação social tal qual previu Kant5.

Este foi exatamente um dos fatores que acabou por dar uma “vida curta” a correntes jurídicas que pouca, ou nenhuma, importância destinavam aos fatos sociais, à sociedade.

Quando o direito desconhece a realidade a última acabaria por se vingar, e, em processo de reciprocidade, termina por desconhecer o direito posto6.

Portanto o direito carece de harmonização com seu entorno, de forma a lhe garantir a maior estabilidade possível7, ao tempo em que muitas vezes prevê normas anacrônicas e incompatíveis com os sistemas em seu entorno.

Para tais casos, a disparidade na interlocução sistêmica inevitavelmente acaba por abreviar a eicácia jurídica. A doutrina civilista vai ao ponto fulcral de tal questão: “É o inegável envelhecimento do que já nasceu passado, pois foi parido de costas para o presente8.

A corrente do direito civil constitucional ultrapassou o viés da completude intra-sistemática, pois, o “que está no vértice do ordenamento jurídico, portanto, não está apenas no ordenamento jurídico”9.

4 CANARIS (2002, p. 46):“. Como saída, SALOMON vê apenas a ocupação com os problemas (permanente) e não, pelo contrário, com as suas soluções (não permanentes)”.

5 “Diante de uma mudança no costume – que todavia continua dentro do quadro constitucional – representaria um comportamento veleitário e perdedor (por parte) do legislador, cristalizar um costume já mudado ou superado”, in PERLINGIERI (2007, p. 257).

6 Por outro lado, a doutrina constitucional abalizada chega a uma conclusão diferente, utilizando um “justo meio” aristotélico: “Sem embargo, ao menos potencialmente, existe sempre um antagonismo entre o dever-ser tipiicado na norma e o ser da realidade social. Se assim não fosse, seria desnecessária a regra, pois não haveria sentido algum em impor-se, por via legal, algo que ordinária e invariavelmente já ocorre. É precisamente aqui que reside o impasse cientíico que invalida a suposição, difundida e equivocada, de que o Direito deve se limitar a expressar a realidade de fato. Isto seria sua negação. De outra parte, é certo que o Direito se forma com elementos colhidos na realidade e seria condenada ao insucesso a legislação que não tivesse ressonância no sentimento social. O equilíbrio entre esses dois extremos é que conduz a um ordenamento socialmente eicaz”. in BARROSO (2009, p. 60).
7 “Assim, o sistema jurídico seria autônomo apesar de todas suas dependências causais relativas ao seu ambiente social, enquanto nele, e somente nele, é decidido sobre o direito e o não-direito” in LUHMANN (2004, p. 59).

8 FACHIN (2003).

9 FACHIN (2003, p. 70).

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Nesse sentido, o Direito não regularia todas as matérias e, simultaneamente, as omissões não seriam resultado de mera falha legislativa, pois “os fatos juridicamente indiferentes assim o são porque foram juridicamente deinidos, por exclusão, como indiferentes”10.

Outra questão de enorme pertinência seria a realização do princípio constitucional da autonomia privada, dentro de uma perspectiva unilateral/voluntarista por parte do titular de um direito.

Ultrapassado o dogma da autonomia da vontade, temos, hoje, que a “autonomia exerce-se em relação aos outros. E exerce-se muito freqüentemente com os outros. Surgem-nos assim as formas de colaboração”11.

Tal assertiva é por demais pertinente na ótica da Teoria dos Sistemas, posto que seu escopo resta tangenciado por atos que ultrapassam uma determinada seara. Um exercício de um ato jurídico afetará não apenas o Sistema do Direito, mas, também, um determinado Sistema Social. Ademais, em alguns casos um sistema carece do outro, pois “recorre-se à sociologia também porque freqüentemente a ciência jurídica mergulha em construções de esquemas formais vazios”12.

O oposto também poderá ocorrer, sem que necessariamente todos os atos que sejam afeitos a uma categoria de sistema representem ou tragam efeitos sobre outra.

3) O papel do direito, as inluências de seu entorno, e outros problemas do sistema jurídico

Na vetusta concepção acerca da completude e assepsia dos institutos jurídicos, tínhamos que o texto legal – supostamente – revelaria paradigmas imparciais, constituídos pela “vontade democrática”.

Nas vicissitudes provenientes de uma nova ordem constitucional, a doutrina e a jurisprudência passaram a rejeitar um direito divorciado

10 Op cite, p. 110. Em seguida, na página 200, o autor complementa: “Não há, necessariamente, uma passagem do “não-direito” para o Direito; há determinado caminho em que deve trilhar essa passagem no espaço das dobras do mundo jurídico, onde se revelam valores que nem sempre o próprio sistema reconhece ou incorpora”.

11 Op cite, p. 145. Em seguida, na página 160, o autor registra passagem de enorme importância: “A deinição da titularidade leva em conta afastar os outros [da] visão clássica de que o fato que se passa é direito do titular único e exclusivo, o que, evidentemente, está superado. Hoje, o direito se mostra em relação a outro, para operar um juízo de inclusão e respeito”.

12 PERLINGIERI (2008, p. 101).

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de cargas axiológicas provenientes da fricção com seu entorno:É necessário revelar a teia anterior a essa classiicação, que é tecida para não ser questionada, mas deve passar pelo crivo de análise que desnude a suposta neutralidade dos conceitos jurídicos”13.

Se os institutos não são neutros14, podemos concluir – também – que suas fontes de fricção são heterogêneas. Na visão luhmanniana, a alteração do Sistema Jurídico só perpassaria pelas suas previsões internas ainda que concorridas com inluências de fora do sistema.

Desse modo, [abriu-se] espaço para pluralismo que, na formação complexa das fontes, supera o estrito monismo. A lei tomada como regra especíica, por conseguinte, é apenas espécie de norma jurídica que informa o...

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