Subjetividade jurídica e direito dos animais: um caso para a extemporaneidade

AutorLeonardo Monteiro Crespo De Almeida
CargoDoutor e Mestre em Direito pela UFPE. Bacharel em Filosofia pela UFPE
Páginas74-91
74 | Revista Brasileira de Direito Animal, e -issn: 2317-4552, Salvador, volume 15, n. 02, p.74-91, Mai - Ago 2020
SUBJETIVIDADE JURÍDICA E DIREITO DOS ANIMAIS: UM
CASO PARA A EXTEMPORANEIDADE
LEGAL SUBJECTIVITY AND ANIMAL RIGHTS: A CASE FOR THE
EXTEMPORANEOUS
Recebido: 18.02.2020 Aprovado: 19.05.2020
Leonardo Monteiro Crespo De Almeida
Doutor e Mestre em Direito pela UFPE. Bacharel
em Filosofia pela UFPE.
E-MAIL: leonardoalmeida326@gmail.com
LATTES: http://lattes.cnpq.br/3918991603659430
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-5742-3344
RESUMO: O presente artigo pretende realizar uma sucinta investigação acerca da
subjetividade jurídica no contexto dos direitos dos animais. Detê m-se em expor alguns
obstáculos para a formulação de uma noção de subjetividade jurídica animal a partir de certo s
pressupostos teóric os da teoria do direito contemporânea. Por isso propõe uma noção
extemporânea, deslocada, de subjetividade: uma que, não necessariamente rec onhecida pelos
ordenamentos jurídicos ou teorias do direito vigentes, serve como fator problematizador de
suas práticas, revelando- lhe os pontos cegos e questionando as suas operações: o que essa
forma de subjetividade enfatiza e traz é a abertura ao outro, alteridade. A questão dos animais
surge, neste horizonte, como vereda que leva ao questionamento de noções fundamentais da
teoria do direito tradici onal: concebe a subjetividade jurídica como a gência humana e o
exercício do direito como representação como resquícios de u m humanismo que dificulta
pensar o não-humano no direito.
PALAVRAS-CHAVE: Subjetividade; Desconstrução; Pós-Humanismo.
ABSTRACT: This present article intends to develop a brief investigation regarding legal
subjectivity within the context of animal rights. One of its main concerns is to expose some
obstructions t o an animal legal subjectivity within the current legal theory and its premises.
The article proposes a different notion of subjectivity, an extemporaneous one: this
subjectivity cannot be found in contemporary legal order or its theoret ical framework since it
has a virtual re ality, not an actual one. This subject ivity opens the legal domain to the alter
and its alterity. The question of the animal and its legal subjectivity is taken as a theoretical
path to question fundamental notions of traditional legal theory: the article conceives legal
subjectivity as human agency and the exercise of rights as representation a s traces of a
humanism that imposes significant difficulties to think the non-human within the law.
KEYWORDS: Subjectivity; Deconstruction; Post-Humanism.
SUMÁRIO: 1 Introdução 2 As ambivalências do sujeito de direito: a subjetividade como
construção discursiva e tecnologia 3 Extemporaneidade e subjetividade jurídica
desumanizada: o animal para além da ra cionalidade jurídica operacional 4 Redefinindo a
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questão: o animal atra vés da subjetividade jurídica extemporânea 5 Conclusão 6 Referências 7
Notas de referência
1 Introdução
No desenvolvimento do direito de moderno, a subjetividade jurídica se constitui em uma
zona de problematização e contestação. Examiná-la envolve colocar em questão, direta ou
indiretamente, as condições pelas quais a um ente pode exercer direitos e se submeter a deveres
juridicamente constituídos: encontrar-se excluído dessa esfera significa também não ser
reconhecido por um sistema normativo protegeria as suas prerrogativas existenciais. Fora do
universo simbólico do jurídico, resta apenas a materialidade de corpos completamente
disponíveis.
Mesmo uma análise histórica corriqueira de algumas das democracias liberais
contemporâneas mostrara, no entanto, que a subjetividade jurídica traz consigo uma complexa e
imprevisível dinâmica de aquisição e restrição de prerrogativas jurídicas. O que outrora carecia de
representação e de importância à luz dos ordenamentos jurídicos e das circunstâncias políticas
que lhes acompanham passa desfrutar de protagonismo e relevância. Outros grupos, porém,
enxergam com ansiedade uma contínua erosão dos seus direitos e garantias muito
conquistadas através da luta política. Interrogar a subjetividade jurídica, portanto, implica colocar
em questão as condições de representação pelas quais alguém pode vir a formular uma demanda
que seja também passível de aceitação jurídica.
A questão do animal eleva o nível de complexidade ao colocar em questão também o
resíduo antropocêntrico que revestiria a ideia de subjetividade jurídica. Neste ponto, a doutrina e
a teoria do direito acolhem certas exceções: ainda que uma empresa não seja um ser humano, ela
adquire uma personalidade e responde em juízo na forma de pessoa jurídica. Embora a noção
ainda remeta a um referencial humano (a empresa compreendida como um ente coletivo de
pessoas físicas, por exemplo), a distinção entre pessoa física e jurídica é suficiente para mostrar
que, em um nível muito básico e corriqueiro, a subjetividade jurídica possui mais desdobramentos
e uma plasticidade maior do que, a princípio, ela apresenta.
Pensar o animal no horizonte da teoria do direito implica conceber os limites da
subjetividade jurídica e as condições para a sua demarcação. É preciso averiguar se as
mencionadas transformações sociopolíticas são capazes de subverter o núcleo essencial do
sujeito de direito, precisamente aquelas qualidades e capacidades que vão separá-lo dos demais
entes no mundo ou mesmo se existiria um tal núcleo.
A hipótese de pesquisa deste trabalho consiste em sustentar que o conceito de
subjetividade jurídica traz consigo um potencial que jamais se deixa exaurir nas formas
contemporâneas de sujeito de direito, que a pesquisa nomeia como formas atuais de
subjetividade. Justaposto a essas formas, existiriam outras que, embora tão reais quanto as
outras, ainda não foram atualizadas: não integram ainda nem a estrutura normativa do direito
positivo, nem as discussões jurisprudenciais.
O propósito teórico desta hipótese reside em destacar que o vazio de conteúdo presente
nas categorias do direito positivo pode ser concebido em termos de potencialidades ainda não
cultivadas. São essas potencialidades que forneceriam os elementos para se pensar uma
subjetividade jurídica deslocada do presente estado das coisas, uma subjetividade que, não
estando devidamente ajustada aos princípios e requisitos legais e doutrinários que organizam um

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