Subjetividade, gênero e Estado de Direito no contexto das democracias liberais contemporâneas

AutorLeonardo Monteiro Crespo Almeida
CargoDoutorando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Páginas192-222
Subjetividade, gênero e Estado de Direito
no contexto das democracias liberais
contemporâneas
Subjectivity, gender and Rule of Law within the context of
contemporary liberal democracies
Leonardo Monteiro Crespo de Almeida*
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
1. Introdução
A história da teoria geral do direito abrange controvérsias acerca dos mais
diversos temas, desde a codif‌icação do direito até temáticas mais contem-
porâneas acerca da interpretação jurídica, mas uma ausência de ref‌lexões
sobre o gênero, no contexto dos sujeitos de direito, permanece como mo-
tivo para perplexidade. A centralidade de um sujeito de direito metafísico
e formal foi, durante muito tempo, obstáculo para que as demandas de
gênero pudessem se tornar objeto de uma ref‌lexão teórica mais densa por
parte do jurista1. Uma das consequências consiste na dif‌iculdade, ainda do
nosso tempo, em se trazer para o âmbito jurídico ref‌lexões em torno das
múltiplas formas daquele tipo de demanda.
Embora demanda de gênero seja um termo que normalmente possui
um uso mais específ‌ico, a exemplo de estar circunscrito apenas às de-
mandas da comunidade LGBT, neste artigo ele será empregado em uma
perspectiva mais ampla, com o intuito de englobar aquelas demandas e
outras que possam associadas à sexualidade. Neste último ponto, estariam
* Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mestre em Direito e Bacharel
em Filosof‌ia pela mesma instituição e Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Barros Melo
(FIBAM). E-mail: leonardoalmeida222@gmail.com.
1 Cf. DOUZINAS, 2000a, pp. 186-187.
Direito, Estado e Sociedade n.46 p. 192 a 222 jan/jun 2015
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as demandas das mulheres por uma legislação trabalhista que reconhe-
ça as especif‌icidades de sua condição, como também demandas pela des-
criminalização do aborto ou pela construção de delegacias especialmente
equipadas, principalmente em termos de pessoal, para o atendimento de
mulheres vítimas de abuso sexual.
Se limitarmos o conceito de demanda de gênero a uma compreensão
específ‌ica do termo gênero, os segundos tipos de demanda permaneceriam
de fora desta investigação. Em contrapartida, uma ênfase signif‌icativa no
sexo ou sexualidade poderia deixar de fora ou mesmo minimizar a im-
portância do primeiro tipo de demanda. Para a ref‌lexão proposta por esse
artigo, é relevante que os dois conjuntos sejam igualmente abrangidos.
Recentemente elas têm ganhado cada vez mais visibilidade nas diversas
democracias liberais, servindo para impulsionar um diálogo entre teoria e
f‌ilosof‌ia do direito e os estudos de gênero. Acreditamos que essa aproxima-
ção apresenta novas dif‌iculdades e problemas ao teórico do direito.
A proposta desse artigo foi tomar como base principalmente algumas
ref‌lexões de Drucilla Cornell, Judith Butler e Costas Douzinas para se pen-
sar as demandas de gênero no contexto dos Estados Democráticos de Di-
reito contemporâneos, onde considerável parte dos direitos fundamentais
são ao menos juridicamente – para não dizer constitucionalmente – res-
guardados. Mesmo assim, muitas das demandas de gênero permanecem
insatisfeitas e de difícil assimilação pelo sistema jurídico.
O artigo é organizado em duas partes, cada uma centrada em perspec-
tivas teóricas distintas, mas que dialogam entre si. A primeira é focada na
importância de se repensar a diferença sexual, sobretudo no contexto de
sistemas jurídicos que ignoram – ou atribuem pouca relevância – a esse
tipo de diferença. Embora conduzido por certas preocupações teóricas de
Drucilla Cornell, também em Costas Douzinas e Nancy Fraser encontrare-
mos subsídios que contribuem para a nossa investigação. A f‌inalidade não
consiste apenas em se pensar o gênero como dimensão importante da sub-
jetividade no contexto jurídico, mas também a forma como as condições
sociais e prof‌issionais são também inf‌luenciadas por ele.
A segunda parte tem como preocupação majoritária uma análise em
torno das barreiras e limites à implementação das demandas de gênero,
portanto em desvelar as relações de poder que obstruem aquelas preten-
sões. Há anos, Judith Butler vem desenvolvendo ricas considerações acer-
ca das relações entre subjetividade, gênero e poder, e em seus trabalhos
Subjetividade, gênero e Estado de Direito no
contexto das democracias liberais contemporâneas
Direito, Estado e Sociedade n.46 jan/jun 2015

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